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"La idea de universidad como

bien público está en su propio origen. La reforma de Córdoba de 1918 puede ser vista como emblemática de esa idea de universidad"

MARCO ANTONIO DIAS

Licenciado en Derecho (Universidad Federal de Minas Gerais). Fue profesor, Jefe del Departamento de Comunicación, Decano de Extensión y Vicerrector de la Universidad de Brasilia. Fue asesor en el gabinete del Ministerio de Educación, Brasil. Fue director de la División de Educación Superior de la UNESCO (París) (1981-1999). Responsable el programa UNITWIN/Cátedras UNESCO. Representó a la UNESCO en los consejos universitarios de la Universidad para la Paz (Costa Rica) y Université Parix XIII, en Villetaneuse (Francia). Fue el principal coordinador de la Conferencia Mundial sobre Educación Superior (1998). En la Universidad de las Naciones Unidas fue asesor especial del Rector de 2000 a 2009. Participó en la Constitución del UNESCO-UNU Foro. Recibió títulos de Doctor Honoris Causa en universidades latinoamericanas y europeas. Fue condecorado con la "Legión d´honneur" en el Grado de Caballero por el gobierno de Francia (1999).

Entrevistador: Célio Da Cunha

Célio da Cunha (CC): A tese da Universidade como um bem público foi objeto de muitas polêmicas durante a Conferência de Paris, de 1998. Como Coordenador desse evento histórico, quais foram as maiores dificuldades para obter consensos e chegar ao texto final da Declaração Mundial? Como se posicionaram, de modo geral, as universidades latino-americanas presentes à Conferência? E o que dizer da II Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, realizada em 2009?

Marco Dias (MD): O fato de ter sido apontado publicamente pelo então diretor-geral da Unesco, Federico Mayor, como o principal organizador da Conferência Mundial do Ensino Superior (CMES), de 1998, faz com que, frequentemente, receba indagações sobre o significado deste evento que, ainda hoje, em 2015, passadas quase duas décadas, permanece uma referência.

Como explicar a permanência do interesse sobre um encontro desta natureza? Qual foi o diferencial em relação a centenas de reuniões que ocorrem todo o tempo sobre o ensino superior no mundo inteiro?

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Ainda recentemente (junho de 2015), visitando a China pela oitava ou nona vez, ouvi de um especialista em ensino superior deste país que a comunidade internacional vai se dar conta de quão importante foi esta conferência. O especialista asiático justifica sua afirmação dizendo que a CMES de 1998 formulou princípios que são permanentes e que se aplicam, sobretudo, à realidade atual. Em outras palavras, disse ele, a Declaração de 1998 foi antecipatória.

A Conferência Mundial de 1998 é um caso único. Na história da educação, jamais se viu uma concentração desta magnitude para tratar, exclusivamente, do tema da educação superior. Justifica-se, então, um exame detalhado de sua organização para que se possa compreender a origem de sua legitimidade e, também, para se observar como ela foi organizada de maneira radicalmente diferente do que ocorre em geral nas organizações internacionais.

A CMES de 1998 foi precedida de uma longa preparação, com mobilização crescente no mundo inteiro, quando ficou claro para todos, membros da comunidade acadêmica, governos, gestores e analistas dos sistemas educacionais, que as finalidades básicas dos sistemas de ensino superior necessitavam estar relacionadas com quatro objetivos principais:

Elaboração de conhecimentos novos (função de pesquisa);

Educação e formação de pessoal altamente qualificado (função de ensino e formação);

Prestação de serviços à sociedade, principalmente através de sua contribuição ao desenvolvimento sustentável e à melhoria da sociedade;

Exercício da função ética que implica o desenvolvimento da crítica social, que contribui para favorecer a formação integral e formar responsáveis capazes de iniciativa, aptos ao diálogo e a colaborar para a construção de uma sociedade melhor.

Ao anunciar seu apoio à iniciativa da Divisão do Ensino Superior de convocar a reunião, o diretor espanhol-catalão da Unesco, Federico Mayor, foi ambicioso, acentuando que este encuentro tendría como objetivo establecer los principios fundamentales que servirían de base, a escala internacional, para las reformas en profundidad de los sistemas de educación superior en todo el mundo. Dichas reformas supondrían una gran contribución a la construcción de la paz y del desarrollo basado en la equidad, la justicia, la solidaridad y la libertad – todo esto requiriendo que las instituciones de educación superior gocen de una autonomía y de una libertad responsables.

Estrategicamente, em 1995, antes mesmo da convocação oficial da Conferência, decidiu-se que ela seria precedida de mobilização importante que se traduziria pela celebração de cinco encontros regionais, o primeiro deles tendo lugar na América Latina e Caribe, em Havana, em 1996. Os demais foram organizados em Dakar, Tóquio, Palermo e Beirute, tendo sido promovidas ainda pelo menos três reuniões complementares: uma em Toronto para a América do Norte, outra em Porto Rico para o Caribe e uma terceira em

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Estrasburgo para os países do Conselho da Europa. Todas foram, além disso, precedidas de reuniões nacionais, estudos de fundo e análises em colaboração com Organizações Governamentais e Não Governamentais. Era evidente, nesta estratégia, que se a primeira conferência, a de Havana, tivesse êxito, o caminho estaria aberto para as demais regiões. A Conferência latino-americana deu o quadro. Posteriormente, em 1998, durante a CMES, os representantes latino-americanos estiveram entre os mais ativos nas plenárias, nas reuniões de comissão ou no acompanhamento da revisão dos projetos de Declaração e de plano de ação. Diversos ministros estiveram presentes. Não foi o caso do Brasil, cujo ministro aceitou participar de um encontro em Washington com o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas não veio a Paris.

ÀConferência de Paris, em 1998, acorreram, então, representantes de Parlamentos, do setor privado, de associações de professores e de estudantes (mais de trezentos), reitores, pesquisadores em educação, representantes de todas as grandes associações de universidades internacionais e regionais. Havia representantes de 180 (cento e oitenta) países, sendo que mais de 120 (cento e vinte) delegações eram presididas por Ministros de Estado da Educação ou do Ensino Superior. Todos se encontraram para estudar os desafios da educação superior no final do século XX, analisar quais deveriam ser suas novas funções e missões e verificar como deveria atuar a educação superior para colaborar com a construção de uma sociedade melhor. Cerca de duzentos jornalistas do mundo inteiro acompanharam os trabalhos que tiveram repercussão na imprensa do mundo inteiro. No total, entre quatro a cinco mil pessoas participaram do evento – foi a maior conferência jamais realizada na sede da Unesco – e os debates foram transmitidos mundialmente pela Internet, por iniciativa, pioneira no gênero, da Universidade das Nações Unidas.

É preciso, no entanto, notar que, em relação ao conteúdo, a discussão havia começado muito antes. Todo um trabalho de reflexão realizado durante os anos oitenta e noventa culminou com a publicação, pela Unesco, em fevereiro de 1995, em inglês, francês, espanhol, árabe, russo, chinês, português e japonês, do "Documento de Política para a Mudança e o Desenvolvimento na Educação Superior", vulgarmente conhecido como o

Policy paper da Unesco sobre o ensino superior”. Ali, depois de tratar das tendências observadas na educação superior, no final de século XX, e de examinar os desafios que enfrentava num mundo que se transformava, a Unesco, por questões metodológicas, concentrou todas as questões em três elementos aglutinadores: a pertinência, a qualidade e a cooperação internacional. A estes elementos, mais tarde acrescentou-se o financiamento.

Neste documento, já estava claro que antes de se buscar o tipo de instituição de educação superior que se quer construir, é necessário definir o modelo de sociedade que se busca alcançar. Concluía-se que a qualidade e a pertinência são conceitos que caminham juntos e que é necessário dispor-se de objetivos acadêmicos claros, de uma estrutura racional e de um entorno favorável. Mostrava-se, ainda, que nada disso teria sentido se as instituições não dispusessem de liberdade acadêmica e de autonomia responsável.

Fundamental, pois, na análise do documento de políticas da Unesco é que não pode haver qualidade se não houver pertinência, entendida esta como participação na busca de

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solução para os problemas principais da humanidade, como a construção da paz, a luta pelo desenvolvimento humano, a proteção do meio ambiente e o respeito aos valores culturais diversificados. Em consequência, ali ficou estabelecido que para exercer sua missão neste contexto, as instituições de ensino superior necessitavam do apoio indispensável do poder público. "O Estado e a sociedade, em geral, devem compreender que financiar a educação superior não é uma carga para os fundos públicos, mas sim um investimento nacional de longo prazo para reforçar a competitividade econômica, o desenvolvimento cultural e a coesão social", dizia o documento.

Além disso, todas as grandes organizações universitárias internacionais e regionais, as associações internacionais de professores e as organizações estudantis mobilizaram-se e debateram, previamente, os temas das conferências regionais e, depois, da CMES. Em nível regional, houve debates com representantes do mundo do trabalho e discussões em vários parlamentos. Eu mesmo participei de debates nos congressos brasileiro, em Brasília, e uruguaio, em Montevidéu, sobre o policy paper de 1995, mas já com vistas à CMES. Partindo do documento de políticas de 1995, uma infinidade de documentos foi elaborada, analisando as situações e as perspectivas do ensino superior, no mundo inteiro. A Conferência Mundial somente adotou dois documentos: "Declaração mundial sobre a educação superior no Século XXI: Visão e Ação", a Declaração de Paris, e o "Marco de Ação Prioritário para a Mudança e o Desenvolvimento da Educação Superior". No entanto, o secretariado da Conferência coletou mais de quinhentos textos que foram apresentados aos participantes do encontro de Paris e que deveriam ter sido postos à disposição da comunidade acadêmica mundial, através da internet, o que, infelizmente, não foi feito.

A Conferência foi extraordinariamente complexa e desenvolveu-se em torno de três eixos:

I- As comissões que tinham como elemento de entrada principal os resultados das cinco grandes conferências regionais e de mais três ou quatro grandes reuniões internacionais;

II- As plenárias, em que os chefes de delegações, em sua maioria ministros, expunham as posições oficiais de cada país;

III- Os debates temáticos, em torno dos principais desafios face ao ensino superior, e cuja organização foi entregue a cerca de cinquenta Organizações Não Governamentais (ONGs) e Governamentais, especializadas ou interessadas no ensino superior.

Tratava-se de uma estruturação única que incluía descentralização de responsabilidades rara que, sem dúvida, assegurou maior participação e envolvimento da comunidade acadêmica. Os documentos finais deveriam conter elementos provenientes destas três fontes, a principal delas sendo, naturalmente, a que procedia das reuniões regionais nas quais, igualmente, governos e representantes das comunidades acadêmicas estavam envolvidos. O resultado de tudo isto foi sintetizado nos dois documentos adotados pela

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CMES, de 1998: a Declaração e o Quadro de Ação, não sem antes terem sido examinados exaustivamente por uma comissão especial de Estados membros, nomeada no primeiro dia da CMES e que se reuniu no subsolo do edifício da Unesco, localizado na Praça Fontenoy, em Paris.

Tendo coordenado sua preparação, creio ser útil ressaltar dois fatos:

a)Os projetos ("borradores" ou "drafts") foram elaborados imediatamente após a realização da última Conferência regional, a de Beirute, para os Estados árabes, em abril de 1998, e enviados a todos os países e Organizações Não Governamentais interessadas, para exame e sugestões. Peça fundamental deste trabalho foi o texto que elaborei pessoalmente, em nome do Secretariado da Unesco e que tinha no original o título Retained Lessons – Consolidated Declarations and Plans of Actions of the Regional Conferences on Higher Education held in Havana, Dakar, Tokyo, Palermo and Beirut (ver em www.mardias.net electronic book nº 1). Neste documento, todas as conclusões das conferências regionais eram apresentadas de maneira organizada, facilitando a comparação e a análise.

Quando digo peça fundamental, não se trata de expressão de retórica. Através da utilização de elementos deste documento ao qual se incorporaram, em seguida, contribuições de reuniões de importantes ONGs e resultados de algumas reuniões, como Toronto e Estrasburgo, dois objetivos foram alcançados:

i)Mostrar a todos os que participaram das discussões nas regiões que seu envolvimento e contribuição não foram inúteis. Todos que participaram de encontros regionais puderam identificar-se com o projeto ou, pelo menos, com parte do projeto de declaração da CMES;

ii)Identificar os pontos que eram considerados essenciais pelo mundo inteiro e não apenas por alguns grupos, e isto em um domínio difícil de se alcançar consensos.

Na realidade, as conferências regionais demonstraram que, naquele final do Século XX, havia um entendimento sobre as seguintes questões:

=Era necessário tratar o sistema educacional como um conjunto e o ensino superior, independentemente de sua organização jurídica, deveria ser considerado como um bem público. Em consequência, a ajuda pública ao ensino superior era indispensável;

=O mérito, a capacidade e a motivação dos estudantes deveriam constituir a única base para o acesso ao ensino superior, não podendo ser aceita nenhuma discriminação para limitar o acesso. A participação das mulheres em todas as disciplinas em que estivessem sub-representadas e na gestão dos organismos deveria ser um objetivo a alcançar;

=O desenvolvimento das novas tecnologias abria caminho para uma educação permanente para todos, devendo ser colocadas a serviço do processo pedagógico como um progresso da pesquisa. Deveriam também contribuir para a gestão mais eficaz dos estabelecimentos de ensino superior e serem acessíveis a todos, considerando-se as condições sociais e culturais de todos. Enfim, as novas tecnologias deveriam colaborar para garantir o acesso para todos, ao longo de toda a vida;

=O ensino superior deveria formar cidadãos capazes de pensar claramente, de analisar os problemas, de tomar decisões, de agir eticamente e de assumir suas responsabilidades. Os

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vínculos reforçados com o mundo do trabalho não poderiam fazer esquecer que as orientações de base das instituições deveriam ser fixadas a longo prazo, e em função das necessidades sociais. O mercado é uma realidade, mas as crises permanentes se explicam pela falta de regras e de uma visão de conjunto, na qual os fatores sociais e culturais sejam os mais importantes. O objetivo final da ação neste domínio deveria continuar permanecendo o da construção de uma sociedade mais justa;

=Tudo isto somente poderia ocorrer se os docentes e os estudantes exercessem uma função importante na vida das organizações e se estas gozassem de autonomia institucional e de liberdades acadêmicas, num marco de responsabilidade;

=A dimensão internacional do ensino superior fazia parte de sua qualidade e o estabelecimento de redes baseadas na distribuição, na solidariedade e na igualdade entre associados deveria ser estimulada e tornar-se instrumento principal de ação das instituições e dos sistemas.

b)As propostas para a Declaração e o Marco de Ação, em consequência, não eram o resultado de uma abstração mental de um ou de meia dúzia de funcionários bem localizados num escritório em Paris, Nova Iorque ou Londres, como no “circuito Elisabeth Arden”, a exemplo do que ocorre frequentemente com documentos de organizações internacionais. Eram, com todas as suas falhas e limites, a emanação de uma discussão que, efetivamente, havia sido realizada intensivamente no mundo inteiro. O resultado disso foi que todas as tentativas de manipulação de indivíduos ou grupos que, vindos de dentro ou de fora da Unesco, quiseram orientar ou reorientar a declaração – e só Deus sabe quantos tentaram ou desejaram fazer manipulações – foram cortadas "ab-ovo", na origem, como diziam os latinos. Como no bolero de Ravel, nosso argumento era sempre o mesmo. Tínhamos que refletir os resultados da reflexão mundial...

Em termos pessoais, posso declarar que, com a colaboração de dois ou três colegas da Divisão de Ensino Superior da Unesco, redigi o projeto de Declaração e do Plano de Ação. O documento adotado, no entanto, não era, de maneira alguma, um documento pessoal. Era o resultado de um consenso global, obtido após muita discussão e debate.

Esses fatos explicam porque, durante a Conferência, não foi difícil obter consenso. As ONGs especializadas no ensino superior, por exemplo, após reunirem-se pouco antes com o secretariado da CMES, tinham adotado o projeto da Declaração como próprio destas organizações, e não queriam mudanças substanciais. Houve cerca de quarenta emendas, a maioria referente a detalhes, questões de redação, definição mais precisa de certos pontos. Numa conferência de porte semelhante, realizada meses antes na Alemanha, os participantes apresentaram mais de setecentas emendas... Apenas com relação a dois pontos, houve dificuldades para se chegar a um consenso:

I. O da participação dos estudantes na gestão das universidades. Alguns países asiáticos, em particular o Japão e a Coreia do Sul, preferiam que o princípio da participação dos estudantes não fosse mencionado, mas acabaram aceitando o ponto de vista da maioria. É interessante, desde já, notar que, em 2009, por ocasião da Segunda CMES, a questão estudantil voltou a ser tema difícil. Desta vez, foi outro país asiático, o Paquistão,

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que se opôs, com êxito, que a participação estudantil na vida institucional dos estabelecimentos de ensino superior fosse mencionada na Declaração

II.A questão do financiamento, e isto explica o fato de que o texto relativo a este tema seja, seguramente, o mais ambíguo e o menos claro de toda a Declaração. Historicamente, o princípio da gratuidade do ensino superior faz parte do arsenal jurídico-normativo do sistema das Nações Unidas. Ele é mencionado no Pacto Internacional relativo aos direitos econômicos, culturais e sociais que, em seu artigo 13, letra c, determina que “a educação superior deverá tornar-se acessível a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito”.

Uma ONG chegou a propor que este princípio fosse incluído na Declaração, mas não insistiu porque constatou que isto poderia pôr em risco a aprovação do conjunto, inclusive da afirmação em favor da educação superior como bem público. Em outras palavras, há um princípio normativo, legal, adotado pela comunidade internacional, que nunca foi revogado, mas que, hoje, a maioria dos governos não respeita e prefere não se referir a ele.

CC:Quais foram os principais obstáculos enfrentados para a realização da Conferência Mundial e como eles foram superados? E sobre os obstáculos posteriores?

MD: Houve problemas de outra natureza, um anterior, outro posterior à Conferência. Pouca gente sabe, mas algumas semanas antes de sua realização, os embaixadores dos países ligados à União Europeia reuniram-se e me convocaram, na qualidade de principal organizador do evento, para encontrá-los. Foi uma das reuniões mais difíceis de que participei em minha vida. Tive de fazer o papel de ingênuo e, às vezes, de artista, dando a impressão de fazer de conta que não compreendia o que se passava e o que queriam. Alguns embaixadores, em particular os da Áustria, Alemanha, Holanda e Reino Unido, puseram em questão a organização e mesmo a realização da Conferência. Queriam que apenas os representantes dos governos participassem do encontro, do qual seriam excluídas as instituições de ensino superior, os estudantes e professores. Tinham medo de que se firmassem compromissos que não poderiam, depois, aceitar ou executar. A Conferência realizou-se em ambiente de tensão, pois, a qualquer momento, um delegado do governo destes países poderia levantar uma questão de ordem sobre o procedimento e bloquear seu desenvolvimento. Havia, sim, o risco de alguns países tentarem suspender o encontro caso este tomasse rumos que considerassem prejudiciais a seus interesses. Era uma ameaça difícil de ser executada, mas era real. O problema afinal foi superado, mas, durante a Conferência, havia toda a parafernália de encontros, discursos, declarações, entrevistas a jornalistas, mas o sério mesmo ocorria numa reunião no subsolo da Unesco, onde uma comissão discutia, ponto por ponto, a Declaração. No final, o consenso se estabeleceu e a Declaração tendo, então, se tornado uma referência.

Em síntese, eis o que adotaram os participantes da CMES de 1998:

O ensino superior deve ser considerado um bem público;

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O acesso ao ensino superior deverá ser aberto a todos em plena igualdade, em função de seu mérito. Nenhuma discriminação pode ser admitida. A participação das mulheres deve ser reforçada;

A missão principal do ensino superior, hoje, é a de educar cidadãos, oferecendo-lhes espaço permanente de aprendizagem de alto nível;

Os estabelecimentos de ensino superior devem desenvolver sua função crítica através da verdade e da justiça, submetendo todas as suas atividades à exigência do rigor ético e científico. Para isto, as liberdades acadêmicas e a autonomia são indispensáveis;

A qualidade do ensino superior é um conceito multidimensional que deve englobar todas as suas funções e atividades. Ter-se-á cuidado especial em fazer progredir os conhecimentos através da pesquisa;

Os estudantes devem estar no centro das preocupações dos que tomam decisões em nível nacional e institucional. São eles os protagonistas essenciais do processo de renovação do ensino superior;

Na perspectiva da educação ao longo da vida, é essencial diversificar os sistemas, as instituições e os programas de estudo. Uma política vigorosa de aperfeiçoamento do pessoal se impõe;

O ensino superior deve tirar todo benefício das novas tecnologias, em particular das novas tecnologias de informação, cujo acesso deve ser o mais amplo possível no mundo inteiro;

A dimensão internacional do ensino superior faz parte de sua qualidade e a implantação de redes cuja ação se fundamente na solidariedade e na igualdade entre os membros deve ser estimulada e tornar-se instrumento principal das instituições e sistemas;

A pertinência deve medir-se pela adequação entre o que fazem os estabelecimentos de ensino superior e o que espera deles a sociedade. Neste marco, a participação na busca de solução aos grandes problemas da sociedade, a integração com o mundo do trabalho – em que as necessidades das sociedades, incluindo-se aí o respeito às culturas e ao meio-ambiente, sejam consideradas prioritárias

– e a contribuição ao desenvolvimento do conjunto do sistema educacional são essenciais na ação dos estabelecimentos e dos sistemas de ensino superior;

Sem uma educação superior e sem instituições de pesquisa adequadas que formem a massa crítica de pessoas qualificadas e cultas, nenhum país pode assegurar desenvolvimento endógeno genuíno e sustentável e nem reduzir a disparidade entre os países pobres e em desenvolvimento e os países desenvolvidos. O compartilhar de conhecimentos, a cooperação internacional e as novas tecnologias podem oferecer oportunidades novas para reduzir esta disparidade.

Outra questão – esta bastante séria por suas implicações – diz respeito a seu seguimento. Dois fatores merecem ser mencionados:

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1- Para assegurar a participação da comunidade acadêmica no seguimento da CMES, a Unesco e a United Nations University (UNU) se associaram à Universidade Politécnica da Catalunha e criaram uma rede: Global University Network for Innovation (GUNI) que realizou grandes coisas, publicou relatórios extensivos sobre questões ligadas ao ensino superior, mas, numa determinada fase, teve a execução de seus programas controlada justamente por grupos notoriamente contrários à visão do ensino superior como bem público. Ao mesmo tempo, na Unesco, com fundos de países nórdicos, estabeleceu-se um sistema de seguimento que também não dava prioridade à participação das instituições acadêmicas. Era uma política diversionista, pois se discutiam, às vezes, temas relevantes, mas deixando de colocar o foco nos pontos mais importantes, sobretudo os que diziam respeito à ligação umbilical entre qualidade e pertinência.

2- Há que se compreender a coincidência histórica que foi negativa para os resultados da CMES. A Conferência realizou-se em 1998. Em 1999, houve mudança na Direção Geral da Unesco: Federico Mayor, espanhol-catalão, ex-Reitor, conhecido por considerar o ensino superior como bem público e atribuir a este nível de ensino prioridade real nos programas da Organização, deixou a Unesco. Funcionários desta organização, alguns por ação, outros por omissão, contribuíram então para que a liderança no tratamento da questão do ensino superior em escala mundial passasse para as mãos da OCDE e do Banco Mundial, estes, já nesta época, confortados com a decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) de transformar o ensino superior em mercadoria. A declaração da CMES de 1998, sem ser rejeitada oficialmente, passou, na prática, a ser ignorada. Esta tendência, visível desde a chegada do japonês Matsuura à Unesco, passou a ser notória a partir de 2003 quando um togolês, Francisco Seddoh, que me havia substituído na direção da Divisão do Ensino Superior, em 1999, deixou também a Organização. O fato de o setor da Educação da Unesco estar tão controlado por ingleses e estadunidenses só serviu para agravar esta tendência.

Recentemente, no início de 2015, realizou-se na Coreia do Sul o World Education Forum – 2015 – Education 2030 – Towards inclusive and equitable quality education and lifelong learning for all, uma promoção da Unesco, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Banco Mundial e de outras organizações. Neste documento reafirma-se que a educação é um bem público, um direito humano fundamental, essencial para a paz, a tolerância e o pleno desenvolvimento do ser humano, bem como para o desenvolvimento sustentável. Os participantes se engajaram na tarefa de propiciar oportunidades de formação ao longo da vida, em todos os níveis, o que implica maior acesso inclusive no ensino superior. Declararam basear-se na herança das declarações de Jomtien e de Dakar. O ensino superior não está excluído, mas é sempre mencionado en passant, quase como que uma concessão. É verdade que, no tempo do Sr. Matsuura como Diretor Geral, e de ingleses e estadunidenses como Subdiretores da Educação, a situação esteve pior, o ensino superior era simplesmente deixado de lado, mas nem de longe o setor goza, atualmente, da prioridade de que dispôs durante a gestão de Federico Mayor.

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Voltando atrás, no período imediatamente posterior à saída do Sr. Mayor da Unesco, enquanto esta Organização deixava de declarar o ensino superior como prioridade, a OCDE fazia tudo para ter, no setor, uma liderança intelectual e o Banco Mundial, após ter publicado uma série de documentos sobre o ensino superior, destacava sua importância e defendia um sistema em que a privatização era estimulada. O Banco, fortalecido pelos recursos que colocava à disposição dos países, passou a destinar fundos consideráveis para programas de reforma universitária, em particular em regiões como a América Latina. Funcionários competentes do Banco percorriam os países dizendo às autoridades que o Banco tomara conhecimento do interesse pelas reformas e anunciavam que o Bird estava disposto a financiar as operações neste sentido. Seria ingênuo imaginar que o Banco daria apoio dessa natureza sem exigir e dispor de uma supervisão ideológica e programática.

Seria muito longo descer a todos os detalhes, mas pode-se observar que, desde o início deste século, iniciativas diversas foram tomadas para impor, na prática, uma espécie de pensamento único que, no caso do ensino superior, se configurava pela aplicação nos países dos princípios da Organização Mundial do Comércio que, desde 1998, passou a considerar a educação e, em particular o ensino superior e o ensino a distância, como mercadoria.

A Declaração de 1998 passou a ser ignorada e, por outro lado:

a)fez-se silêncio sobre a pertinência de documentos básicos, por exemplo, sobre o discurso de encerramento de Celine Saint Pierre, do Canadá, uma mulher de visão, que foi capaz de, analisando o que se discutira na CMES, prever muito do que viria em seguida, inclusive com respeito à comercialização da educação;

b)Passou-se a utilizar, de maneira sistemática, processos de recuperação. Fala-se de respeito à diversidade cultural e, ao mesmo tempo, estimula-se práticas que visam ao estabelecimento ou confirmação de monopólios, de visão única do processo, de qualidade baseada em padrões fechados e restritos a certos países e a certas realidades. Exemplo claro de uma recuperação deste tipo ocorreu durante a Conferência de Paris + 5, em 2003, quando, não fora a reação dos delegados latino-americanos, ter-se-ia registrado no informe final, sem discussão, o conceito de bem público global, em lugar de bem público. Bem público para o ensino superior significa que se trata de um serviço público, acessível a todos, sem discriminação, permanente e adaptável às condições e mudanças da sociedade. Bem público global implicaria na aceitação de modelos globais, em consequência de processos de acreditação estandardizados, contrários à diversidade cultural, facilitando a comercialização da educação e seu domínio por instituições de um pequeno grupo de países;

c)Na área justamente da acreditação e da avaliação, um processo que durou, pelo menos, quarenta anos, levou à elaboração de convenções regionais sobre o reconhecimento de estudos e de diplomas do ensino superior e a uma Recomendação internacional, em 1993, adotada por consenso, após muito estudo, reflexão e negociação. No entanto, instalou-se, na primeira década deste século e continua em curso, um processo que visa, sem dúvida, ao estabelecimento de um sistema internacional de acreditação baseado em boas práticas modeladas na experiência dos países signatários da convenção de Lisboa

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de 1997 (da Europa, além de Estados Unidos, Canadá, Israel e Austrália). O documento base para toda esta operação foi elaborado pela OCDE com a colaboração de funcionários da Unesco. Esta organização não o aprovou oficialmente pelo seu Conselho Executivo e Conferência Geral, mas é usado como se fora documento oficial da Unesco, que apenas dele tomou nota. Abandona-se, na prática, a Recomendação de 1993, que é mencionada apenas para justificar um enterro de terceira classe, e utilizam- se, no processo em curso de reformas das convenções regionais, princípios todos baseados na experiência dos países europeus (aos quais se somam Canadá, Estados Unidos, Israel e Austrália).

d)Uma série de processos, aparentemente independentes mas, na realidade, profundamente interligados, passou a ser utilizada com o mesmo objetivo final: consolidar a posição de liderança de um pequeno grupo de países, em geral anglo- saxônicos. São eles:

i.consolidação dos princípios do Acordo Geral de Comércio de Serviços (ACGS), da OMC (Global Agreement on Trade Services, GATS, em inglês), que transformam a educação, em particular o ensino superior e o ensino a distância, em mercadoria. A partir de denúncias feitas no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2002, e de grande mobilização acadêmica no mundo inteiro, a adoção dos princípios da OMC parecia ter sofrido um processo de rejeição. No entanto, na prática, seus princípios são adotados, a privatização e comercialização se impõem em toda parte e, agora, uma nova ofensiva busca obter dos países a assinatura de um convênio mais restritivo que o próprio ACGS;

ii.Estabelecimento de um sistema internacional de acreditação, mencionado acima;

iii.Revisão das Convenções sobre Reconhecimento de Estudos, com base, prioritariamente, na Convenção de Lisboa, de 1997, que reúne os países europeus, Estados Unidos, Canadá, Israel e Austrália;

iv.Processo de Bolonha, que pode ser útil aos países europeus, mas que busca impor uma visão do mundo através do princípio e definição das competências;

iiv. Desenvolvimento dos Massive Open On-line Courses (MOOCs).

O que há de grave nestas questões? Ao se analisar como funciona a cooperação internacional em questões de desenvolvimento e, em particular, no campo da educação, isto se torna mais claro. Há que se compreender que, durante muito tempo, falou-se na “ajuda” como um instrumento de cooperação. Descobriu-se então que a ajuda beneficiava frequentemente muito mais os países doadores do que os receptores. Passou-se, então, a falar em “assistência”, mas logo a experiência mostrou que a assistência, baseada, por exemplo, nas teorias “difusionistas”, não respeitava nem a diversidade cultural, nem os interesses daqueles que dela se deviam beneficiar. Hoje, busca-se vender produtos, cooperação passa a ser vista como sinônimo de comércio (para isto, a OMC e a inclusão da educação no Acordo Geral de Comércio de Serviços são poderosos instrumentos) e busca- se forçar os países em desenvolvimento a reformarem seus sistemas para copiar modelos tradicionais como o dos Estados Unidos, ou o modelo da reforma de Bolonha que, na realidade, é uma adaptação do modelo estadunidenses já adotado por diversas

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universidades latino-americanas, desde o final dos anos cinquenta. Estamos cada vez mais longe de adotar um processo, segundo o qual, ao se planejar e executar reformas dos sistemas de ensino superior busquem-se soluções autônomas, baseadas na experiência e nas necessidades de cada região, ainda que elementos de convergência sejam buscados para facilitar uma cooperação solidária, entre iguais.

CD: Qual foi o impacto mundial da Declaração Mundial sobre a Educação Superior para o Século XXI? Como avalia os desdobramentos nos anos que se seguiram?

Édifícil dizer que países adotaram os princípios da Declaração de 1998 pelo simples fato de que o próprio Secretariado da Unesco jamais demonstrou grande interesse em promover sua aplicação. E, ao que se saiba, jamais uma avaliação neste sentido foi feita. Pessoalmente, devo acrescentar, deixei a Unesco em fevereiro de 1999, quatro meses após a realização da CMES, logo no início, e documentos emanados da Conferência e que se planejara publicar amplamente não foram nem mesmo colocados na Internet. O seguimento da Conferência foi então desfigurado e mesmo a rede GUNI, criada para garantir a participação dos estabelecimentos de ensino superior no seguimento da CMES, apesar de ter realizado importantes trabalhos e promovido debates interessantes, desviou- se, em alguns momentos, dos objetivos para os quais fora criada.

Deve-se notar que mais de 130 (cento e trinta) Ministros da Educação ou do Ensino Superior participaram da Conferência de 1998. Sabe-se que a Ministra da Educação da China, autora de um discurso inflamado no encerramento do evento, ao regressar a seu país, apresentou os resultados do encontro numa reunião de ministros. A China que já estava dando importância ao ensino superior e à pesquisa, decidiu aumentar os recursos para este nível de ensino e passou a desenvolver planos eficazes de melhoria do sistema de ensino e de pesquisa.

Na América Latina, em vários encontros no marco latino-americano ou ibero- americano, referências foram feitas à CMES. Em 2008, na Conferência Regional para o Ensino Superior (CRES), em Cartagena de Índias, preparatória à 2ª Conferência Mundial, de 2009, os países latino-americanos ratificaram sua adesão aos princípios de 1998. E foram, sobretudo, os latino-americanos que, em 2009, apesar de restrições de alguns elementos do Secretariado da Unesco, lograram fazer com que a Declaração de 2009 se iniciasse com uma reafirmação solene dos princípios de 1998. E este princípio foi aceito pela totalidade dos Estados membros da Unesco.

CD: Decorridos vários anos de sua vigência, que pontos deveriam ser revistos para uma eventual atualização da Declaração de 1998? Qual a importância atual da CMES de 1998?

MD: Desde algumas décadas, duas racionalidades fundamentam as ações dos

estabelecimentos de ensino superior: uma, tratando a educação como bem público; outra, dominante atualmente, vendo neles empresas capazes de vender produtos a quem possa comprá-los. Para manter o ensino superior como bem público, a Conferência Mundial

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sobre o Ensino Superior (CMES) da Unesco, em 1998, seguida pela Conferência Regional do Ensino Superior da América Latina e Caribe, de 2008, e pela 2ª CMES, de 2009, estabeleceram três pontos essenciais: a pertinência, a melhoria de qualidade de conteúdo e de gestão e a internacionalização considerada essencial para reduzir as diferenças entre os países.

Hoje, no entanto, a tendência à comercialização se amplia e a educação se torna um dos principais itens de exportação de vários países. Fator determinante desta tendência foi a decisão da OMC, em 1998, de definir os serviços que deveriam ser considerados como comerciais, incluindo, entre eles, a educação superior e o ensino a distância. Hoje, notam-se vários processos que, embora apontados como independentes, na realidade são conectados e têm entre seus objetivos fundamentais, consolidar o princípio de uma modernização do ensino superior, sinônimo de comercialização e de adoção de modelos únicos.

Uma volta às decisões da CMES de 1998 é necessária, em particular o seguimento da recomendação de que os estabelecimentos de ensino superior definam ou redefinam suas missões conjuntamente com a sociedade e considerem a cooperação solidária, como figurando entre suas missões.

A Declaração, passados quase vinte anos, segue atual. Os debates de hoje se centram na necessidade de reformas, na importância de instrumentos de avaliação e de acreditação, no reforço dos vínculos com o mundo do trabalho, na importância de se ter o estudante como centro de toda a estratégia dos estabelecimentos de ensino superior, na questão da democratização do acesso, do financiamento, da autonomia, da pesquisa voltada

àsolução dos problemas básicos da sociedade, e no desenvolvimento dos Massive Open On- line Courses (MOOCs).

A CMES, no documento que adotou em complemento à Declaração, e que visava configurar um plano de ação para as reformas do ensino superior no mundo inteiro, sugeriu que os estabelecimentos de ensino superior definissem ou redefinissem suas missões. Este é um ponto que, até agora, não mereceu a atenção da comunidade acadêmica, em particular na América Latina. Se as missões são definidas pela comunidade acadêmica, com a participação da sociedade civil, dos governos, dos parlamentos, elas disporão de um instrumento poderoso para guiar sua ação. Uma avaliação será feita não comparando o que faz uma universidade em um país em desenvolvimento com a ação de uma instituição estadunidenses, ou inglesa, ou australiana ou norueguesa, por exemplo, mas com o que a sociedade espera dela. Os standards ou padrões não levarão nem à dominação, nem à adoção de práticas que, eventualmente, podem ser boas para os países de origem, mas que nada têm a ver com a realidade cultural e social dos países que desejem reformar seus sistemas para que estes respondam aos interesses de suas sociedades. E aí, de novo, a reflexão sobre o sistema público é fundamental. Educação não é comércio. Educação é um serviço público.

Éno artigo 5º do Marco Prioritário de Ação, que a CMES decidiu: “cada estabelecimento de educação superior deve definir sua missão, de acordo com as necessidades presentes e futuras da sociedade...”. Trata-se de proposta que deve ser levada em conta sem se esquecer de que o ensino superior, de qualidade e pertinente é essencial para que um país possa atingir nível adequado de desenvolvimento econômico, social e cultural durável e sustentável, e ecologicamente racional, bem como, possa atingir

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uma criatividade cultural alimentada pelo conhecimento e pela compreensão do patrimônio cultural próprio a cada sociedade, cooperando para aumentar o nível de vida e para fazer imperar a harmonia e a paz dentro dos países e no mundo, com base nos direitos humanos, na democracia, na tolerância e no respeito mútuo.

Estas missões devem, ainda, buscar maneiras de implementar a noção de liberdade acadêmica tal qual expressa na Recomendação relativa à condição do pessoal docente do ensino superior, aprovada pela Conferência Geral da Unesco de novembro de 1997 e que tampouco é conhecida nos meios acadêmicos brasileiros e dos países em desenvolvimento, em geral.

Obrigado!

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