N° 7

INTEGRACIÓN Y CONOCIMIENTO

 

ISSN 2347 - 0658

Vol 2, Año 2017

CÓRDOBA 1918: IDEAL QUE RESISTE

E SE PROJETA

Presentación

Célio da Cunha

Universidad Católica de Brasilia celio.cunha226@gmail.com

Com a proximidade dos cem anos da Reforma de Córdoba, em 1918, ano em que a

coragem de estudantes universitários tiveram a ousadia de se contraporem a posturas 5 conservadoras e estreitas de professores e gestores de uma universidade que estava se distanciando de seus ideais maiores de compromisso com a liberdade, a ética e a conduta autônoma da investigação científica, a América Latina se mobilizou para fazer deste centenário não somente a discussão e o debate público dos fundamentos históricos do Manifesto Liminar, como também, aproveitando a oportunidade, dar continuidade à luta por uma universidade autônoma, crítica e comprometida com as necessidades sociais e humanas do nosso tempo. Foi no marco desses pressupostos que a Revista Integração e Conhecimento, por intermédio de seu Conselho Editorial, entre as várias ações acadêmicas programadas, destacou a importância da elaboração de um dossier com o objetivo de reunir reflexões de especialistas da região em busca de uma visão prospectiva dos ideais da Reforma de Córdoba.

Dessa forma, o presente dossier foi pensado, concebido e organizado de modo a incluir artigos de reflexões sobre o legado de Córdoba 1918 e sua projeção futura; uma entrevista com um estudioso cuja trajetória de contribuições relevantes ao pensamento pedagógico contemporâneo são amplamente reconhecidas; resenha de um livro publicado a propósito da ideia de integração da universidade na América Latina; e documentos históricos e emblemáticos sobre a repercussão da Reforma de Córdoba que precisam ser divulgados e disseminados face à atualidade que inspiram seus conteúdos.

O primeiro artigo, de autoria de Axel Didriksson, com o título 100 anos de autonomia universitária: retrospectiva, examina a partir de Córdoba 1918, o sentido e a importância da autonomia universitária para as universidades públicas da América Latina. Sugere

Dossier Especial: A Cien Años de la Reforma Universitaria de 1918.

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Didriksson que o conceito de autonomia universitária inspirado em Córdoba,

 

diferentemente das concepções que caracterizam a ideia de universidade desde sua origem

 

na Idade Média, faz referência à integralidade de um conceito que reivindica os direitos dos

 

atores principais da educação, como os estudantes e professores, vinculado à liberdade de

 

cátedra e de investigação. A generalização dessa concepção contribuiu para a ideia de

 

“universidades autônomas”, como a do México, e teve importantes desdobramentos e

 

continua na centralidade da agenda das discussões sobre o futuro da universidade na região.

 

Na segunda parte de seu longo texto, Didriksson se ocupa de analisar, talvez, o

 

legado principal do Manifesto Liminar que é a questão da autonomia das universidades

 

diante do cenário da economia do conhecimento que estamos vivendo,

que depende

 

fundamentalmente, conforme sua argumentação, da produção científica e tecnológica. Não

 

somente isso, argumenta, pois

 

 

el contexto de aplicación de los conocimientos se ha vuelto un pouco más

 

complejo que ello, y sobre todo se debate fuertemente sobre la condición de

 

sustentabilidad de los conocimientos como bienes públicos y de beneficio

 

social, versus los que pueden alcanzar bases de desarrollo en benefício de su

 

comercialización y de su mercantilización, o bien de su exclusivo

 

aprovechamiento por particulares.

 

 

Assim, face à mudança das formas de produção de conhecimento no

de economias

 

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que valorizam sua aplicação para fins comerciais e de ampliação de poderes do segmento

 

 

mais rico da população, adquire centralidade o desafio da autonomia das universidades que

 

precisa ser redefinida, ressalta Didriksson,

 

 

porque es desde esta posición que debe pensarse a si mesma de forma crítica,

 

e impulsar câmbios fundamentales desde los nuevos paradigmas

 

pedagógicos, epistêmicos, científicos y tecnológicos, el desarrollo económico,

 

la sustentabilidad, la interculturalidad y el futuro de la sociedad en la que se

 

encuentra, aún más fuertemente cuando se pueden reconocer los enormes y

 

agudos problemas de pobreza, inequidad, desigualdad, destrucción

 

medioambiental (...)

 

 

Diante desse quadro, conclui Didriksson que “la autonomia universitária, entonces, debe

 

ser el pivote, la fuerza propulsora de cambios hacia el interior y hacia la acción decidida de las instituciones

 

de educación superior hacia afuera”.

 

 

O segundo texto do dossier – Debates y desafios para el desarrollo de la educación superior

 

latinoamericana del futuro – hacia uma nueva reforma universitaria, produzido

por Norberto

 

Lamarra e Cristian Centeno com o objetivo de apresentar propostas para a construção da universidade necessária ao futuro da América Latina. Esses pesquisadores chamam a atenção inicialmente para o fato de que as urgências que são próprias da conjuntura política, juntamente com a necessidade de atender múltiplas demandas sociais simultâneas,

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e, de forma especial, a ausência de uma estratégia geral e coletiva, vem dificultando a

 

construção de perspectivas de médio e longo prazo para a educação. No caso da Argentina,

 

eles sublinham que a educação superior, há muitas décadas está imersa em um profundo

 

processo de mudanças decorrentes de transformações e tensões que se operam em nível

 

regional e global face à necessidade de democratização como ainda das exigências

 

tecnológicas no contexto de uma sociedade do conhecimento. No processo das mudanças

 

que se tornam imprescindíveis, grifam a importância da “inovação endógena”, ou seja, de

 

inovações

concebidas e operacionalizadas no interior das instituições universitárias com a

 

finalidade de promover seu próprio desenvolvimento,

 

Lamarra e Centeno observam que a construção de uma perspectiva comum e seu

 

desenvolvimento, requer a participação de atores centrais da vida acadêmica, como os

 

governos, docentes, estudantes, organizações profissionais e da sociedade civil, setores

 

produtivos e dos sindicatos, entre outros. Da mesma forma que Didriksson, criticam os

 

efeitos das políticas neoliberais, que favorecem os processos de privatização e de

 

concepção mercantilista da educação que passa a ser vista como mais uma commodity. Em

 

termos de privatização da educação superior citam como paradigmático o caso brasileiro,

 

cujo volume de capitais estrangeiros investidos no setor já atingiu cerca 40%.

 

Em busca de novas perspectivas, Lamarra e Centeno recuperam o sentido e alcance

 

das Conferências regionais e Mundiais sobre a Educação Superior, promovidas pela

 

Unesco,

que defendem e proclamam a universidade como bem público e social, com

 

 

equidade, autonomia, inovação e cidadania. No entanto, ao tempo em que compromissos

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fundamentais são firmados nesses eventos, assiste-se por outro lado, a postura da

 

 

Organização Mundial do Comércio(OMC) com posições contrárias aos ideais de Córdoba

 

e dos vários documentos de princípios e diretrizes acordados e legitimados em plano

 

regional e internacional. Malgrado tais obstáculos, Lamarra e Centeno formulam propostas

 

de inegável alcance para o futuro da educação superior na América latina, citando como

 

exemplos,

a necessidade de uma visão compartilhada de longo prazo; a ampliação de

 

recursos financeiros, a definição do conhecimento como valor estratégico para o

 

desenvolvimento dos países e a construção de novos cenários sociais e econômicos para o

 

desenvolvimento humano. Salientam a importância das redes acadêmicas, da recuperação

 

do planejamento estratégico como ferramenta para a construção de consensos e acentuam

 

a centralidade de processos inovadores. Tais propostas poderiam contribuir para a

 

construção do Espaço Latino-americano de Educação Superior que, apesar dos inúmeros

 

discursos favoráveis de Ministros e dirigentes da educação de países da América Latina e do

 

Caribe, ainda permanece como uma aspiração a espera de decisões mais consolidadas.

 

O terceiro artigo do dossier é de autoria de Norivan Lisboa Dutra e Remi Castioni, da

 

Universidade de Brasilia, onde tecem considerações

sobre possíveis relações entre as ideias

 

do Manifesto Liminar e a Universidade do Distrito Federal(Rio de Janeiro), fundada por Anísio Teixeira, em 1935, e extinta poucos anos depois por motivos ideológicos durante a ditadura do Estado Novo(Getúlio Vargas). Após examinarem o contexto histórico em que ocorreu a Reforma de Córdoba(1918) e procederem ao devido destaque das reivindicações mais relevantes do Manifesto, entre elas, a da autonomia universitária, liberdade de cátedra,

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compromisso social, transparência, gratuidade do ensino e a integração latino-americana,

 

sublinham a repercussão do Manifesto em toda a América Latina, inclusive no Brasil. O

 

Manifesto de Córdoba coincide com a época em que o Brasil dava continuidade a uma luta

 

histórica pela criação de sua primeira universidade, que viria a ocorrer em 1920 com

 

fundação da Universidade do Rio de Janeiro. Foi nessa época, ou seja, a década de 20 do

 

século passado, que tem lugar no Brasil um promissor

movimento

de renovação

 

educacional liderado por grandes educadores, como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo

 

e Lourenço Filho.

 

 

 

Dutra e Castioni analisam os fundamentos do

Manifesto

Liminar e as

 

reivindicações feitas pelos estudantes de Córdoba comparando-os com os princípios e

 

diretrizes que nortearam a criação da Universidade do Distrito Federal por Anísio Teixeira,

 

como a autonomia, liberdade de investigação, combate às tendências autoritárias e

 

retrógradas, gratuidade, ensino laico e democratização, concluindo que “a trajetória da

 

Universidade pensada por Anísio se vinculava à rebeldia do Manifesto Liminar, de

 

Córdoba. A inquietude dos estudantes também inspirou Anísio a desafiar estruturas da

 

educação brasileira”.

 

 

 

A quarta contribuição do presente dossier foi escrita por Ricardo Spindola Mariz, da

 

Universidade Católica de Brasília com o título de Cem anos depois: entre o Manifesto de Córdoba e

 

os novos-velhos desafios do continente. Neste texto, Mariz indaga se depois de cem anos do

 

Manifesto, poderíamos nos perguntar sobre os fatos ocorridos, se teríamos nesta “outra

 

 

história” um elemento central aglutinador, ou ainda se o tema da solidão (Garcia Marquez)

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caberia também para definir a nossa experiência de universidade no continente? A partir

 

 

dessa colocação, Mariz desenvolve reflexões necessárias e atuais sobre o conteúdo do

 

Manifesto Liminar, como a que ele denomina o poder emancipador do conhecimento,

 

mas que parece ceder lugar à sua dimensão regulatória, ou seja, afirma Mariz, grande parte da inovação produzida hoje, com ou sem a contribuição do conhecimento produzido na universidade, possui uma força de transformação conservadora que consolida e aprofunda as desigualdades sociais. Um conhecimento que gera o novo a serviço da conservação e ampliação das distâncias entre os eleitos da sociedade e os excluídos.

Em que pese os óbices mencionados, Mariz revela otimismo afirmando que “o Manifesto de Córdoba aponta para uma universidade que não existia e que ainda não existe, mas que é possível. É nesse campo de potencialidades que devemos nos movimentar e não no campo das determinações”.

Em relação à entrevista que compõe o presente dossier, ela foi feita com o Professor e pesquisador Carlos Alberto Torres, da Universidade da Califórnia(LA), com um roteiro de questões propostas que contemplaram temas e dilemas críticos e encruzilhadas em que se encontra a universidade face às contradições e paradoxos da atualidade. Entre os temas principais da entrevista, destacam-se, além do legado e projeção do Manifesto Liminar de 1918, o da internacionalização da educação superior, a missão de uma universidade na

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América Latina e o processo de globalização neoliberal. Torres inicia a entrevista insistindo que a missão específica da universidade é a de produzir conhecimentos novos nos campos cultural, econômico e social, como também preservar o acervo de conhecimentos acumulado pelas diversas civilizações e cultura. Insiste que Córdoba 1918, foi mais que uma reforma universitária. Foi um ato político-pedagógico que impactou a vida política latino-americana, os partidos políticos, comunidades e diversos grupos de ação. Foi um divisor de águas da vida universitária e política latino-americana, confrontando o poder das burguesias agrárias e o Estado Conservador, que pretendia controlar a política e o pensamento.

A Reforma de Córdoba, assevera Torres, oferece novas perspectivas para repensar o papel das universidades frente ao impacto da globalização neoliberal que, “predicada en torno al domínio del mercado sobre el estado y sobre los modelos desregulatorios de gobernanza, há afectado profundamente a la universidad en el contexto del capitalismo acadêmico”. Esta argumentação de Torres sobressai como um dos mais críticos dilemas da universidade contemporânea, sobretudo na América Latina que, devido ao seu passado colonial e escravista ainda não conseguiu atingir o status de produção teórica de alto nível. Citando Thomas Friedman, defensor da globalização, que definiu que o mundo é plano, Torres fez uma afirmação de indiscutível atualidade:

Todas las instituciones formales operan en un mundo que está

totalmente interconectado y interpenetrado, por lo tanto expuesto a 9 las epidemias mundiales, la intensificación del comercio y la circulación de personas, los cambios climáticos, las preferencias de los consumidores, o los imaginarios sociales difundidos por los medios masivos para ofrecer algunos ejemplos. Todo esto ocurre mientras las universidades globales de investigación están construídas alrededor de modelos científicos que son desarrollados en ingles y con criterios de evaluación que son tributarios del mundo positivista anglosajón – aunque las narrativas cientificas tecnocráticas estandarizadas especialmente en las ciencias sociales y las humanidades están siendo impugnadas por la emergencia de nuevas narrativas. De esta manera,

los papeles y funciones tradicionales de las universidades están bajo presión.

Para a superação desse impasse, Torres considera indispensável “pasar de los modelos epistemológicos vinculados a la historia y tradición de las ciencias, a epistemologias sociales que sean aprendidas y usadas por todos los grupos sociales”, tal como Paulo Freire pensou na experiência de Angicos, no Estado do Rio Grande do Norte, Brasil.

Por último, foram acrescentados ao dossier dois documentos históricos que mostram a repercussão da Reforma de Córdoba no continente latino-americano, sendo o primeiro, um artigo do escritor e pensador ítalo-argentino José Ingenieros(1877-1925), autor da obra clássica O homem medíocre e que teve influência nos estudantes que se rebelaram em 1918; e o

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segundo, de Júlio Antonio Mella(1903-1929), líder dos estudantes de Cuba,

que presidiu o

 

Primeiro Congresso Nacional dos Estudantes em Cuba, em 1923 e fundou a Universidade

 

José Marti.

 

 

 

 

Ingenieros, em seu artigo publicado em 1923, com o título, La revolución universitaria

 

se extiende ya por toda la America Latina, pontua os ecos do Manifesto Liminar em vários

 

países da América Latina e ressalta os nobres ideais dos estudantes de Córdoba pela

 

renovação ética, política e social dos povos latino-americanos e proclama que a juventude

 

que não está com as esquerdas, antecipa a velhice e os cabelos brancos; por sua vez, Júlio

 

António Mella, começa por afirmar em seu artigo Puede ser um hecho la reforma universitaria?

 

que “de sur a norte, el movimiento cordobés, como carrera de antorchas fué iluminando

 

los países de nuestra America”, lembrando que em seu país, Cuba, se repetiram todas as

 

características do movimento de Córdoba. Descreve

alguns episódios da luta cubana por

 

um universidade autônoma, crítica e comprometida com as aspirações da juventude do

 

país. Sublinha que sem as revoluções universitárias, como a de Córdoba e a de Cuba, as

 

universidades não poderiam seguir avante em busca de cenários mais justos. A esses

 

movimentos se deve uma grande vitória, qual seja,

a da unidade de pensamento de uma

 

nova geração latino-americana.

 

 

 

 

Como se pode observar, todos os textos do dossier deixam evidentes

as implicações

 

do Manifesto de Córdoba que, de forma gradual,

foram se expandindo pelo continente,

 

constituindo hoje o marco histórico mais importante

da universidade latino-americana. É

 

 

certo que os anseios dos estudantes que há quase cem anos tiveram a visão de se rebelarem

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contra as mentes conservadoras e neocoloniais, ainda estão longe de se tornarem lugar

 

 

comum nos cenários cotidianos da vida universitária na América Latina. Todavia, é certo

 

também, que mesmo diante de seguidas ameaças de subtrair do conhecimento a sua dimensão humana e ética, transformando-o numa commodity como outra qualquer, os faróis e as luzes de Córdoba, como as da autonomia universitária, liberdade de cátedra e de investigação e de renovação ética, continuam a incomodar os que ainda não conseguiram internalizar em suas mentes, que a universidade tem um compromisso que paira acima de quaisquer outros, isto é, o compromisso com o Ser das pessoas, com a condição humana para lembrar sempre um dos sete saberes pensados por Morin1 para nortear o processo educativo no atual milênio, e que deve vir antes dos demais.

1MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Brasília: Unesco, 2001.

Dossier Especial: A Cien Años de la

Reforma Universitaria de 1918.