Revista Administración Pública y Sociedad

(APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

DESENVOLVIMENTO NEOLIBERAL, CAPITAL TRANSNACIONAL E O PAPEL DO DIREITO:

BREVE ANÁLISE DO CASO CHEVRON NO EQUADORi

NEOLIBERAL DEVELOPMENT, TRANSNATIONAL CAPITAL AND THE ROLE OF LAW: BRIEF ANALYSIS OF THE CHEVRON CASE IN ECUADOR

DESARROLLO NEOLIBERAL, CAPITAL TRANSNACIONAL Y EL PAPEL DEL DERECHO: BREVE ANÁLISIS DEL CASO CHEVRON EN ECUADOR

VITOR DE SOUZA COSTAii y DANIEL MAURÍCIO DE ARAGÃOiii

Fecha de Recepción: 01/06/2020 | Fecha de Aprobación: 30/06/2020

Resumo: A aceleração da transnacionalização do capital nas últimas décadas

Palavras-chave:

foi sustentada pela difusão e aplicação de um modelo de desenvolvimento

Capital

 

de base neoliberal, além de ajustes no campo do direito, como forma de

Transnacional.

garantir a acumulação de capital e a impunidade de empresas em violações

Neoliberalismo.

de direitos humanos, incluídos os ambientais. O artigo se apoia em pesquisa

Impunidade.

 

bibliográfica e pesquisa de campo com entrevistas, discutindo como os

Chevron.

 

conceitos de neoliberalismo, disciplinamento neoliberal, supremacia, lex

Equador.

mercatoria e novo constitucionalismo contribuem para caracterizar como o

 

capital transnacional se estabelece nas últimas décadas. O caso Chevron no

 

Equador é aqui exposto, ainda que brevemente, indicando como se

 

constituem concretamente os mecanismos que garantem a reprodução do

 

capital, com destaque ao papel essencial do direito para garantir a

 

globalização neoliberal. O artigo discute, assim, os contextos políticos e

 

econômicos que permitiram historicamente a ação da Chevron no país e os

 

avanços e retrocessos da luta por justiça dos atingidos em diferentes

 

jurisdições. O caso Chevron é simbólico por conseguir expor a associação

 

entre transnacionalização do capital, neoliberalismo e direito voltado ao

 

mercado.

 

iEste artigo é uma adaptação realizada pelos autores de capítulos da dissertação de Mestrado em Relações Internacionais de Vitor Costa, orientada pelo Prof. Daniel Aragão.

iiMestrando no Programa de Pós-Graduação de Relações Internacionais da Universidade Federal da Bahia - PPGRI-UFBA. Bacharel em Humanidades pela Universidade Federal da Bahia. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). Pesquisador Associado da Universidad Andina Simón Bolívar - Sede Equador (2019). Contato: costasouzavitor@gmail.com

iiiProfessor Associado da Universidade Federal da Bahia- UFBA, onde atua como professor permanente do Programa de Pós- Graduação em Relações Internacionais. Doutor em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Coordenador do grupo de pesquisa GLOPOLI – Globalização da Política. Contato: daniel.aragao@ufba.br

6

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

Abstract: The acceleration of transnational capitalism in recent decades has

Keywords:

been supported by the dissemination and application of a neoliberal-based

Transnational

development model, as well as adjustments in the field of law, as a way to

Capital.

ensure the accumulation of capital and corporate impunity related to human

Neoliberalism.

rights violations, including environmental ones. The article is based on

Impunity.

bibliographic research and field research with interviews. It argues that the

Chevron.

 

concepts of neoliberalism, disciplinary neoliberalism, supremacy, lex

Ecuador.

 

mercatoria and new constitutionalism contribute to characterize how

 

transnational capital has expanded in recent decades. The Chevron case in

 

Ecuador is presented here, albeit briefly, to explain how the mechanisms

 

that guarantee the reproduction of capital are actually constituted,

 

highlighting the essential role of law to ensure neoliberal globalization. The

 

article discusses, thus, the political and economic contexts that have

 

historically enabled Chevron's action in Ecuador and presents advancements

 

and setbacks on the struggle for justice in different jurisdictions of those

 

affected by Chevron. Thus, the Chevron case is symbolic since it allows

 

exposing the association between capital transnationalization, neoliberalism

 

and market-oriented law.

 

Resumen: La aceleración de la transnacionalización del capital en las últimas

Palabras Clave:

décadas fue sostenida por la difusión y aplicación de un modelo de

Capital

desarrollo de base neoliberal, además de ajustes en el campo del derecho,

Transnacional.

como forma que garantizar la acumulación del capital y la impunidad de las

Neoliberalismo.

empresas en las violaciones de derechos humanos, incluidos los

Impunidad.

ambientales. El artículo se apoya en investigación bibliográfica y de campo

Chevron.

con entrevistas, discutiendo cómo los conceptos de neoliberalismo,

Ecuador.

 

disciplinamiento neoliberal, supremacía, lex mercatoria y nuevo

 

constitucionalismo contribuyen para caracterizar el modo en que el capital

 

transnacional se establece en las últimas décadas. El caso Chevron en

 

Ecuador es expuesto, aunque brevemente, indicando cómo se constituyen

 

concretamente los mecanismos que garantizan la reproducción del capital,

 

con énfasis en el papel esencial del derecho para garantizar la globalización

 

neoliberal. El artículo discute, así, los contextos políticos y económicos que

 

permitieron históricamente la acción de Chevron en el país y los avances y

 

retrocesos de la lucha por justicia de los afectados en diferentes

 

jurisdicciones. El caso Chevron es simbólico porque consigue evidenciar la

 

asociación entre transnacionalización del capital, neoliberalismo y derecho

 

orientado al mercado.

 

7

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

Introdução

A aceleração do processo de transnacionalização do capital, sobretudo a partir da década de 1990, foi garantida pela implementação nos âmbitos global e nacional de políticas que associavam um modelo de desenvolvimento neoliberal a um disciplinamento também neoliberal com destaque para o papel exercido pelo direito. Entre os casos que se tornaram emblemáticos de empresa transnacional com prática destruidora, exploradora e de violação de direitos, destaca-se o caso Chevron no Equador. A marca de impunidade deixada pela empresa gerou mobilizações nacionais e globais de indignação e reivindicação de justiça. Evidenciou-se como as lacunas de justiciabilidade serviam de suporte à globalização capitalista como forma de segurança para as necessidades de acumulação de capital.

Este artigo tem como objetivo apontar como a matriz neoliberal do desenvolvimento na perspectiva da acumulação global do capital demanda uma adaptação jurídica que possa lhe afiançar. O caso Chevron é aqui exposto, ainda que brevemente, indicando como se estabelecem concretamente os mecanismos que possibilitam a reprodução dessas práticas. Note-se que as tentativas de resistir a tal modelo nas três últimas décadas apresentaram resultados ainda incipientes diante do poder que as empresas que atuam globalmente exercem sobre governos nacionais e organismos internacionais.

A metodologia empregada se caracterizou por: a) revisão bibliográfica para análise dos temas e conceitos utilizados; b) acesso a fontes não apenas acadêmicas, mas também de organizações e movimentos sociais para reflexão sobre a dinâmica observada; c) entrevistas com interlocutores vinculados ao processo do Caso Chevron no Equador como resultado de pesquisa de campo in loco, nas cidades de Quito e Lago Agrio, Equador.

A análise realizada neste artigo está dividida em cinco partes. Inicia com uma caracterização da transnacionalização do capital, com vistas a entender os pressupostos deste processo em sua etapa mais recente. Em seguida, discute o significado e as consequências do neoliberalismo e sua supremacia na economia política global. Na terceira seção, o artigo apresenta o debate sobre o papel essencial desempenhado pelo direito para garantir a globalização neoliberal. A quarta seção narra brevemente o caso Chevron e o impacto por ele gerado. A análise do caso como simbólico para entender a associação entre transnacionalização do capital, neoliberalismo e direito voltado ao mercado é exposta na seção cinco. Por fim, apresentam-se algumas considerações finais com vistas a futuras pesquisas e reflexões sobre o tema.

1. A Transnacionalização do Capital

No livro de 1996, A Mundialização do Capital, François Chesnais (1996, p. 32) faz um debate sobre a transnacionalização das empresas, passeando por diferentes faces da discussão que compreende ser necessária, afirmando que “a mundialização deve ser pensada como uma fase específica do processo de internacionalização do capital e de sua valorização à escala do conjunto das regiões do mundo onde há recursos ou mercados, e só a elas [as empresas]” (grifo do autor). A concepção sobre empresas multinacionais sintetizada por Chesnais tem as

8

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

seguintes características: a) uma estratégia tecno-financeira que, amplia o escopo da empresa para além da produção direta, tendo uma capacidade de articulação com os diversos setores que integram o ciclo de produção; b) novas formas de investimento, que não o investimento direto, a partir da associação em joint-ventures que permitem acessar novos mercados, mas também obter conhecimento especializado, condicionando o aporte efetivo aos resultados alcançados – faturamento e lucros (ibid., p. 76-9). Assim, as empresas transnacionais se caracterizam, em grande parte, por sua atuação ampla em toda sua cadeia de valor, o que se dá desde o investimento, passa pela produção e segue até a oferta de serviços.

O primeiro conjunto de características das empresas transnacionais fala sobre as dimensões da empresa transnacional e seu papel. Ainda que este artigo vise a analisar o caso Chevron, a composição acionária da Vale S.A. contribui para uma percepção sobre essa dinâmica. Aqui, a partir do Relatório sobre Composição Acionária produzido pelo Departamento de Relação com Investidores da Vale S.A. (2019), vamos tomar como modelo as características da transnacional a partir do perfil de quatro empresas acionistas (Litel Participações S.A., Bradespar S.A., Mitsui&Co e BNDESPar) que juntas detém 38,6% das ações, totalizando 1,9 bilhões de ações, num valor de mais de US$ 25 bilhões de dólares. A escolha dessas quatro empresas se deve por juntas deterem mais de 1/3 das ações, compondo parcela significativa do capital da empresa. Assim, vislumbra-se como o processo de transnacionalização das empresas envolve estrategicamente a integração ao mercado financeiro e o vínculo com investidores de diversos setores da cadeia de valor. Dentro desta dinâmica, a Vale entra na caracterização determinada por Chesnais (1996, p. 73) ao afirmar que

a companhia multinacional invariavelmente começou por se constituir como grande empresa no plano nacional, o que implica, ao mesmo tempo, que ela é um resultado de um processo, mais ou menos longo e complexo, de concentração e centralização do capital […]; que a companhia multinacional tem uma origem nacional, de modo que os pontos fortes e fracos de sua base nacional e a ajuda que tiver recebido de seu Estado serão componentes de sua estratégia e de sua competitividade; que essa companhia é, em geral, um grupo, cuja forma jurídica contemporânea é a de holding internacional; e por fim, que esse grupo atua em escala mundial e tem estratégias e uma organização estabelecidas para isso (grifos do autor).

Vale ressaltar, a partir do exemplo, que o BNDESPar se apresenta como presença estratégica do Estado brasileiro na tomada de decisões, mas que, somado a outras duas sociedades de gerenciamento de valores mobiliários e outra empresa que atua em vários ramos da cadeia de produção, o fator nacional deixa de ter centralidade no sentido da integração ao gerenciamento da empresa – tanto pela posição na divisão internacional do trabalho, quanto pelos interesses diretos dos investidores. A empresa tem origem nacional, mas não assume estratégias de investimento e produção nacionalistas. Essa síntese também assinala que as relações produtivas da empresa perpassam prioritariamente pela avaliação de investimentos, a qual confere legitimidade à empresa, tornando a produção associada à responsividade desses investimentos no mercado financeiro – e não o lastro na produção de valor que o trabalho industrial tem capacidade de gerar.

9

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

Nesse sentido, a síntese que construímos associa-se com os seguintes elementos:

a)como exposto acima, quase 40% do capital da empresa está sob o domínio de acionistas que não estão vinculados diretamente com a matriz produtiva da empresa. Exceto a Mitsui&Co que tem na produção de minério de ferro um eixo fundamental, as outras empresas estão vinculadas diretamente ao processo rentista especulativo;

b)a participação do BNDESPar representa a manutenção da vinculação da empresa ao Estado brasileiro, ainda que esta tenha sido privatizada nos anos 1990. Isto significa que, se antes o entendimento era que os interesses nacionais deveriam conduzir as estratégias produtivas empresariais, agora compreende-se que não existe subsunção imediata aos interesses nacionais, por estes se encontrarem em disputa com os interesses dos acionistas privados. Cabe ressaltar que, ainda que exista interferência política por parte do Estado brasileiro que detém a golden share, entende-se que a Vale encontra-se no processo de realização do devir da financeirização. Isto significa que ao passo que o Estado encontra contingências na prevalência dos interesses estratégicos nacionais, perde o propósito nacionalista e de propulsor do desenvolvimento nacional, o que consolida o paradigma de integração dependente à cadeia global de acumulação (Santos, 2017, ps. 12, 15).

A centralidade que as corporações consolidam na economia política global também é reflexo do avanço de um projeto de contínua expansão do capital e do processo de redirecionamento da soberania estatal em favor do capital privado, característica fundamental do neoliberalismo. No caso da Vale, como explica Santos (ibid., pág. 12-4), o que existe é uma disputa entre acionistas de capital nacional e acionistas de capital externo sobre o método de realização da financeirização da empresa, mas não sobre a continuidade de tal processo. A centralidade que as empresas transnacionais assumem é reflexo da realidade material de monopolização do mercado nacional e radicalização do processo de concentração da mais- valia nos países do centro do capitalismo global; mas também, cumpre o papel ideológico de, dentro da dicotomia entre público e privado do liberalismo político, assumir os interesses privados enquanto interesses universais.

2. O Neoliberalismo

O processo de transnacionalização das empresas se acelerou desde a década de 1990, no contexto do pós-Guerra Fria, com a disseminação da doutrina neoliberal e a estratégia de associação da liberdade política a uma radicalização da liberdade econômica. A ideia de liberdade proposta por aqueles que buscavam resgatar ideais do liberalismo do século XIX (Friedman, 1951, p. 3) representa, na verdade uma justificativa criada para o desenvolvimento de um constructo teórico-ideológico que, nos termos de David Harvey (2006) executa uma destruição criativa. Como destrincham Perry Anderson (1995, p. 9) e David Harvey (2014, p. 29), a formação do pensamento neoliberal se efetiva a partir do encontro de intelectuais com a justificativa sobre sua necessidade histórica baseada no que acima destacamos do texto de Milton Friedman: a ideia de liberdade. Enquanto resgate do pensamento liberal clássico, os ideólogos do neoliberalismo cumprem um papel de interpretar a relação entre política, economia e sociedade desde o paradigma clássico contratualista que aponta a necessidade de

10

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

proteger a liberdade dos indivíduos do poder de intervenção do Estado – e avança nesta percepção quando propõe a defesa em relação às organizações coletivas, como sindicatos (Anderson, 1995, p. 10).

Como forma de melhorar qualitativamente as observações feitas acima, é preciso compreender duas questões que atravessam as bases do pensamento neoliberal e a produção do neoliberalismo no cotidiano: por quem e contra quem recai o discurso de defesa da liberdade e que papel cumpre o Estado nesse redesenho de dinâmicas. Comecemos pela última.

No sentido que já foi afirmado acima, não acreditamos aqui que o Estado, no neoliberalismo, passe a reduzir suas funções de exercício de poder – o que é validado pela experiência histórica. As críticas desenvolvidas pelos teóricos do neoliberalismo são contra aquilo que denominam coletivismo – o que efetivamente é a crítica ao Estado de Bem-Estar Social e ao socialismo (Friedman, 1951, p. 1; Anderson, 1995, p. 9-11; Harvey, 2014, p. 15). Para isso, no ensaio Neo-Liberalism and its Prospects1, o economista da Escola de Chicago, Milton Friedman (1951, ps. 2-3), defende que é preciso pensar as bases de como enfrentar a filosofia coletivista que tinha se estabelecido no Ocidente, porque, para ele

a maior falha da filosofia coletivista […] não está em seus objetivos – coletivistas quiseram fazer o bem para manter e aprofundar a liberdade e a democracia e, ao mesmo tempo, aumentar o bem-estar material das grandes massas do povo. […] Falharam em reconhecer a dificuldade do problema econômico em coordenar eficientemente as atividades de milhões de pessoas […] e em crer que isto seria mais fácil de fazer por um plano central. Junto a superestimarem a extensão da aceitação de objetivos detalhados, isto levou a crença de que se alcançaria anuência em um “plano” baseado em termos precisos e, portanto, evitaria aqueles conflitos de interesses que poderiam ser resolvidos via coerção. […] Um Estado com poder para fazer o bem, pela mesma razão pode fazer o mal; e há mais razões para acreditar que o poder, mais cedo ou mais tarde, vai ser conduzido às mãos daqueles que o usarão para fins maléficos (grifos do autor)2.

Épossível vislumbrar neste recorte como Friedman faz uma defesa da necessidade de construir um distanciamento entre política e economia, sem que a primeira determine a segunda. Assim, questiona-se todo o conjunto de políticas ditas coletivistas porque elas conduzem a uma correlação de forças dentro do Estado que regulamenta a atividade econômica a partir da produção política do Estado. É por isso que a organização sindical, por exemplo, vai ser um dos alvos das políticas neoliberais daqueles governos que as agenciam: Pinochet, no Chile, Thatcher, na Inglaterra e Reagan, nos Estados Unidos (EUA). Em outro sentido, apenas por observação, sua defesa no resgate da ênfase individual do liberalismo clássico do século XIX se apresenta enquanto precedência da moral na construção da política, o que impõe construções abstratas de bem e mal, assim como apresenta a ideia de liberdade como dever ser histórico incontestável – traço característico do pensamento moderno que é mobilizado para a dominação política e econômica.

11

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

A remodelação do Estado não ocorre de forma a dissolver suas capacidades de atuação; ela as redireciona. Primeiro, que a separação entre economia e política não só vai buscar modificar como esta influi naquela, mas como vai tentar dar primazia à economia. Assim, se defende que a força do Estado seja direcionada a estabelecer uma disciplina orçamentária e condições de estímulo aos investimentos. Assim, o bem-estar deixa de ser um objetivo social e a pura e simples garantia da abstração indeterminada de liberdade passa a ser o objetivo a ser perseguido (ANDERSON, 1995:10; FRIEDMAN, 1951:3).

Essa abstração de liberdade, de acordo com o diálogo feito por David Harvey (2014:46) em relação aos escritos do economista Karl Polanyi, se apresenta através do único caminho do livre empreendimento; e assim toda regulação é vista como um processo de restrição de liberdades. O que se pode compreender aqui, até agora, é que a formulação do neoliberalismo tem essa percepção de liberdade como central e que vem do resgate de uma concepção do liberalismo clássico de matriz europeia (Butler, 2014, p. 1).

Para a construção da ideia do que entendemos como o padrão geral do neoliberalismo – ou as principais formas de ação que os atores mobilizam os processos de neoliberalização – toma-se como ponto de partida o pensamento de Stephen Gill (2008, pp. 123-4, 126), de que o modelo neoliberal de regulação do capitalismo global se configura enquanto supremacia. Esta percepção entende que a organização da classe dominante em sua forma transnacional é parte da evolução de si mesma como classe dominante, resultado do processo histórico de oligopolização dos mercados e do nível de organização das relações sociais de produção em escala mundial, em especial no que se refere à dinâmica de acumulação do capital. A definição de supremacia, em Gill (ibid., pág. 152) aponta um “bloco de forças não-hegemônico que exerce dominância por um período sobre populações aparentemente fragmentadas, até que surja uma forma coerente de oposição”. Assim, a supremacia se percebe como um estado onde não se busca a solidez do consenso equivalente à almejada na construção da hegemonia, principalmente por destacar as pretensões de reorganização da cultura política, causa e consequência do novo regime de acumulação global; mas também por identificar que (ainda) a fração de classe dominante a nível global não detém controle sobre os núcleos decisivos da produção.

Uma das características deste projeto, que é parte estruturante deste padrão neoliberal é o ideário de competitividade e eficiência, transferido em forma de simulacro desde o setor privado para a arena estatal, descaracterizando o Estado do papel de agente regulador, para ser mero participante dos mercados globais com a função de viabilizar as demandas destes mercados e sintonizá-las com as políticas implementadas em nível nacional (Cutler, 2006ª, p. 216; Brand, 2005, pp. 162-3). A adoção de medidas de liberalização da economia, por meio do receituário de superendividamento, privatizações e desregulamentação dos setores produtivos e financeiros, imposto por organismos multilaterais, retira dos países a autonomia sobre a gestão de suas políticas macroeconômicas e faz com que esses passem a partícipes do processo de consolidação da impunidade corporativa (Guerra et al, 2017, pág. 68). Cutler (2006a, pág. 217) afirma que os governos, no intuito de servir ao projeto neoliberal, desenvolvem “normas permissivas de responsabilidade corporativa que não interfiram nas forças de mercado”3 e, como reivindica a Organização para Cooperação e Desenvolvimento

12

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

Econômico (OCDE), devem prover especialistas, capital humano e incentivos fiscais para a autorregulação e atividade responsável da indústria.

Nessa perspectiva, as privatizações, por exemplo, se caracterizam como

explícita transferência de matérias de interesse público ao interesse privado, o que podemos tomar como uma ‘corrupção regulamentada’. Isso porque o conceito de eficiência econômica trata da conquista do maior valor comercial contra o seu custo. Em outras palavras, a eficiência [...] consagra uma mentalidade privada a um modelo de administração, prontamente à disposição dos interesses das grandes corporações (GUERRA et al, 2017, págs. 72-73).

Já os processos de desregulamentação atingem inclusive, setores estratégicos ao desenvolvimento nacional, submetendo até as empresas estatais à influência direta das corporações, bem como a correspondência dos interesses destas com a criação de novos institutos jurídicos que permitam maior interferência privada e menos autonomia estatal (ibid., pág. 73-74).

Avançando ainda mais na esfera superestrutural do projeto neoliberal, são reconhecidos os impactos de limitação na atuação da sociedade civil nos espaços de participação e decisão do Estado. Dentro dessa compreensão, os meios democráticos, que deveriam dar vazão aos processos de disputa do Estado por parte dos grupos da sociedade civil, têm suas instâncias degeneradas, tornando-se apenas campos de legitimação pública para processos decisórios que atendem apenas à execução das necessidades inerentes ao Estado competitivo e eficiente, reduzindo a própria democracia a processos que possam referendar o discurso neoliberal (Brand, 2005, pág. 164). Há uma lacuna entre o idealismo e a materialidade do modelo de democracia liberal-burguês, que não consegue frear a sobreposição dos interesses econômicos em detrimento do acesso e garantia de direitos básicos – avançando assim, também, em relação à privatização de bens da Natureza essenciais à vida, como a água. Aqui, entra o processo de comodificação ou commoditização, isto é, a transformação de algo em uma commodity; ou seja, a imposição de um valor de troca – que não necessariamente tem base material – nas diversas relações sociais e seus produtos (Gill, 2008, p. 132).

A construção de um Estado que atenda aos padrões neoliberais significa estruturar as condições de reprodução do modo de regulação neoliberal – isto é, constituir o conjunto de normas e instituições necessárias para o bom funcionamento do regime de acumulação nos padrões do neoliberalismo (Hirsch, 2010, p. 107). De acordo com os estudos de Joachim Hirsch (ibid., pág. 110), o Estado tem uma posição dialética de produtor e produzido na conformação da dinâmica de regulação do neoliberalismo. Ele é um ente de capacidades importantes para a garantia desta ordem que vem se apresentar como resultado da saturação do mundo bipolar da guerra fria.

Para alcançar esse novo padrão de relação com a economia global, os Estados, com governos neoliberais ou não, estavam integrados a um processo de transição a formas de governança que reconheciam outros atores como também legítimos na construção de políticas. Stephen Gill (ibid., pág. 138-9) vai afirmar que existe a conformação de um novo constitucionalismo

13

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

que vai redesenhar a natureza e a proposta da esfera pública para dentro dos Estados, garantindo direitos privilegiados e de representação ao capital empresarial, ao mesmo tempo em que retira desta arena os movimentos que historicamente lutam por direitos e poder de representação. Um dos processos que facilita essa relação é dado pelo movimento conhecido como porta giratória, que representa o trânsito indiscriminado de figuras entre empresas privadas e órgãos públicos, que tem como principal função tornar a estrutura do Estado mais atrativa às possibilidades de negócios (Perelman, 2015, p. 91).

O processo acima descrito é o que Ulrich Brand (2005, p. 164) observa como a transformação da política na implementação da governança global para o período pós-fordista, ou justamente, o neoliberalismo. Junto a eles, uma ideia que se aproxima da proposição de novo constitucionalismo de Stephen Gill (2008, pp. 138-42) é a de estruturação de um constitucionalismo internacional, isto é, o entendimento de que “a tendência central da política internacional é a garantia da propriedade privada através do estabelecimento de normas4” (Brand, 2005, p. 163). Aqui, é possível observar outra controvérsia que reforça a afirmação já exposta de que o neoliberalismo se apropria das ideias de liberdade como retórica. A construção destas normas apresenta muita discrepância no que se refere a efetividade se compararmos o direito internacional de comércio e o direito internacional de direitos humanos. Enquanto os mecanismos de governança e os Estados mobilizam efetividade e atendem, inclusive, a mecanismos privados de solução de litígios para o primeiro, no segundo, existe pouca capacidade de atuação coercitiva para seu cumprimento e se mantém um padrão normativo brando, o que permite um grau de tolerância a violações de direitos humanos.

Essa internacionalização do Estado significou também que estas normas produzidas em âmbito internacional necessitavam ser assimiladas dentro do espaço nacional que, inclusive, deveria organizar as relações sociais internas para que elas tivessem vigência. Para isso, Gill (2008, p.

137)vai defender que o neoliberalismo exige um padrão de obediência e uniformidade a partidos, quadros e organizações, principalmente àqueles relacionados ao capital transnacional. Isto é, os Estados abrem mão dos seus processos democráticos de decisão para garantir o cumprimento destas normas que sequer passaram por debate e discussão públicos.

3. O papel do direito no neoliberalismo

Entender o direito como ferramenta que trabalha seja pela via do consenso, seja pela via da coerção, é importante para entender como se apresentam as ambivalências do direito na construção e na manutenção da ordem neoliberal. Apesar da força da palavra, em Gramsci a coerção não tem uma valoração que é objetivamente negativa – a grande questão é que ele também entendia a necessidade do uso da coerção como forma de disciplinamento que viabilizasse a construção da sociedade socialista (que ele denominava sociedade regulada) que seria baseada na direção resultante de consensos políticos, o que superaria paulatinamente o exercício de poderes coercitivos (Porta, 2017, p. 127).

No entanto, essa breve digressão é para que entendamos que – como visto acima – as dinâmicas sociais do neoliberalismo têm uma relação dúbia com a materialização dos conceitos de liberdade e democracia. A definição de Stephen Gill de supremacia do projeto

14

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

neoliberal, que aqui nos apropriamos, indica que não há hegemonia, então não há o uso harmônico das ferramentas de consenso e coerção. Portanto, a regulação da ordem social recai cada vez mais no uso direto da força, como se pôde ver com as experiências no final de 2019 de protestos que estão relacionadas à contestação de medidas neoliberais no Chile, Equador e Colômbia, quando se ativam dispositivos legais como estado de exceção e toque de recolher, o que resulta numa limitação direta de garantias de direitos fundamentais (Lenín, 2019; Sesbastián, 2019; Oquendo; Torrado, 2019).

Énesse sentido que Cutler (2006b, p. 532) fala sobre o processo de comoditização do direito: a regulação promovida pelo direito em sua forma capitalista é uma regulação que busca despolitizar para avançar em suas funções de exploração e coerção, descaracterizando o valor político das formas jurídicas – como por exemplo do direito à propriedade – e, assim, ofuscando as desigualdades sociais. Assim, o direito passa a ser uma ferramenta importante no processo de despolitização: têm-se as relações sociais reguladas sem a percepção de suas condições de produção, isto é, esquecendo-se de atores e condições em que as normas de direito são produzidas – e alimentando a suposta separação entre política e economia.

Entendendo que o debate de governança global se encaixa no marco temporal em que observamos o neoliberalismo, temos um diálogo importante para fazer. A juridicização das relações sociais é a imposição deste direito, que tem fontes nas relações materiais de produção e reprodução das sociedades (com atenção às suas desigualdades e hierarquias). Trata-se de um viés de governança que busca a gestão de crises oriundas de relações internacionais globalizadas que tem como objetivo a criação de um ethos universal baseado nos interesses comuns das nações e que sejam compostos por diferentes atores, rompendo o foco no Estado como único ator prevalente nas Relações Internacionais – aceitando uma sociedade civil que é composta por ONGs e empresas privadas, que ganha o caráter questionável de instância correcional (Brand, 2005, pp. 160-1).

A crítica da proposta de governança global questiona os padrões de regulação centrados na associação entre Estados e organizações internacionais, mas mantém a necessidade de uma arquitetura de regulação. Ou seja, não se perde o seu caráter teleológico, onde o direito tem centralidade no estabelecimento de contingências para que se alcancem os interesses comuns. O que o discurso da governança global e de defesa do redesenho desta arquitetura não pontua

éque o constitucionalismo global ou novo constitucionalismo tem nas organizações internacionais e instituições multilaterais a base material e ideológica para a manutenção das hierarquias globais que buscam garantir a reprodução e fortalecimento do processo de acumulação de capital e legitimar a competição entre Estados, onde o principal consenso político desta competição é a garantia de direitos de propriedade sobre outros direitos, mesmo que estabelecidos pelas mesmas fontes (ibid., pág. 165-6; Cutler, 2006b, p. 535).

Éassim que podemos entender que o direito serve como agente de produção de uma ideologia de desenvolvimento. Assimilar que o neoliberalismo é esta ideologia de desenvolvimento, no espectro global, é uma das formas de perceber como ele estrutura relações sociais. No entanto, não é possível dizer que ele produz unicamente essas relações, ou que ele não compartilha essa capacidade geradora com outras ideologias de desenvolvimento. Enquanto dominante no contexto global, o neoliberalismo compartilhou

15

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

espaços com projetos que se diziam opostos ao seu, mas que traziam aproximações. É o caso do neodesenvolvimentismo que prevalece na onda rosa da América Latina, mas que não necessariamente cria oposições aos processos impostos pelo neoliberalismo: radicalização da divisão internacional do trabalho, reprimarização das economias, violação dos princípios de soberania westfalianos por ordenamentos internacionais.

Um dos conceitos essenciais para a discussão neste artigo é o de lex mercatoria, compreendido como o conjunto de instrumentos legais que protegem os interesses empresariais e blindam os contratos firmados (Zubizarreta; Ramiro, 2016, p. 8); Guamán e Moreno aprimoram a conceituação apontando que a lex mercatoria do tempo corrente5 representa “uma nova ordem econômica e jurídica global que reinterpreta e formaliza o poder das multinacionais mediante a utilização de: usos e costumes internacionais; normas dos Estados nacionais; um conjuntos de convênios, tratados e normas de comércio e investimentos de caráter multilateral, regional e bilateral6” (Guamán; Moreno, 2018, p. 29).

O uso deste conceito nos permite construir a linha de pensamento proposta: avaliar as condições de chegada das empresas nos países da periferia do capitalismo e avaliar a capacidade de exercício contínuo de suas atividades sem responsabilização ou punição. É também uma ferramenta essencial para superar a limitação do conceito de impunidade produzido pela Comissão de Direitos Humanos do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento afirma que a noção de impunidade definida é a que significa

a impossibilidade, de iure ou de facto, de imputar os perpetradores de violência – seja através dos procedimentos [de justiça] criminal, civil, administrativa ou disciplinar –, pois eles não estão sujeitos a nenhuma investigação que possa levar à sua acusação, prisão, julgamentos e, se considerados culpados, sentenciados às penas apropriadas e a reparar suas vítimas7 (ECOSOC, 2005).

O conceito de impunidade do ECOSOC soa extremamente completo quando observamos os elementos que levam à sua definição, e ganha legitimidade por ser mobilizado recorrentemente por especialistas críticos que estudam as relações de poder que envolvem as empresas transnacionais. No entanto, ainda que reconheça que os perpetradores de violência

nos termos do documento – não estejam submetidos a investigações, ele vai recorrer apenas ao direito como forma de alcançar a punição e a reparação. Entretanto, é um conceito que apela à formalidade jurídica, não reconhecendo as limitações de atuação dos mecanismos de proteção de direitos existentes até hoje. O reconhecimento do conceito sobre as limitações da estrutura do direito internacional, se firma, contudo, nas bases do direito internacional, limitando a potencialidade de transformação, reafirmando um papel de controle ideológico em favor da ordem estabelecida na supremacia do projeto neoliberal.

Não deixamos de reconhecer aqui que as organizações internacionais são um resultado (por óbvio não estático) de uma ordem mundial hegemônica estabelecida previamente; isto é, instrumento ideológico de expressão das normas referentes àquela ordem mundial (Cox, 2007, p. 119-20). Esta advertência nos priva de parecer não estarmos atentos aos limites impostos

16

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

pela correlação de forças políticas que perpassam as organizações internacionais enquanto instrumentos de regulação e construção de hegemonia, num papel ambíguo que flutua entre o consenso e a coerção.

O que tentamos assinalar é que, ao não se debruçar sobre a estrutura econômica e política que permeia a atividade empresarial transnacional nos Estados, ignorando por exemplo as particularidades do setor extrativista, as condições e capacidades de efetiva punição, reparação e de precauções quanto à reincidência se tornam escassas. Em verdade, sequer o constrangimento público consegue se consolidar. Contudo, cabe estarmos atentos à observação de que esses eventos não são concretizados sem a ativa participação de autoridades públicas em associação com as elites da esfera privada. Para além do fenômeno da porta giratória, caracterizado pelo trânsito de figuras entre os setores públicos e privados, toda essa transformação normativa também se dá pela justificativa das autoridades dos Estados em nome da atração de investimentos, o que gera uma rede de acordos e concessões que devem ser discutidos. Uma das terminologias que sintetiza este processo é a corrida ao fundo do poço (race to the bottom), que significa justamente o rebaixamento do padrão do conjunto do sistema legal nacional – principalmente em termos de direitos trabalhistas, direitos humanos e legislação ambiental –, que se associa a uma gama de vantagens aos investidores – como isenção de impostos, desapropriação de terrenos etc. (Guamán, Moereno, 2018, pp 30, 43).

Uma das maneiras de sistematizar a produção do fenômeno supracitado é recorrendo ao conceito de disciplinamento neoliberal8, produzido por Stephen Gill para detalhar como o neoliberalismo estabelece suas capacidades de ação e modelagem das relações sociais. Gill aponta que este disciplinamento tem dimensões estruturais e comportamentais que são resultado da associação entre o poder do capital e um poder capilarizado/panóptico (Gill, 2008, p. 137). Este controle, então, perpassa pela organização dos limites institucionais para dentro e para fora dos Estados, por meio da associação entre autoridades públicas e privadas que buscam impor a superioridade moral e política dos princípios de privatização e desregulamentação em defesa do poder privado (ibidem., pág.138; Cutler, 2003, p. 237).

Todo esse reordenamento dos padrões políticos e econômicos vai representar um redesenho de como o direito, enquanto esfera de regulação, vai ser recaracterizado e se fortalecer enquanto agente histórico entre as forças sociais. O que Gill vai denominar por novo constitucionalismo sintetiza como o poder do capital privado passa a ter prevalência e nos conduz a uma transição da democracia para a mercadocracia (mercatocracy), termo utilizado por Cutler – isto é, o poder concentrado nas mãos do mercado.

Como um dos mecanismos de modelagem do que se entende por governança global, o novo constitucionalismo vai se caracterizar pela produção de mecanismos de direito internacional que vão ter efeitos quase-legais e ou quase-constitucionais (Gill, 2008, p. 138). Se materializando enquanto projeto político, seu objetivo é “fazer com que o liberalismo transnacional, e se possível o capitalismo liberal democrático, (sejam) o único meio para o desenvolvimento futuro9” (ibidem., pág. 139). Nesse sentido, estamos falando de uma relação hierárquica de determinação do direito como um todo, fundado nos princípios de um direito produzido com profunda participação de entes privados e intenso constrangimento que conduz à anuência dos Estados nacionais, que unifica as normas, a produção e a realização do

17

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

direito baseado na rejeição e invalidação dos processos democráticos e de representação política. Assim, esse processo de unificação do direito – isto é, homogeneização de normas sem margem de incompatibilidade – tem sido tratado como sinônimo de modernização dos Estados, passando estes a agir como participantes do mercado de forma similar às empresas, absorvendo inclusive o padrão de priorizar metas fiscais em relação a direitos (ibidem., pág. 142; Cutler, 2003, p. 192; 226).

A partir desta leitura, o que podemos perceber é que a modernização dos Estados – muito observada pela avaliação dos projetos de desenvolvimento orientados à matriz econômica durante o século XX – também pode ser lida pelo campo de atuação voltado à estrutura institucional desses Estados. Nesse sentido, os elementos do novo constitucionalismo são reflexos da imposição de uma ordem de controle e atuação determinada pelos princípios do Consenso de Washington, que estabelece mecanismos de vigilância das instituições internacionais (com atenção especial ao Fundo Monetário Internacional - FMI e Banco Mundial

-BM), mas também de instituições privadas associadas a avaliação de cenários para crédito, investimento e riscos associados (Gill, 2008, p.139). Vários dos mecanismos aqui expostos serão observados à luz do estudo do caso Chevron no Equador, o qual será apresentado na próxima seção.

4. O Caso Chevron no Equador

A empresa estadunidense Texaco chega ao Equador no ano de 1964, a partir de uma concessão pública que permite a exploração de poços petroleiros em território amazônico, visando produção futura nas províncias Sucumbíos e Orellana, à época Sucumbíos e Napo. De acordo com o relatório produzido pela jurista Adoración Guamán para o Parlamento Europeu sobre o caso, a concessão ocorre durante um governo ditatorial conformado em junta militar, no qual, mesmo que os integrantes da junta tenham sofrido sanções e processos judiciais por seus atos depois da instituição da Assembleia Nacional Constituinte subsequente, a concessão petroleira não vem a ser suspensa (Guamán; Prieto, 2019, p. 50).

A concessão garantia à Texaco os direitos de exploração e produção de petróleo na área de 1 milhão de km² da Amazônia Norte do Equador, através de sua subsidiária local, a Texpet. Em 1973, o contrato da concessão é redesenhado. A área concedida para exploração é reduzida para aproximadamente 500 mil ha, e se integram ao contrato a estadunidense Gulf Oil e a recém-criada Corporación Estatal Petrolera Ecuatoriana (CEPE) – de 1982 até hoje Petroecuador. Neste redesenho, o novo contrato exigia que a Texaco vendesse uma porcentagem do petróleo por um preço estabelecido pelo governo equatoriano para satisfazer as demandas de consumo interno, e o restante seria permitido à petroleira que o exportasse pelos preços do mercado internacional. No entanto, caso o governo equatoriano utilizasse o petróleo para outros fins que não consumo interno, a Texaco teria o direito de requerer compensação nos preços do mercado internacional (Pigrau, 2014, p. 6; UDAPT, 2018b).

Em 1974, ano em que os estudos de perfuração dão lugar à prospecção de petróleo, o consórcio passa a se configurar da seguinte forma: a Gulf Oil vende toda sua participação à CEPE, que passa a deter 67,5% do total, e a Texaco detém 37,5% com o direito de ser a operadora única. Isto significa que, apesar de o consórcio estar estabelecido enquanto uma

18

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

associação público-privada, apenas a Texaco poderia executar todas as etapas relativas à produção de petróleo na região concedida (Pigrau, 2014, p. 6). Esse conjunto de condições sobre as atividades extrativistas de petróleo na região se mantiveram sob essas regras até o ano de 1990, quando o contrato de concessão não é renovado pelo governo equatoriano e, em 1992, passa a ser operado totalmente pela Petroecuador.

A região ocupada pela atividade extrativista nunca havia sido espaço de exploração ou produção petroleira antes (ibidem,. Pág. 16). Com a chegada da empresa, o governo equatoriano estimulou um processo de colonização territorial, como descrito por Alexandra Almeida (informação verbal10) da ONG Acción Ecológica.

Inicialmente, quando a Texaco chega ao país e começa a fazer suas operações as pessoas não sabiam que consequências iam ter; inclusive, algumas se emocionaram porque ia dar trabalho e muita gente de outras províncias do país foram até lá, justamente, em busca de postos de trabalho. Porque acreditavam que era uma indústria que ia ser colocada ali, e que era bom ir viver – e muitíssimos camponeses foram com suas famílias, se assentaram em fazendas de 50 hectares, mais ou menos; era o que o Estado nesse tempo planejava numa colonização […]. E então eles diziam, bom, para os poucos hectares e pouca terra que tinham em outras províncias, chegar a ter 50 ha era fabuloso. Então eles foram muito iludidos porque iam ter terras, iam ter fonte de trabalho com a empresa…

Antes dos colonos, a região era povoada por algumas nacionalidades indígenas originárias. De acordo com as fontes que tivemos acesso, as seguintes nacionalidades indígenas existiam à época da chegada da Texaco: Waorani, Siekopaai, A’l Kofan, Shuar, Kichwa e Tetete. A exemplo dos efeitos da atividade petroleira na região, temos a situação da nação A’l Kofan, que foi reduzida de 5 mil para cerca de 800 habitantes, e a nação Tetete, que foi exterminada (Guamán; Prieto, 2019, p. 51).

Somente na fase de estudos, a Texaco perfurou mais de 350 poços, utilizando explosivos e tecnologia obsoleta. O uso de tecnologia obsoleta avança para o período de extração de petróleo. Na etapa de perfuração, o processo de inserir a broca do nível do solo até a jazida e executar a extração gera dois principais rejeitos. O primeiro deles é o lodo de perfuração, como

éconhecida a mistura de lubrificantes químicos que vai permitir a broca executar o processo de perfuração. Essa mistura contém metais pesados e outros produtos tóxicos e cancerígenos que deveriam ser recolhidos e tratados devidamente, mas que a Texaco optou por depositar diretamente no solo, direcionando esses rejeitos para os mais de mil buracos cavados pela empresa e que foram denominados de piscinas e que não sofreram nenhum tipo de tratamento isolante para evitar que os elementos tóxicos se infiltrassem no solo (ibid., pág. 51).

O segundo rejeito, também de grande potencial danoso, é a água de formação. Esse resíduo é originado no processo já de extração do petróleo e, diferentemente da tecnologia de reinjeção utilizada no mesmo período pela Texaco nos poços nos EUA, a opção da empresa no Equador foi de despejar mais de 64 bilhões de litros desta água nos rios da região de forma a economizar nos gastos de produção. (UDAPT, 2018b; Guamán; Prieto, 2019, p. 51). Essa água

19

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

de formação acabava por ser utilizada pelos habitantes da região pela necessidade de uso das águas fluviais que estavam contaminadas.

De acordo com o Informe Yana Curi, documento que avalia o impacto da atividade petroleira na Amazônia equatoriana, afirma-se que as comunidades próximas aos poços tendem a “sofrer uma exposição aos químicos e tóxicos quando respiram, usam a água para beber, tomar banho, cozinhar, ou comem alimentos que estiveram em contato com os tóxicos” (Amunárriz, 2004, p. 25). Essa exposição é reflexo direto, não só do despejo de água de formação nos rios, mas dos despejos e derramamentos de petróleo cru por parte da empresa, como reflexo da sua política de descarte. De acordo com os dados da própria empresa, expostos no site da Unión de los Afectados por las Actividades Petroleras de Texaco (UDAPT) (UDAPT, 2018b), cerca de 650 mil barris de petróleo foram despejados diretamente nos rios e nas estradas – e a situação de contaminação não cessou.

Diante de todo o processo que vitima os povos originários e campesinos da Amazônia equatoriana, esses atingidos se organizam e, para além das maneiras que encontram para enfrentar os danos causados pela contaminação constante do ecossistema, eles recorrem a processos judiciais em quatro diferentes esferas jurisdicionais, a saber:

a)Litígio nos EUA: perdura entre 1992 e 2002. Apesar da sólida questão levantada pelos atingidos, a justiça estadunidense se julga fora de jurisdição para aceitar o processo, recomendando que o caso seja julgado no Equador. Durante esses dez anos, a empresa mobilizou a doutrina do fórum non conveniens (argumentando inclusive a lisura do sistema equatoriano que ela contestaria depois), além de firmar acordos com o governo equatoriano, por meio dos quais ela executa uma pretensa remediação das piscinas de petróleo cru (o que efetivamente significou aterrar os rejeitos com uma camada de terra limpa) e se isenta do risco de vir a ser processada no futuro pelo Estado equatoriano. Em 2014, a empresa recebe uma decisão ilegal da Corte de Nova York em seu favor que definia o processo equatoriano enquanto fraudulento;

b)Litígio no Equador: ocorre entre os anos de 2003 e 2013. Pleiteando a recuperação do ecossistema aos padrões anteriores à contaminação (ou o mais próximo possível disto) e a garantia de assistência à saúde de todo o povo atingido, o processo condena a empresa em todas as três instâncias judiciais em mais de US$ 9 bilhões. Durante este processo, a Chevron busca as cortes arbitrais para constranger os atingidos e a justiça equatoriana;

c)Litígios arbitrais: apesar de os processos nos EUA e Equador serem entre os atingidos e a Chevron, a empresa recorre à American Arbitration Association e depois ao Tribunal Arbitral de Haia afirmando que o Estado equatoriano estava interferindo em seu sistema judicial para garantir um veredito que a condenasse. A decisão da Corte de Haia, inclusive, recomendava a suspensão do processo no Equador, representando violação dos princípios de soberania. Com essa decisão, a Chevron ganha respaldo em sua narrativa que acusa o processo de ser fraudulento;

d)Litígios em outros países: pelo fato de a empresa não deter ativos no Equador e se recusar a cumprir a sentença de 2013, os atingidos abrem processos de homologação da sentença no Brasil, Argentina e Canadá. No Brasil, a decisão do Superior Tribunal de Justiça diz que o país

20

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

não tem jurisdição, além de validar o véu corporativo, afirmando que a subsidiária, Chevron Brasil, não é a mesma empresa que a matriz, Chevron Corporation. Na Argentina, a sentença também não é homologada, com a justificativa do véu corporativo e da posição da procuradoria-geral do país sobre o receio em relação aos impactos na economia nacional que tal decisão poderia gerar. No Canadá, apesar de os juízes responsáveis não validarem a divisão entre matriz e filial – reconhecendo responsabilidade – não validam a homologação de sentença por entenderem que ao mesmo tempo em que a decisão equatoriana deveria ser entendida enquanto válida, a decisão estadunidense que indicava fraude também deveria. Sem julgar o mérito do caso, nenhum desses três processos logrou êxito.

5. Análise do Caso Chevron à Luz do Contexto Político e Econômico

De acordo com os elementos descritos acima, podemos ver que o processo do Caso Chevron tem várias nuances. Vamos buscar aqui nos dedicar àquelas que consideramos essenciais para associar esses elementos ao exercício teórico empreendido nos itens anteriores. Para isto, definimos que é importante: a) vislumbrar o papel desempenhado pelo Estado equatoriano, tendo como pontos de referência os governos que passaram desde a chegada da Chevron no país; b) perceber a quais interesses se direcionam os efeitos da aplicação dos instrumentos jurídicos; c) abordar as condições atuais dos atingidos para compreender os impactos permanentes que a ação extrativista provocou nos territórios atingidos.

Para fazer a análise sobre a atuação dos governos em relação à situação dos atingidos, é preciso ter em mente uma premissa essencial. Ainda que abordemos aqui o período 1964- 1992, por estarmos imersos no questionamento à possibilidade de responsabilização das corporações transnacionais sobre ecocídios provocados por suas atividades, a situação dos habitantes das províncias de Sucumbíos e Orellana tem caráter permanente que vai além do período de atuação da Texaco. O apanhado histórico nos oferece a conclusão de que, pelo caráter que o extrativismo assume na divisão internacional do trabalho e na definição da matriz produtiva que assenta a acumulação de capital, não é possível encontrar ações de relevância tomadas pelo próprio país em defesa do seu território e das suas populações, com uma pequena exceção no governo Rafael Correa – que será objeto de discussão. O advogado da UDAPT e uma das principais figuras da defesa dos atingidos, Pablo Fajardo (informação verbal11), vai afirmar o seguinte:

Nenhum governo aplicou uma política ambiental responsável na Amazônia equatoriana, nenhum. Existem pequenas diferenças no que se refere à distribuição de recursos, quiçá. Tampouco há uma maior diferença na política ambiental de nenhum governo. […] As empresas petroleiras, creio eu, com a pressão social, com as ações judiciais, com o Caso Chevron por exemplo, implementaram pequenas inovações na forma da extração hidrocarburífera ou de controle ambiental, mas o que fazem é modificar a forma da contaminação. […] Passaram, desde que começamos este processo, nove governos no Equador. Uma pequena diferença com Correa, sim há que dizer também, antes de Correa a empresa Chevron tinha as portas abertas com os governos – seja a porta principal ou a porta dos fundos, mas sempre se reunia com os governos; no governo de

21

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

Correa esse processo parou um pouco, e Correa não se reuniu com a Chevron, respeitou os processos dos demandantes neste caso e isso rompeu um pouco o esquema. Hoje a Chevron voltou a dividir a mesa […] com o governo atual [Lenín Moreno] neste caso, […] e [nós] os demandantes temos lutado contra governos e contra a petroleira conjuntamente.

A avaliação da relação com os governos equatorianos vai ser analisada aqui com as seguintes determinações: período pré Correa (1980-2007), período Correa (2007-2017) e período pós Correa (2017-2019). Essa definição entre três blocos como períodos de tempo distintos se dá como reflexo do recorte desenhado pelo depoimento de Fajardo em relação ao comportamento dos governos com a empresa. Ao longo da avaliação ficará mais explícito também sobre o porquê de observar o governo Correa de forma isolada.

A nossa avaliação do período pré Correa se inicia a partir dos anos 1980. Isto porque é neste período que já se maturam politicamente a percepção dos atingidos sobre as consequências da contaminação por petróleo e materiais associados em relação às suas vidas e, principalmente em relação à saúde, e isso os mobiliza rumo à organização política. A primeira organização de povos e nacionalidades indígenas é a União de Nativos Equatorianos, criada em 1975, para reivindicar o reconhecimento de seus territórios ancestrais. Essa mobilização influencia os camponeses que, em 1981, criam a União de Campesinos de Orellana (hoje Federação de Organizações Campesinas de Orellana). Essas entidades vão ser as sementes que permitirão conformar consequentes agrupamentos políticos até consolidar a UDAPT como principal frente de luta dos atingidos (Yanza, 2014, pp. 74-5).

Ao longo deste período, o que se tem é um comportamento governamental de cumplicidade com a Chevron-Texaco. O avanço do pensamento neoliberal, que se consolida no Equador nos anos 1990, permite que as corporações transnacionais atuem no território equatoriano com menor interferência governamental, e por muitas vezes, com a sustentação do Estado para frear as demandas de responsabilização. O governo de Leon Febres Cordero (1984-1988) é significativo na história do Equador, por ser eleito em uma coalizão de direita e aplicar medidas de ajuste econômico, baseadas em políticas orientadas pelo FMI e Banco Mundial. Além disso, foi um governo extremamente repressivo, com experiências de perseguição política e tortura. No caso do governo de Sixto Durán Ballén (1992-1996), existia uma política de desenvolvimento pensada para o país que associava o avanço do neoliberalismo com o aprofundamento do extrativismo, além de as instituições do Estado se direcionarem para blindar a Chevron do avanço das reivindicações por parte dos equatorianos vítimas da empresa (ibidem., pág. 46-7, 100).

Dois dos mais duros golpes deste período em relação ao favorecimento explícito do Estado em relação à petroleira são os acordos de 1994, 1995 e 1998, que permitem à empresa executar uma falsa remediação aos danos e se imunizar do risco de ser processada pelo Estado equatoriano em relação aos danos de suas atividades. Isso porque o primeiro deles foi gestado secretamente pela equipe do Ministério de Minas e Energia. Neste acordo, ainda que os atingidos mantivessem algum grau de poder de pressão através de comissão interinstitucional da Assembleia Nacional do Equador, o governo e a Texaco vinham mantendo reuniões,

22

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

fragilizando as possibilidades de constrangimento da empresa. Por fim, com a interrupção do mandato da deputada que liderava o processo após as eleições parlamentares de 1994, as organizações perderam ainda mais espaço institucional (ibidem., pág. 105-6). Assim, o acordo que proíbe o Estado equatoriano de questionar a Texaco pelas consequências de suas atividades extrativas, torna o Estado uma peça fora do baralho, caso a correlação de forças na sociedade viesse a mudar.

Os acordos de 1995 e 1998 fragilizam ainda mais a condição dos indígenas e camponeses amazônicos, porque eles agem principalmente no viés da desresponsabilização da empresa em relação à necessidade de reparação das pessoas e do ecossistema atingidos. O de 1995, que é um contrato que visa a remediação, como já dito, é executado sem parâmetros de fiscalização ou sem determinar em efetivo o que se pretende quanto à ação de remediar. Pelo que já se sabe em relação a como essa remediação foi conduzida pela empresa, o que se percebe é que este acordo tem a função política de isentar a empresa de assumir um compromisso efetivo de assegurar a restauração das condições de vida das pessoas que vivem nas regiões onde ela explorou petróleo. O acordo de 1998 cristaliza essa condição, por ser o acordo que afirma que a empresa já finalizou suas atividades de remediação, quando existia – e existe até hoje – uma condição de contínua contaminação do solo, dos rios, das plantas, dos animais e das pessoas.

Nesse sentido, o que podemos entender é que a empresa estabelece um vínculo com o Estado que se apresenta mais sólido que a própria relação entre o Estado e seus habitantes. E aqui entra um dos motivos centrais para fazermos esta análise com base na distinção escolhida. Ao compreender o Estado como uma relação social, isso significa que o período que antecede o governo de Correa é um período em que a força do capital internacional – em relação ao nosso caso específico – superava, no conjunto da disputa política equatoriana, a força política daqueles que lutam por direitos de sobrevivência e existência.

No entanto, é na segunda metade da década de 1990 que a correlação de forças políticas no Equador começa a mudar. O movimento indígena, sujeito histórico da política equatoriana, intensifica a luta contra os governos por suas políticas econômicas que estavam aliadas ao extrativismo e pelo direito à autodeterminação por meio do reconhecimento da plurinacionalidade do Estado equatoriano. Diversas coalizões de movimentos sociais resultam na derrubada de quatro presidentes entre 1997 e 2005 – todas com intensa mobilização das nacionalidades indígenas do Equador. Isto provoca um redesenho profundo nas forças políticas do Estado ampliado e viabiliza, como consequência, a chegada de Rafael Correa à presidência do país, através do partido Alianza País.

Ainda que o Alianza País não estivesse aliado ao Pachakutik – principal legenda política dos povos indígenas no Equador – a mudança das capacidades políticas para dentro do Estado são vistas neste trabalho através de duas importantes ações dentro dos governos Correa (CORREA, 2012:n.p). A primeira delas é a composição de uma Assembleia Nacional Constituinte que acabou cumprindo o papel de sintetizar politicamente os acúmulos dos anos anteriores de intensa mobilização e acúmulo de força política por parte dos movimentos sociais em capacidade de tensionamento com o governo central do Equador.

Mesmo que entendamos que a positivação de um processo político a partir de mecanismos institucionais com limitações de execução seja uma consequência da estrutura do Estado

23

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

Moderno e, ainda, que as disputas se mantêm durante todo o tempo, um dos principais avanços que alcança a Constituição de Montecristi12, promulgada em 2008, é a declaração da plurinacionalidade do Estado equatoriano. A plurinacionalidade promove um avanço na proteção dos direitos sobre o território por entender que os territórios das nacionalidades indígenas são terras comunitárias de origem ancestral e que por isso têm o caráter de serem propriedades imprescritíveis (inalienáveis, inembargáveis e indivisíveis), além de garantir o direito da consulta livre e informada sobre prospecção, exploração e comercialização dos recursos não renováveis encontrados em seus territórios (Ecuador, 2008).

Entretanto, existem diferentes controvérsias na aplicação do texto constitucional, como contesta a Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (CONAIE) em relação às determinações diretamente ligadas à noção de plurinacionalidade, como a consulta prévia aos povos e a educação bilíngue – dois aspectos fundamentais para a existência desses povos (Diálogo, 2019; CONAIE, 2017). Da mesma forma argumenta Alexandra Almeida (informação verbal), ao dizer que não existe a aplicação devida dos mecanismos de plurinacionalidade ou dos direitos da Natureza, apesar de entender que essa característica nacional se reverbera nos processos políticos que mobilizam o país.

Ainda assim, seria contraditório para nossa análise entender as contradições do período Correa como produção de equivalência aos governos anteriores e de matriz ideológica à direita. É notório que, ainda com a proposta relativa ao projeto Yasuní-ITT13, o governo Correa não tenha buscado a construção de um projeto de transição da matriz produtiva – inclusive porque o próprio Correa julgava loucura e infantilidade de parte da esquerda a opção de negar a exploração dos recursos naturais; entretanto, é possível vislumbrar um papel político importante deste governo como parte de um processo regional contraditório, mas condutor de projetos políticos dentro do espectro da esquerda. É assim também que a retenção dos dividendos da exploração extrativista dentro do país e o rompimento com o fluxo do padrão de fuga de capitais ampliam a capacidade de investimento público e enfrentamento das desigualdades, mesmo não justificando a recusa em construir um plano de transição produtiva.

Ainda que se notem as contradições das relações de poder para dentro e para fora do Estado, somadas aos desdobramentos de se ter uma constituição como a ratificada por referendo popular em 2008 dentro das imposições e constrangimentos promovidos pela dinâmica capitalista, é importante entender que este texto constitucional representa a construção de uma nova base de disputa política. Por óbvio, esta análise se distancia de leituras que recorrem ao individualismo ontológico e que podem recair em observações paternalistas sobre o papel de Correa em relação às demandas do movimento indígena. A vitória se dá por entender que

a Constituição política de um Estado cumpre a função de dar forma política a uma sociedade, através da organização de um conjunto de espaços para o exercício da vida política e da definição do que é e de como se dirige, nestes espaços, o conjunto de estruturas que são condições de todo o resto da vida em sociedade. Além de organizar os espaços e o tempo político da sociedade, a Constituição deve desenhar o modo de relação entre governantes e governados, com a tarefa central de despersonalizar o processo de formulação de leis e de direção política da sociedade. Nela, portanto, reside

24

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

também uma forma de produção de poder política, na medida em que define o tipo de instituições, a forma de governo, as formas de participação de governantes e governados e o conjunto de direitos da sociedade (Gonçalves, 2020:56).

Como elemento final de nossa análise sobre o governo Correa, trazemos à tona a campanha Las manos sucias de Chevron, na qual o governo se posicionou para enfrentar a posição da Chevron em relação aos eventos ocorridos na Amazônia. A motivação oficial de lançamento da campanha está relacionada à decisão da corte arbitral do Tribunal de Haia, a qual condenava o Equador, constrangendo a soberania do poder judiciário nacional em condenar a Chevron. O então Presidente Rafael Correa afirmava que a campanha estatal de publicizar os crimes da Chevron-Texaco não era uma intromissão em um litígio privado, senão o direito legítimo do Estado em se posicionar sobre um fato ocorrido dentro de seu território (Brieger, 2018). Entretanto, a leitura de Pablo Fajardo (informação verbal), advogado da UDAPT e dos atingidos,

éde que o então presidente inicia a campanha em 2013, pelo motivo de que no mesmo ano se confirma o insucesso da campanha em relação à proposta Yasuní-ITT.

A campanha teve sua importância como via de difusão do caso na mídia e nos canais diplomáticos do mundo, já que a posição de campanha estatal expunha o ecocídio da Texaco nos canais oficiais do governo, gerava pauta para o noticiário, bem como era mobilizada pela diplomacia equatoriana que construía comitês de solidariedade relacionados ao caso. Desse modo, o caso foi um dos elementos de respaldo para a construção da proposta de Instrumento Internacional Juridicamente Vinculante sobre Empresas Transnacionais e outras Empresas em respeito aos Direitos Humanos, liderado pelo Equador em conjunto com a África do Sul no Conselho de Direitos Humanos da ONU. De qualquer maneira, a campanha não significou a desistência do projeto neoextrativista, já que a posição governamental é de que o desastre na Amazônia era resultado de atividades petroleiras irresponsáveis, mas não consequência do padrão extrativista de relação com o território. (Ecuador, [201-?]a; Ecuador, [201-?]b).

Édentro desta avaliação que conseguimos fazer a observação sobre a escolha metodológica de dividir a observação da política equatoriana e sua relação com a indústria extrativista e o caso Chevron-Texaco. O governo Correa se apresenta como um ponto de rechaço às políticas neoliberais – como é possível ver no comportamento do Estado em relação à proposta Yasuní- ITT e à campanha Mãos Sujas –, mas contém traços indiscutíveis da relação entre a correlação de forças políticas internas e a correlação de forças no âmbito internacional. Dentro desse espectro, a avaliação dos limites políticos do governo Correa deve ser objeto de um estudo mais detalhado sobre a política e a luta de classes dentro do Equador – assim como tem sido feito com outras experiências da onda progressista latino-americana. Entretanto, entendemos que cumpria aqui apresentar as características fundamentais e os limites observados no governo Correa, para que fôssemos capazes de exercitar o questionamento às outras experiências. Por isso, seguimos agora para a breve descrição do período referente a Lenín Moreno.

O governo de sucessão de Rafael Correa é marcado por profundas transformações do panorama político do Equador. Lenín Moreno foi vice-presidente nos governos Correa e foi postulado como candidato de continuidade do projeto político trabalhado entre 2007 e 2017.

25

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

Ao ser eleito, no entanto, o governo Lenín Moreno passa por um processo de reorientação, o que leva ao rompimento com o correísmo – o conjunto de movimentos e lideranças políticas associadas à figura do ex-presidente Rafael Correa. Essa reviravolta provoca mudanças nas decisões e consequências políticas dos atos governamentais.

O momento político de síntese sobre as mudanças de orientação parece ser com a ocorrência do Paro Nacional de 2019. Este evento político da história recente do Equador representou a retomada da capacidade de mobilização do movimento indígena no Equador enquanto sujeito histórico da política equatoriana. Iniciado no dia 03 de outubro de 2019, a grande greve nacional foi motivada pela publicação do Decreto 883 da Presidência da República, que previa o fim dos subsídios aos combustíveis e adequação dos preços ao mercado internacional.

O decreto fazia parte de um conjunto de medidas de remodelação do Estado equatoriano, com base em um acordo firmado com o FMI, para empréstimo de US$ 4,2 bilhões. Para além do subsídio, este acordo – no escopo das medidas neoliberais já difundidas em outros momentos da história – buscava redefinir o modelo das relações trabalhistas e ampliar o domínio do capital privado no país, tendo como consequência direta o aprofundamento da desigualdade social (Lang, 2019, pp. 29-30). Nesse sentido é possível mostrar como a agenda econômica neoliberal do governo Moreno se constituía em associação a um processo de repressão política com a justificativa da garantia da ordem. No entanto, o governo encontrou obstáculos à imposição de seu projeto. Exatamente no dia seguinte à publicação do decreto,

barricadas com pneus queimando aconteciam em várias partes do país, bloqueando as principais estradas, junto a dezenas de milhares de pessoas que marchavam nas ruas e ocupavam prefeituras. Por alguns dias, três dos mais importantes campos de petróleo na Amazônia foram paralisados, atingindo o Estado em seu ponto mais vulnerável. Ainda que os taxistas e rodoviários tenham iniciado os protestos, quando eles tentaram terminá-los, o movimento indígena […] tomou a direção de todo o processo junto aos sindicatos. Em resposta ao Estado de Exceção decretado pelo presidente, que mobilizou milhares de militares e equipamentos pesados para as ruas, a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) também decretou Estado de Exceção em seus territórios e anunciaram que prenderiam oficiais de polícia e soldados que neles ingressassem sem a sua respectiva permissão. Isto efetivamente aconteceu na Província de Chimborazo, nos Andes, onde cerca de 50 oficiais foram detidos por vários dias (ibidem., pág. 31-2).

Cumpre adicionar aos elementos descritos pela professora Miriam Lang o fato de haver sido decretado o toque de recolher, o que acentuou a tensão social e agravou o conjunto de episódios de repressão policial que incorreram na efetiva suspensão da garantia do direito à vida. Também foram registrados ataques de bombas de gás lacrimogêneo a hospitais, resultando na morte de bebês recém-nascidos que não foram contabilizados como vítimas, e ataques com bombas tanto de gás lacrimogêneo como de efeito moral à Casa da Cultura de Quito, ponto de acolhida humanitária e principal acampamento para os indígenas que se deslocaram de todas as partes do país – o que significa uma concentração de idosos e crianças, junto às suas famílias14.

26

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

Deste modo, é possível demarcar que o governo Moreno apresenta características importantes de um governo neoliberal no espectro do capitalismo dependente. O refúgio em medidas autoritárias, que buscavam reprimir os movimentos insurgentes, aponta como o governo agiu enquanto ator de execução de medidas com caráter imperialista e colonialista por orientação de uma instituição financeira internacional. É assim também que a declaração de seu então Ministro da Defesa de proferir que o direito à vida não estaria salvaguardado em condições que não poderiam limitar a atuação das forças policiais e militares, mostra como as medidas são objeto de imposição. Questionáveis também foram os posicionamentos tímidos e tardios de organizações como a ONU e Organização dos Estados Americanos (OEA).

Entretanto, como aponta Alexandra Almeida (informação verbal) de maneira metafórica, o que representou a derrota parcial do governo equatoriano que conduziu à mesa de negociação transmitida ao vivo e em televisão aberta para todo o país (condição esta imposta pelo movimento indígena para qualquer tipo de negociação), foi a realização material da plurinacionalidade, como resultado da associação política dos diversos grupos sociais, de diferentes estratos, ao redor da liderança incontestável da CONAIE, com especial importância das mulheres indígenas de diferentes nacionalidades em organizar seus povos.

Deste modo, após a revogação do decreto 883, as organizações políticas equatorianas haviam conseguido estabelecer como meta a construção de um projeto para a disputa efetiva do poder no país – a exemplo da CONAIE e de organizações regionais dos povos indígenas, que organizaram assembleias para construir sínteses sobre o levante e aumentavam o tom do enfrentamento à criminalização política dos movimentos e à garantia da autodeterminação desses povos contra atividades extrativistas em seus territórios, por exemplo. Em associação, foi consolidado o Parlamento dos Povos, cujas reuniões aconteciam também na sede da CONAIE, em Quito, e se conformava enquanto um espaço de construção de unidade política em relação ao programa e à ação de diversos movimentos sociais do Equador.

Deste modo, conseguimos perceber como os diferentes governos lidam com o paradigma do extrativismo, podendo vislumbrar como isso impacta o compromisso em enfrentar empresas transnacionais como a Chevron, em casos que violam profundamente o paradigma constitucional do país, mas também se mostram como empecilho à retomada das condições de vida a patamares equivalentes ou próximos aos existentes antes do ingresso da empresa.

O papel que cumprem os governos se vincula ao processo global de avanço do projeto neoliberal. O caso Chevron, desde o seu início, assume características fundamentais das transformações econômicas e políticas que o sistema capitalista assume em sua divisão internacional. Ao Equador, país da periferia capitalista, e aos povos atingidos em suas condições de povos racializados – e por isto desumanizados – fica marcado o caminho de serem espaços e sujeitos marginais de uma dinâmica de acumulação que busca garantir a concentração de poder e riqueza de classe, como afirma David Harvey (2014).

Os efeitos materiais do avanço de neoliberalismo, como descrito por Stephen Gill (2008), também são experimentados pelos povos atingidos. A estrutura jurídica, seja na jurisdição dos outros países, seja nas cortes arbitrais, não avança sobre o mérito do caso – o que pode ser visto como sintoma da supremacia que busca viabilizar a acumulação de capital entendendo os processos destrutivos como meros efeitos colaterais da ideologia do desenvolvimento

27

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

ocidental baseado em matriz extrativista. O disciplinamento neoliberal é evidenciado pelo contato promíscuo entre autoridades públicas e privadas, o que garante a imunização da empresa em relação ao risco de ser responsabilizada pelos danos provocados de forma deliberada e consciente.

O novo constitucionalismo15 se associa com os paradigmas descritos nas observações relativas

àlex mercatoria. O direito comercial assume primazia na dinâmica das relações nacionais e internacionais. A formalidade jurídica aprofunda o fosso que a distancia da materialidade, servindo como legitimadora de interesses econômicos privados que acentuam as relações de dependência econômica sob o manto retórico do desenvolvimento. O conjunto das relações jurídicas passa a garantir, institucionalmente, os anseios da produção, reprodução e circulação de capital em detrimento dos direitos dos povos sobre seus territórios, sobre suas vidas e sobre as relações sociais às quais se vinculam.

Considerações finais

O caso Chevron no Equador se tornou referência para o debate sobre a impunidade vinculada

àtransnacionalização do capital e sobre qual é o papel desempenhado pela esfera jurídica em tal processo. Este artigo buscou caracterizar como empresas transnacionais se beneficiam de políticas neoliberais e pelas adaptações exigidas pela lex mercatoria com vistas à impunidade de suas práticas criminosas. A busca pela condenação da Chevron e por indenização em cortes nacionais, regionais e internacionais reflete os anseios de movimentos que, diante de propositais lacunas jurídicas ou de uma regulação flexibilizada pelo neoliberalismo, ainda anseia pelo cumprimento de promessas liberais.

Neste artigo, procuramos entender como: a transnacionalização do capital se coloca desde as últimas décadas do Século XX e até hoje como a estratégia primordial de acumulação capitalista; em seguida, vemos como o ideário neoliberal visa a servir como base de justificativa para esse processo, consolidando-se por meio de uma supremacia e um disciplinamento necessários a esta etapa de acumulação; o papel essencial do direito é observado na terceira seção do artigo, sobretudo com base nos conceitos de lex mercatoria e novo constitucionalismo; nas duas últimas seções, tem-se a exposição do caso Chevron no Equador e a análise do caso à luz dos debates anteriormente expostos sobre capital transnacional, neoliberalismo e a particularidade do direito nesse processo.

A atual etapa de acumulação capitalista marcada pela necessidade de expansão e exploração global de empresas que atuam transnacionalmente se depara com graves violações de direitos humanos (aqui incluídos os ambientais) que reivindicam justiça. Ocorre que a garantia de impunidade, seja por lacunas espaciais (demandar nacional, regional ou globalmente?), seja por flexibilização de direitos antes conquistados, aponta para um paradigma do direito que sobrepõe o investimento estrangeiro aos direitos humanos conquistados em décadas anteriores. Diante de formas políticas (Estado, direito) e econômicas que respondem aos interesses globalizantes do capital, há que se analisar quais seriam as formas de ação e reflexão que melhor poderiam conduzir a uma resistência ao poder desenfreado do capital global.

28

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

Referências bibliográficas

ANDERSON, Perry (1995). Balanço do neoliberalismo. En: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Ed.). Pós-

neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático (pp. 9-23). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

BRAND, Ulrich (2005). “Order and regulation: Global Governance as a hegemonic discourse of international politics?”. Review Of International Political Economy, v. 12, n. 1, p.155-176

BRIEGER, Pedro (2018). Ecuador: cuando el mundo conoció “la mano sucia de Chevron”. Disponível

em: <https://bit.ly/2VDLQZk>. Acesso em: 16 abr. 2020.

BUTLER, Eamonn (2014). A Short History of The Mont Pelerin Society. Disponível em: <https://bit.ly/2Sa5vid>. Acesso em 15 dez. 2019.

CHESNAIS, François (1996). A mundialização do capital. São Paulo: Xamã.

CONAIE, Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (2017). Resoluciones del Consejo Ampliado de la CONAIE. Disponível em: <https://bit.ly/359xXVS>. Acesso em: 14 abr. 2020.

CORREA, Rafael (2012). “Ecuador's Path”. New Left Review, n. 77, p.88-104.

COX, Robert (2007). Gramsci, Hegemonia e Relações internacionais. Um Ensaio sobre o Método. En: GILL, Stephen. Gramsci: materialismo histórico e relações internacionais. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.

CUTLER, A. Claire (2006a). “Gramsci, Law, and the Culture of Global Capitalism”. Critical Review of International Social and Political Philosophy. vol. 8, n. 4, pág. 527-542. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1080/13698230500205227>.

CUTLER, A. Claire (2003). Private Power and Global Authority: transnational merchant law in the global political economy. Transnational Merchant Law in the Global Political Economy. Cambridge: Cambridge University Press.

CUTLER, A. Claire (2006b). Transnational Business Civilization, Corporations, and the Privatization of Global Governance. En: MAY, Christopher et al. Global Corporate Power (pp. 199-225). Boulder: Lynne Rienner Publisher.

DIÁLOGO entre el Gobierno del Ecuador y movimientos indígenas (2019). Quito: RT en vivo. (62 min.),

son., color. Disponível em: <https://bit.ly/3cQJcp6>. Acesso em: 12 abr. 2020.

ECOSOC, Economic And Social Council (2005). Updated Set of principles for the protection and promotion of human rights through action to combat impunity. Disponível em: <https://bit.ly/2TyHkdE>. Acesso em: 09 mar. 2020.

ECUADOR, República del (2008). Constitución de la República del Ecuador. Disponível em: <https://bit.ly/3bH1yZk>. Acesso em 10 abr. 2020.

ECUADOR, República del. Ministério de Ambiente del ([201?]a). Ecuador mostró al mundo la «mano sucia» de Chevron. Disponível em: <https://bit.ly/3aEy7Ww>. Acesso em: 16 abr. 2020.

ECUADOR, República del ([201-?]b). Ministerio de Relaciones Exteriores y Movilidad Humana del. Cónsules del Ecuador respaldan campaña “La Mano Sucia de Chevron”. Disponível em: <https://bit.ly/2xaKVX7>. Acesso em: 16 abr. 2020.

FRIEDMAN, Milton (1951). Neo-Liberalism and its Prospects. Disponível em: <https://hvr.co/2Q0VKAp>. Acesso em: 16 set. 2019.

GILL, Stephen (2008). Power and Resistance in the New World Order. 2nd edition. New York: Palgrave Macmillan.

GONÇALVES, Rodrigo Santaella (2020). “Teoria do subsolo: aportes bolivianos à teoria democrática”. Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 30, n. 16, p. 45-68.

29

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

GUAMÁN, Adoración; MORENO, Gabriel (2018). Empresas transnacionales y Derechos Humanos: la

necesidad de un Instrumento Vinculante. Albacete: Editorial Bomarzo.

GUERRA, Alexandre et al (2017). Poder e Corrupção do Capitalismo. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.

HARVEY, David (2006). “Neo-Liberalism as Creative Destruction”. Geografiska Annaler: Series B, Human Geography, Suécia, v. 88, n. 2, p.145-158.

HARVEY, David (2014). O neoliberalismo: história e implicações. 5ª ed. São Paulo: Edições Loyola.

HIRSCH, Joachim (2010). Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan.

LANG, Miriam (2019). Vitória Histórica do Movimento Indígena no Equador. Boletim do Observatório da Diversidade Cultural, Belo Horizonte, v. 85, n. 05, p.29-35, set./out. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2xxdn5g. Acesso em: 24 mar. 2020.

“LENÍN Moreno decreta estado de excepción tras paro nacional” (2019). Metro Ecuador. Disponível em: <https://bit.ly/2EXNMTF>. Acesso em: 27 dez. 2019.

OQUENDO, Catalina; TORRADO, Santiago (2019). “Decretado toque de recolher em Bogotá depois de protestos em massa”. El País. Disponível em: <https://bit.ly/2rxHh6K>. Acesso em 27 dez. 2019.

PERELMAN, Michael. How Economics bolstered power obscuring it (2015). In: BUXTON, Nick;

DUMONTIER, Madeleine Bélanger (Ed.). State of Power 2015: An annual anthology on global power

and resistance (pp. 87-98). Amsterdam: The Transnational Institute.

(Disponível em: <https://www.tni.org/en/stateofpower2015#contents>. Acesso em: 08 Jan. 2017).

PIGRAU, Antonio (2014). “The Texaco-Chevron Case in Ecuador: Law and Justice in the Age of Globalization”. Revista Catalana de Dret Ambiental, Catalunha, Espanha, v. 5, n. 1, p.1-43.

PORTA, Lelio La. Coerção (2017a). En: LIGUORI, Guido; VOZA, Pasquale. Dicionário Gramsciano

(pp.127-9). São Paulo: Boitempo.

“SEBASTIÁN Piñera decreta estado de exceção no Chile” (2019). Diário da Causa Operária. Disponível em: <https://bit.ly/2ZwpBos>. Acesso em 27 dez. 2019.

UDAPT, Unión de Los Afectados Por Las Operaciones Petroleras de Texaco (2018). Contaminación de Chevron-Texaco. Disponível em: <https://bit.ly/3bztoqQ>. Acesso em: 05 fev. 2020.

VALE S.A. (Brasil) (2019). Departamento de Relações Com Investidores. Composição Acionária. Disponível em: <https://bit.ly/2EJKrrw>. Acesso em: 30 maio 2019.

YANZA, Luis (2014). Las voces de las víctimas. 2. ed. Nueva Loja: UDAPT; INREDH.

ZUBIZARRETA, Juan Hernández; RAMIRO, Pedro (2016). Against the "lex mercatoria": proposals and

alternatives for controlling transnational corporations. Bilbao: Icaria Editorial.

1 O Neoliberalismo e suas perspectivas, em tradução livre. Tradução nossa.

2 “The major fault of the collectivist philosophy that has dominated the western world is not in its objectives – collectivists have wanted to do good, to maintain and extend freedom and democracy, and at the same time to improve the material welfare of the great masses of the people. […] Failure to recognize the difficulty of the economic problem of efficiently coordinating the activities of millions of people […] and to a belief that it would be easy to do much better by a central plan. Together with an overestimate of the extent of agreement on detailed objectives, it led to a belief that one could achieve widespread agreement on a “plan” couched in precise terms and hence avoid those conflicts of interest that could be resolved only by coercion. […] A state with power ro do good by the same token is in a position to do harm; and there is much reason to believe that the power will sooner or later get into the hands of those who will use it for evil purposes.” Tradução nossa.

30

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/

Revista Administración Pública y Sociedad (APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 09, Enero-Junio 2020 - ISSN: 2524-9568

Desenvolvimento neoliberal, capital transnacional e o papel do direito: breve análise do Caso Chevron no Equador | DE SOUZA COSTA y DE ARAGÃO

3 “[This involves the promotion of] permissive corporate responsibility norms that do not interfere with the market forces […].” Tradução nossa.

4 “[T]he central tendency of international politics is the securing of private property through international norm-setting”. Tradução nossa.

5 Falar de “lex mercatoria do tempo corrente” é buscar dar atenção à ideia de equivalência – que resguarda diferenças, como aponta Cutler (2003), da lex mercatoria do medievo europeu, que tinha como princípios a liberdade comercial irrestrita entre os comerciantes, e o papel único do Estado de garantir e proteger as condições de comércio.

6 “[La Lex Mercatoria ha sido definida […] como] un nuevo orden económico y jurídico global que reinterpreta y formaliza el poder de las multinacionales mediante la utilización de: usos y costumbres internacionales; normas de los estados nacionales; un conjunto de convenios, tratados y normas de comercio e inversiones de carácter multilateral, regional y bilateral [...]”. Tradução nossa.

7 [“Impunity” means] the impossibility, de jure or de facto, of bringing the perpetrators of violations to account - whether in criminal, civil, administrative or disciplinary proceedings - since they are not subject to any inquiry that might lead to them being accused, arrested, tried and, if found guilty, sentenced to appropriate penalties, and to making reparations to their victims. Tradução nossa.

8 Disciplinary neo-liberalism, do original em inglês. Tradução nossa. A forma qual o termo foi traduzido busca desenvolver a ideia de processo contínuo e dinâmico, como busca apontar o autor em sua explicação, visto que faz parte do entendimento de que os processos de disciplinamento estão dentro de um conjunto de disputas pela hegemonia – que por sua vez não é um processo estático.

9 “[The new constitutionalism can be defined as the political project of attempting] to make the transnational liberalism, and if possible liberal democratic capitalism, the sole model for future development”. Tradução nossa.

10 Entrevista concedida por ALMEIDA, Alexandra. Alexandra Almeida: depoimento [nov. 2019].

Entrevistador: Vítor Costa. Quito, 2019. 1 arquivo. .wav (47min51seg).

11 Entrevista concedida por FAJARDO, Pablo. Pablo Fajardo: depoimento [nov. 2019]. Entrevistador: Vítor Costa. Lago Agrio, 2019. 1 arquivo. .wav (19min19seg).

12 A Constituição promulgada em 2009, resultante da Assembleia Nacional Constituinte. é reconhecida pelo fato de que foi na pequena cidade de Montecristi que foram reunidos especialistas para a produção do documento.

13 A proposta Yasuní-ITT foi uma iniciativa fruto da ação combinada de diversos grupos da sociedade civil equatoriana, que veio a ser legitimada pelo governo de Rafael Correa, no intuito de não explorar um bloco petroleiro dentro do Parque Nacional Yasuní, bloco este que continha cerca de 20% das reservas petroleiras do Equador. A iniciativa, que teve duração de 6 anos, tinha como proposta a arrecadação de US$ 3,6 bi, junto à comunidade internacional – metade do montante de US$ 7,2 bi que poderia ser arrecadado com a exploração das reservas. Em 2013, após arrecadar apenas US$ 13 mi, o então Presidente Rafael Correa interrompe o projeto e dá espaço para a produção petroleira na região.

14 O conjunto de informações não referenciadas relativas ao Paro Nacional são de testemunho de Vítor de Souza Costa, um dos autores deste trabalho, que esteve em Quito durante todo o período de mobilização, como parte de período de pesquisa de campo que executou no Equador no período de 03 de outubro de 2019 a 10 de dezembro de 2019 para a dissertação de Mestrado.

15 O novo constitucionalismo aqui citado se refere ao conceito de new constitutionalism desenvolvido por Stephen Gill e não deve ser confundido com o Novo Constitucionalismo Latino-Americano, movimento constitucionalista que resultou nas constituições da Venezuela (1999), Equador (2008) e Bolívia (2009).

31

This HTML is created from PDF at https://www.pdfonline.com/convert-pdf-to-html/