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Vol 2, Año 2017

A REFORMA DE CÓRDOBA E OS PROJETOS DE UNIVERSIDADE NA AMÉRICA LATINA – A PROPOSTA DE ANÍSIO TEIXEIRA PARA O BRASIL

EM QUE SE ASSEMELHAM?

Norivan Lisboa Dutra1 Instituto Federal de Brasília nori.dutr@gmail.com

Remi Castioni2 Universidade de Brasília remi@unb.br

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Resumo

A Reforma de Córdoba completa um século em 2018, e teve seu feito associado a ousadia dos estudantes cordobenhos, que questionaram o modelo então vigente de universidade, questionando, a superação do modelo obsoleto de ensino, o fim da cátedra vitalícia e, principalmente, a autonomia para o exercício das atividades intelectuais, as quais são inerentes à Universidade. Tais bandeiras estiveram presentes na formulação do educador baiano, Anísio Spínola Teixeira ao idealizar a universidade brasileira, no início do século XX. A partir das relações de proximidade com as propostas dos estudantes de Córdoba e de Anísio Teixeira, o presente artigo realiza uma abordagem qualitativa, de cunho bibliográfico com o objetivo de relacionar a Reforma de Córdoba com o projeto anisiano de universidade para o Brasil.

Palavras-chave: Universidade. Reforma de Córdoba. Anísio Teixeira

LA REFORMA DE CÓRDOBA Y LOS PROYECTOS DE UNIVERSIDAD EN AMÉRICA LATINA – LA PROPUESTA DE ANÍSIO TEIXEIRA PARA BRASIL EN QUÉ SE ASEMEJAN?

Resumen

La Reforma de Córdoba completa un siglo en el año 2018, y tuvo su hecho asociado a la osadía de los estudiantes cordobeses, que cuestionaron el modelo entonces vigente de universidad, cuestionando la superación del modelo obsoleto de enseñanza, el fin de la cátedra vitalicia y, principalmente, autonomía para el ejercicio de las actividades intelectuales, las cuales son inherentes a la Universidad. Tales banderas estuvieron presentes en la formulación del educador brasileño, Anísio Spínola Teixeira al idealizar la

1Doutoranda em Educação pela UnB. Professora do Instituto Federal de Brasília.

2Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, Brasil. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília.

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universidad en Brasil, a principios del siglo XX. A partir de las relaciones de proximidad con las propuestas de los estudiantes de Córdoba y de Anísio Teixeira, el presente artículo realiza un abordaje cualitativo, de cuño bibliográfico con el objetivo de relacionar la Reforma de Córdoba con el proyecto anisiano de Universidad para Brasil.

Palabras clave: Universidad. Reforma de Córdoba. Anísio Teixeira

THE CORDOBA REFORM AND THE UNIVERSITY PROJECTS IN LATIN AMERICA - THE ANÍSIO TEIXEIRA PROPOSAL FOR BRAZIL HOW ARE THEY RESEMBLE?

Abstract

The Reform of Cordova completes a century in 2018, and was associated with the boldness of Cordovan students, who questioned the then-current model of university, questioning overcoming the obsolete model of teaching, the end of the lifelong professorship, and especially the autonomy for the exercise of intellectual activities, which are inherent to the University. These flags were present in the formulation of the brazilian educator, Anísio Spínola Teixeira, when idealizing the brazilian university in the beginning of the 20th century. From the relations of proximity with the proposals of the students of Córdoba and Anísio Teixeira, the present article makes a qualitative approach, with bibliographical aim to relate the Reforma de Córdoba with the Anisian university project for Brazil.

Keywords: University, Reform of Córdoba, Anísio Teixeira

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Si queréis, pues, conocer monumentos de la Edad Media y examinar el poder, las formas de aquella célebre orden [Compañia de Jesus], id a Córdoba (SARMIENTO, 1938, p. 9).

PRESENTACIÓN

Oconvite do escritor argentino Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888) expressa o quanto Córdoba pode se transformar num passeio ao passado medieval. Isso só

épossível porque nela há construções de templos, conventos e catedrais que preservam as características daquela época. Entre estas estruturas arquitetônicas está a Universidade de Córdoba, criada no ano de 1613, sob as bases do Colégio Máximo dos Jesuítas.

Segundo Sarmiento (1938), a célebre Universidade de Córdoba funcionava como claustros sombrios, ensinando teologia e escolástica – “es un claustro en que se encierra y parapeta la inteligencia contra todo lo que salga del texto y del comentario” (p. 128.Grifos meus). Durante os dois primeiros séculos formou oito gerações de doutores e teólogos. O curso

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de Teologia tinha a duração de onze semestres, e a filosofia aplicada era baseada nos

 

ensinamentos de Aristóteles.

 

 

Assim como outras universidades da época, a Universidade de Córdoba

 

desprezava áreas do conhecimento importantes, como exemplo: a matemática, os idiomas,

 

a física, o direito público e a música. Recebeu críticas por se manter enclausurada,

 

insensível às transformações da sociedade e resistente à nova ciência, mantendo-se

 

conservadora, mesmo depois de dois séculos de existência. Nas palavras de Kerr (2005), as

 

universidades do século XVIII “eram como castelo sem janelas, profundamente voltadas

 

para dentro de si mesmas” (p. 21).

 

 

A clássica Universidade de Córdoba, em pleno século XIX, ainda mantinha a

 

tradição e a resistência às mudanças da sociedade. Uma das práticas preservadas era a

 

cátedra vitalícia, o ensino dogmático e livresco, ultrapassado e distante da realidade social.

 

As práticas pedagógicas seguiam o estilo tradicional – aulas ditadas pelos docentes e

 

repetição dos cursos oferecidos (Bernheim, 1998).

 

No entanto, uma nova fase se iniciou a partir do ano de 1860, momento em que a

 

Argentina recebeu um contingente considerável de imigrantes europeus. A presença dessas

 

pessoas no país favoreceu a ampliação da demanda pela educação superior, e a universidade

 

foi pressionada a repensar suas práticas. Em 1869, a Argentina possuía aproximadamente

 

1.750.000 habitantes, e a população aumentou para quase 4.000.000, em 1895. No ano de

 

1914, a somatória já se aproximava de 8.000.000 de habitantes, sendo a maioria composta

 

 

por espanhóis e italianos, mas sem esquecer

dos franceses, alemães e britânicos. Estes

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imigrantes optaram, principalmente, pelas cidades de Buenos Aires, Santa Fe e Córdoba,

 

 

com maior proporção para a capital do país, que registrou um crescimento acelerado da

 

população – pulou de 181.838, em 1869, para 1.575.814, em 1914. Santa Fe aumentou de 23.139, em 1869, para 224.592, em 1914. Córdoba ficou com a menor expressão, mas, ainda assim, com números expressivos – passou de 28.523 habitantes, em 1869, para 121.982, em 1914 (Bethell, 2013).

Diante do crescimento populacional, impulsionado pela imigração, o sistema universitário argentino expandiu, chegando ao final do século XIX com três universidades nacionais (Córdoba, Buenos Aires e La Plata) e duas provinciais (Santa Fe e Tucumán). As três primeiras eram regidas pela Lei nº 1597, chamada "Ley Avellaneda”3, sancionada em julho de 1885. Esta lei “brindó al Poder Ejecutivo la facultad para modificar estatutos y nombrar profesores; el resto de la administración universitaria caía en manos de unos órganos compuestos por miembros vitalicios y cooptados, las Academias” (Borches, 2008, p. 2. Grifos meus).

Não é de se estranhar que a imigração causasse profundo impacto sobre o estilo de vida dos nativos – na cultura, na política, na economia e nas reinvindicações sociais. Segundo Bethell (2013), a Argentina, no ano de 1914, havia incorporado muitas ideias e costumes da cultura europeia, sendo poucas as semelhanças com o resto dos países da América Latina. O novo perfil da população da Argentina favoreceu com que os jovens

3 O nome da Ley Avalleneda é homenagem ao senador que a elaborou. Ela foi a base para os estatutos das universidades.

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estudantes se inquietassem e mobilizassem em contraposição ao conservadorismo nas universidades.

Cabe ressaltar que, no início do século XX, aconteceram a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Revolução Russa 1917. Além disso, muitos dos jovens estudantes de Córdoba traziam consigo o espírito revolucionário, herdado de seus pais. Este cenário favoreceu a eclosão do movimento estudantil no ano de 1918, em favor da renovação da educação superior e de um modelo institucional moderno que garantisse as atividades de ensino e pesquisa de maneira autônoma. Segundo Bernheim (1998), o movimento estudantil na Universidade de Córdoba se desdobrou para além das fronteiras argentinas, influenciando outros jovens em diversos países da América do Sul, que também saíram em defesa da educação superior.

No caso do Brasil, não houve, nas primeiras décadas do século XX, nenhum movimento estudantil em prol do ensino superior, pois a grande maioria da população desconhecia o que era a universidade e o que esta representava para o país. A primeira universidade só foi criada na década de 1920, na cidade do Rio de Janeiro4, portanto, dois anos após a Reforma de Córdoba, com características semelhantes às que eram rebatidas pelos estudantes argentinos. Registra-se que esse acontecimento foi antecedido5 pela aprovação da Lei Estadual nº 1.284, de 1912, que legitimou a criação da Universidade do Paraná6, no ano de 1912. Entretanto, o governo federal não a reconheceu oficialmente, uma vez que o Decreto-lei nº 11.530, de março de 1915, determinou que somente as

cidades com mais de 100.000 habitantes poderiam abrir escolas superiores e, no caso de 55 Curitiba, naquela época, não atingia esse quantitativo populacional (Romanelli, 1998).

Se, por um lado, não havia tradição universitária no Brasil, no início do século XX, por outro lado um grupo de educadores saiu em defesa da educação brasileira. O grupo, do qual fazia parte José Augusto, Venâncio Filho e Antônio Carneiro Leão7, estava imbuído de ideias renovadoras para o ensino, as quais impulsionaram uma série de reformas estaduais – a primeira delas aconteceu no ano de 1920, com Sampaio Dória, no estado de São Paulo. Nos anos de 1922 e 1923, o movimento foi liderado por Lourenço Filho no Ceará. Na sequência, surgiram-se a do:

4 Alguns estudiosos têm levantado a hipótese de que a URJ foi criada com o propósito de prestar homenagens acadêmicas ao Rei dos Belgas, que visitou o Brasil no ano de 1920, outorgando-lhe o título de doutor honoris causa. Entretanto, a pesquisadora Maria de Lourdes Fávero esclarece que o fundamento para a criação dessa universidade se estruturou no “desafio inadiável de que o Governo Federal assumisse seu projeto universitário ante o aparecimento de propostas de instituições universitárias livres, em nível estadual” (Fávero, s/d, p. 9).

5Além da Universidade do Paraná, registram-se outras duas instituições universitárias que tiveram um curto período de existência: a Universidade de Manaus (1909) e a Universidade de São Paulo (1911). Cabe ressaltar que esta última não tem relações com a universidade criada na década de 1930, por Fernando de Azevedo (Cunha, 2007; Romanelli, 1998).

6Cf. http://www.ufpr.br/portalufpr/historico-2/

7Foi um dos pioneiros na disseminação do “Movimento da Escola Nova”.

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Rio Grande do Norte, por José Augusto (1925/28), as do Distrito Federal (1922/26) e as de Pernambuco (1928), empreendidas ambas por Carneiro Leão, a do Paraná (1927/28), por Lysímaco da Costa, a de Minas Gerais (1927/28), por Francisco Campos; a do Distrito Federal (1928), por Fernando Azevedo; e a da Bahia (1928), por Anísio Teixeira. (Romanelli, 1998, p. 129)

Todo esse movimento renovador teve suas bases na Associação Brasileira de Educação (ABE), criada pelo idealista Heitor Lira, no ano de 1924. O propósito da ABE era reunir educadores para, juntos, debaterem, discutirem e defenderem a educação brasileira. Para tal, aconteceram diversas conferências nacionais de educação, sendo a primeira no ano de 1927, na cidade de Curitiba, na sequência em Belo Horizonte, em 1928, e em São Paulo, no ano de 1929. O resultado dos debates acirrados em torno da gratuidade, obrigatoriedade e laicidade resultaram, mais tarde, na elaboração do “Manifesto dos Pioneiros” da educação brasileira (Romanelli, 1998).

Dentre os integrantes da ABE, destaca-se a figura de Anísio Teixeira, que se baseou no Manifesto dos Pioneiros para pensar a educação do nosso Brasil, primeiramente, na Bahia, sua terra natal, depois no Distrito Federal, na cidade do Rio de Janeiro e, por fim, na capital federal, Brasília. Com ousadia e coragem, idealizou projeto arrojado e inovador para a educação básica e superior. Criou, também, o modelo de universidade mais consistente que tivemos entre os educadores brasileiros e que mais convergia com as ideias

revolucionárias dos estudantes argentinos.56 Dito isso, questiona-se: em que medida Anísio Teixeira se inspirou na Reforma de

Córdoba para projetar a universidade brasileira? Quais teriam sido as influências que impulsionaram Anísio Teixeira a pensar um novo modelo de universidade? Quais os pontos em comum entre as reformas de Córdoba e de Anísio Teixeira? Em busca de respostas para esses questionamentos, realizou-se um estudo bibliográfico de abordagem qualitativa com vistas a identificar as relações de proximidade e influências da Reforma de Córdoba na educação superior brasileira.

REIVINDICAÇÕES ESTUDANTIS E O MANIFESTO LIMINAR

No ano de 2018 se comemorará dois grandes acontecimentos na história das universidades. O primeiro se refere à criação da Universidade de Salamanca (Espanha)8, que completará 800 anos de existência, e o segundo representa o marco para a educação superior na América Latina, pois, no dia 21 de junho de 2018, se registrará, na história deste espaço geográfico, o primeiro centenário do primeiro movimento estudantil em defesa da reforma universitária.

8A Universidade de Salamanca foi a única que se destacou na Espanha, no período medieval. Os scolares (estudantes) eram divididos em classes (grupos), assim como em Paris. Nela se cultivava a astronomia, a cosmologia e a geografia. Utilizava-se dos textos de Nicolau Copérnico (1473-1543). O mestre (cátedra vitalícia) estava presente na Universidade de Salamanca, porém o acesso se dava por meio de concurso público (Ullmann; Bohnen, 1994).

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Esse movimento marcou o início de um longo processo de luta em prol da construção da um modelo institucional que atribuía identidade à universidade latino- americana, bem como de um modelo de ensino superior renovado (Freitas Neto, 2011). O texto inaugural do movimento ficou conhecido como o Manifesto Liminar intitulado “La juventud argentina de Córdoba a los hombres libres de Sud América”. (Grifos meus). (Figura 1).

Figura 1 - Manifesto de Córdoba – 1918

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Fonte: La Gaceta Universitaria (Manifesto de Córdoba, 1918).

Este documento foi redigido pelo advogado e defensor dos direitos humanos, Deodoro Roca, e firmado pelos representantes discentes que protagonizaram aquele momento: Enrique F. Barros, Horacio Valdés, Ismael C. Bordabehére, Gumersindo Sayago, Alfredo Castellanos, Luis M. Méndez, Jorge L. Bazante, Ceferino Garzón Maceda, Julio Molina, Carlos Suárez Pinto, Emilio R- Biagosch, Angel J. Nigro, Natalio J. Saibene, Antonio Medina Allende e Ernesto Garzón.

O Manifesto é constituído por 15 parágrafos e faz referência a três principais pontos: “o diagnóstico da crise vivida pela Universidade de Córdoba; a afirmação do poder de renovação da juventude e suas propostas políticas; e as reivindicações reformistas propriamente ditas” (Freitas Neto, 2011, p. 1).

Antes da divulgação desse documento, houve manifestação dos estudantes de medicina que, além de reivindicarem a reforma universitária, protestavam contra a suspensão do internato no Hospital Nacional de Clínicas. No entanto, sem serem atendidos, iniciaram uma greve geral no final de março de 1918, que ganhou forças em outras cidades do país.

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Figura 2 – Ocupação dos estudantes na Universidade de Córdoba, 1918.

Fonte: Archivo General de la Nación (AGN), citado por Sader; Gentili; Aboites (2008).

Nesse contexto, os discentes constituíram um comitê para a reforma da

 

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universidade que, posteriormente, se tornou a Federação Universitária de Córdoba FUC.

 

Em Bueno Aires, criou-se a Federação Universitária Argentina (FUA), que fortaleceu ainda

 

mais o movimento estudantil. Com efeito, o presidente Hipólito Yrigoyen, em apoio aos

 

estudantes, decretou a intervenção da Universidade no dia 11 de abril de 1918 e nomeou

 

José Nicolás Matienso para a reestruturação da universidade.

 

Em maio de 1918, a Universidade já tinha novo estatuto. Na ocasião, foram

 

declarados vagos os cargos de reitor e dos membros do Conselho da instituição. A

 

substituição se daria por meio de eleições. Entretanto, o candidato à reitoria, apoiado pelos

 

estudantes, ficou na última colocação, sendo vitorioso o mais conservador entre os

 

concorrentes, Antonio Nores. Os estudantes não aceitaram o resultado e, como protesto,

 

decretaram greve por tempo indeterminado, dessa vez, com muita violência, mobilizações

 

nas ruas e confronto com a polícia. O movimento cresceu e se fortaleceu, especialmente

 

com o apoio de sindicatos, políticos, intelectuais e outros estudantes (Bernheim, 1998).

 

Com o apoio crescente da população, os estudantes ocuparam a reitoria e

 

reabriram a universidade. Na sequência, José S. Salinas foi nomeado interventor da

 

universidade. Este atendeu às demandas estudantis, aceitou a demissão dos catedráticos

 

conservadores e nova gestão foi constituída, com integrantes ligados ao movimento

 

estudantil. Assim, o interventor garantiu a reforma da universidade, como reivindicado

 

pelos discentes, e assegurou o sucesso do movimento (Portantiero, 1968).

 

O Manifesto Liminar é considerado importante documento na história das

 

universidades latino-americanas, pois representa a chave no processo reformista das

 

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universidades. Contém inquietações da juventude universitária e os pontos de vista para a transformação do ensino superior, trazendo, ainda, um diagnóstico crítico sobre a universidade – o ensino obsoleto, a cátedra – e advertindo quanto à necessidade de uma reforma universitária. Critica a Ley de Avellaneda, reivindica o direito dos estudantes de se expressarem, pela ausência da ciência integrada ao ensino, bem como pela permanência da cátedra vitalícia (Bernheim, 1998). A denúncia explicita no documento que as universidades foram, até aquele instante,

el refugio secular de los mediocres, la renta de los ignorantes, la hospitalización segura de los inválidos y - lo que es peor aún- el lugar en donde todas las formas de tiranizar y de insensibilizar hallaron la cátedra que las dictara. Las universidades han llegado a ser así el fiel reflejo de estas sociedades decadentes, que se empeñan en ofrecer el triste espectáculo de una inmovilidad senil. Por eso es que la Ciencia, frente a estas casas mudas y cerradas, pasa silenciosa o entra mutilada y grotesca al servicio burocrático. Cuando en un rapto fugaz abre sus puertas a los altos espíritus es para arrepentirse luego y hacerles imposible la vida en su recinto. Por eso es que, dentro de semejante régimen, las fuerzas naturales llevan a mediocrizar la enseñanza y el ensanchamiento vital de los organismos universitarios no es el fruto del desarrollo orgánico sino el aliento de la periodicidad revolucionaria. (Manifesto de Córdoba, 1918. Grifos meus)

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O Manifesto é finalizado com um convite direcionado aos companheiros americanos: “la juventud universitaria de Córdoba, por intermedio de su Federación, saluda a los compañeros de la América toda y los inicita a colaborar en la obra de libertad que inicia”. (Grifos meus)

A REFORMA

Os jovens estudantes de Córdoba, no início do século XIX, reivindicavam a democratização na república universitária, com capacidade de eleger e ser eleito. Desejavam a modernização da educação superior, a superação do ensino obsoleto e o estabelecimento de um modelo inovador no ensino acadêmico. Conforme descrito por Bernheim (1998), entre os principais pontos reivindicados pelo movimento estudantil de 1918, estão:

1.Autonomia universitária: um dos pontos mais polêmicos da reforma, pois os estudantes defendiam o direito de a comunidade universitária eleger seus dirigentes e elaborar seus próprios estatutos e programas pedagógicos. A proposta era que assuntos políticos externos à instituição não interferissem nas atividades realizadas pela Academia.

2.Maior participação da comunidade acadêmica: outro ponto importante defendido pelos discentes era que a comunidade acadêmica deveria participar da administração da universidade, incluindo os egressos da instituição.

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3.Liberdade de Cátedra: ao defender esse ponto, os estudantes abriam a possibilidade para ampliação do ensino a diferentes correntes de pensamentos e tendências ideológicas, sem serem censurados.

4.Liberdade acadêmica: neste ponto, os estudantes reivindicavam o direito de expressarem seus pensamentos, suas ideias filosóficas, científicas, sociais e políticas, sem repressões.

5.Missão social: os discentes defendiam que a universidade deveria ser voltada para as questões sociais, na busca de soluções para os problemas da sociedade. Hoje é conhecido por extensão universitária.

6.Vinculação da universidade com os sistemas educativos de base: os estudantes desejavam que o ensino universitário dialogasse com o ensino de base. A universidade deveria se aproximar do sistema educacional médio, técnico, primário, com vistas a potencializar o processo formativo.

7.Reorganização acadêmica: este ponto se direciona para a ampliação da universidade, modernização dos métodos de ensino, da formação cultural e profissional.

8.Transparência: os estudantes defendiam maior publicidade dos atos realizados na gestão universitária.

9.Assistência social: neste ponto os estudantes reivindicavam maior democratização do acesso ao ensino superior e à assistência social aos estudantes.

10.Docência livre: a defesa desse ponto é pela liberdade de ensinar e aprender de

acordo com o interesse do docente ou discente. Isso implica a realização de

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concursos para professores e periodicidade de cátedra.

 

11.Gratuidade do ensino: os estudantes defendiam que a universidade deveria ser mais accessível a todos os estudantes, independente da classe social.

12.Unidade latino-americana: os discentes desejavam ampliar a luta em defesa da universidade e contra a ditadura e o imperialismo.

PROJEÇÃO LATINO-AMERICANA DO MOVIMENTO: ONDE ESTÁ O BRASIL?

O Manifesto Liminar circulou por toda a América Latina, influenciando diversos países, tais como: Peru, Chile, Cuba, Colômbia, Guatemala, Uruguai e, posteriormente, Paraguai, Bolívia, Equador, Venezuela, México e Brasil. No caso do Peru, a reforma universitária teve atuação de Victor Haya de la Torre, que se tornou o fundador da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA); no México, a reforma se vinculou às “políticas de estado de José Vasconcelos; en el caso de Chile el movimento universitario se aglutinó en torno a la figura de Arturo Alessandri; em Cuba tuvo um éxito efímero, pero se destaca la figura de Julio Antonio Mella” (Carli, 2008, p. 38. Grifos meus).

Pela proximidade geográfica, os estudantes uruguaios rapidamente aderiram às ideias reformistas, contando com as contribuições dos discentes de Córdoba para se organizarem. Na Colômbia, os estudantes proclamaram a reforma em Medellín, em 1922, e em Bogotá, no ano de 1924. Em outros países da América Latina, devido aos governos

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ditatoriais, o movimento dos estudantes foi reprimido e, por isso adiado, como no Paraguai e na Venezuela (Bernheim, 1998).

No Brasil, a universidade chegou tardiamente, devido a uma longa história de protelação que “revela uma singular resistência do País a aceitá-la” (Teixeira, 2010, p.166). Apesar de algumas tentativas frustradas, foi somente no início do século XX que a primeira universidade brasileira foi instituída. Cabe ressaltar que, no ano de 1915, o presidente Wenceslau Braz já havia aprovado o Decreto nº 11.530, de 1915, que possibilitou a reorganização dos ensinos secundário e superior na República, conhecida como Reforma Carlos Maximiliano. Este decreto explicita, no art. 6º, que “o Governo Federal, quando achar oportuno, reunirá em universidade as Escolas Politécnica e de Medicina do Rio de Janeiro, incorporando a elas uma das Faculdades Livres de Direito, dispensando-a da taxa de fiscalização e dando-lhe gratuitamente edifício para funcionar”. Portanto, somente cinco anos depois de aprovado, o governo entendeu ser o momento oportuno para a criação da primeira universidade no país e, para tal, foi aprovada a junção das escolas, criando a Universidade do Rio de Janeiro (URJ) por meio do Decreto nº 14.343/1920, emitida pelo Presidente Epitácio Pessoa. Portanto, aproximadamente 700 anos depois do nascimento das pioneiras Bolonha, Paris e Oxford, incluindo a Universidade de Salamanca e três séculos após a criação da Universidade de Córdoba.

Apesar de nascer num contexto de transformação da sociedade brasileira, a URJ preservou as características do modelo francês/napoleônico. Em outras palavras, o ensino

era fragmentado, distante da realidade concreta e desvinculado da atividade de pesquisa. As 61 escolas eram afastadas umas das outras, dificultando, ainda mais, as possibilidades de inter- relação entre elas, mantendo-as, deste modo, no seu isolamento (Fávero, 2006).

Em meio a tais acontecimentos, havia a circulação de novas ideias referentes à cultura, à política, ao social e educacional. Essas ideias se refletiram, na década seguinte, em diferentes áreas no caso da educação superior, foi elaborado o primeiro estatuto das universidades brasileiras, no âmbito da reforma educacional de 1930, conhecida como “Reforma Francisco Campos”, ocorrida durante o período do Estado Novo. Cabe ressaltar que havia forte resistência por parte dos conservadores em relação às ideias renovadoras, especialmente nas questões referentes à laicidade do ensino. O embate entre os dois grupos (renovador e católico) favoreceu com que o Chefe do Governo Provisório e o Ministro da Educação e Saúde, Getúlio Vargas e Francisco Campos, respectivamente aproveitando-se do encontro entre educadores, na IV Conferência Nacional de Educação, realizada entre os

dias 13 a 20 de dezembro de 1931, no Rio de Janeiro , solicitassem uma definição dos “princípios da educação e a „formula mais feliz‟ em que pudesse exprimir a política escolar da Revolução” (Azevedo, 1971, p. 674).

Assim, após intensos debates, Fernando de Azevedo foi escolhido para sintetizar, num manifesto, os novos ideais, os sentidos e os fundamentos da política educacional brasileira. Este documento ficou conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, apresentado ao povo e ao governo, no ano de 1932, com a assinatura de inúmeros educadores, tais como: Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Hermes Lima, Cecília Meirelles,

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Paschoal Lemme, Nobrega da Cunha e Francisco Venâncio Filho. Este documento lançou as diretrizes de:

Uma política escolar, inspirada em novos ideais pedagógicos e sociais e planejada para uma civilização urbana e industrial, com o objetivo de romper contra as tradições excessivamente individualistas da política do país, fortalecer os laços de solidariedade nacional, manter os ideais democráticos [...]. A defesa do princípio de laicidade, a nacionalização do ensino, a organização da educação popular, urbana e rural, a reestruturação da estrutura do ensino secundário e do ensino técnico e profissional, a criação da universidade e de institutos de alta cultura, para o desenvolvimento de estudos desinteressados e da pesquisa cientifica. (Azevedo, 1971, p. 675)

Anos depois, dois projetos de universidade tomaram corpo: o da Universidade de

 

São Paulo (USP), em 1934, que foi idealizada pelo educador Fernando de Azevedo, e o da

 

Universidade do Distrito Federal (UDF), em 1935, na cidade do Rio de Janeiro, quando

 

esta ainda era capital do Brasil e foi organizada por Anísio Teixeira. Foram dois grandes

 

projetos que contrastavam com a política autoritária e centralizadora adotada desde o início

 

do governo provisório (Fávero, 2006; 2009). A primeira (USP) foi instituída por meio do

 

Decreto nº 6.283/1934, tendo explicitadas no artigo 2º as seguintes finalidades

 

institucionais:

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a)promover, pela pesquisa, o progresso da ciência; b) transmitir pelo ensino, conhecimentos que enriqueçam ou desenvolvam o espírito, ou sejam úteis à vida;

c)formar especialistas em todos os ramos de cultura, e técnicos e profissionais em todas as profissões de base científica ou artística; d) realizar a obra social de vulgarização das ciências, das letras e das artes, por meio de cursos sintéticos, conferências palestras, difusão pelo rádio filmes científicos e congêneres.

A segunda (UDF) “surge com uma vocação científica e estrutura totalmente diferente das universidades existentes no país, inclusive da USP” (Fávero, 2006, p. 25). Seu projeto foi inspirado no modelo americano e, apesar da proposta ser inovadora e arrojada, teve curta duração (de abril de 1935 a janeiro de 1939), sendo fechada pelo governo de Vargas, durante o Estado Novo, atendendo à pressão dos conservadores. Hermes Lima (1978) adverte que, nesse período, Anísio Teixeira “estivera sob o fogo concentrado do clero e da liderança católica na discussão sobre a escola pública e na campanha pela Universidade do Distrito Federal” (p. 137). Ele se posicionava contrário à presença da liderança e do ensino clerical no sistema educativo do Rio de Janeiro.

A forte oposição a Anísio Teixeira estimulou o grupo dos católicos a pressionar o governo a tomar posição repressiva. Com efeito, o ministro Gustavo Capanema aproveitou-se do clima político da época e da intentona Comunista de 1935 para justificar seus feitos – a elaboração de texto explicitando que a existência da UDF “constitui uma

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situação de indisciplina e de desordem no seio da administração pública do país. O

 

Ministério da Educação é, ou deve ser, o mantenedor da ordem e da disciplina no terreno

 

da educação” (Capanema, 1938 apud Fávero, 2009, p. 37). Assim, considerando-se que o

 

Ministro não havia autorizado a criação da UDF9, esta funcionava de maneira ilegal,

 

devendo, portanto, ser fechada. Com esses argumentos, Getúlio Vargas assinou o decreto-

 

lei de 20 de janeiro de 1939 autorizando a extinção da UDF e seus cursos foram

 

transferidos para a Universidade do Brasil10.

 

 

Ressalta-se que, apesar das repressões e perseguições, Anísio Teixeira não desistiu

 

de seus objetivos e, como um incansável defensor da educação, retomou as ideias do

 

projeto da UDF na década de 1960 para, em parceria com Darcy Ribeiro, pensar a

 

Universidade de Brasília (UNB), instituída pela Lei nº 3.998/61. Entretanto, com o golpe

 

militar de 1964, o projeto foi interrompido com o afastamento de Anísio Teixeira da

 

reitoria, incluindo prisões e torturas de estudantes e professores (Salmeron, 2012; Rocha,

 

2014).

 

 

Se, por um lado, não houve, no Brasil, no início do século XX, nenhuma revolução

 

para a reforma universitária, promovida pelo movimento estudantil11, por outro lado

 

reconhece-se o papel revolucionário do jovem Anísio Teixeira, que contribuiu, de maneira

 

incomparável, para a educação brasileira em todos os níveis. Foi considerado um estudioso,

 

inquieto e curioso, que possivelmente teve conhecimento do movimento estudantil na

 

Argentina e que, de uma forma ou de outra, compactuou com os princípios defendidos

 

pelos estudantes na Reforma Universitária de

Córdoba. Tal entendimento se dá pela

63

observação de alguns pontos que se assemelham e que são apresentados no Quadro 1:

Quadro 1 – Pontos que se assemelham entre as reformas universitárias de Córdoba e a proposta de Anísio

Crítica

 

 

 

 

 

Defesa

 

 

Influências clericais

nas

atividades

Autonomia universitária;

 

acadêmicas;

 

 

 

Modernização das práticas pedagógicas;

 

Isolamento da universidade;

 

Liberdade para o desenvolvimento de

pesquisas

Cátedra vitalícia;

 

 

 

 

cientificas;

 

O sistema de ensino obsoleto;

Liberdade de cátedra;

 

Não

priorização

 

da

pesquisa

Gratuidade do ensino;

 

 

científica;

 

 

 

Ensino laico;

 

Desvinculação do ensino e pesquisa;

Eleições dos dirigentes com participação da

Autoritarismo

nas

decisões

 

comunidade acadêmica;

 

acadêmicas;

 

 

 

Ingresso por concurso público para

a carreira

Modelo de universidade ultrapassado.

 

docente;

 

9Foi criada pelo Decreto 5.513, de 4 de abril de 1934, assinado pelo interventor do Rio de Janeiro, Pedro Ernesto.

10Foi instituída pela Lei nº 452, de julho de 1937, mantida e dirigida pela União.

11Segundo Trindade (2012), o movimento estudantil só se mobilizou em prol da reforma do ensino na década de 1960, momento em que se organizou e se promoveu o Primeiro Seminário Nacional de Reforma Universitária, na cidade de Salvador, Bahia. Por iniciativa da União Nacional dos Estudantes (UNE), os estudantes trouxeram o ideário de Córdoba para o debate nacional.

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Assistência social para os alunos com baixo poder

 

 

 

 

 

aquisitivo;

 

 

 

 

Democratização do ensino;

 

 

 

 

Extensão universitária;

 

 

 

 

Articulação entre a pesquisa e o ensino;

 

 

 

 

Proximidade da universidade com o sistema de

 

 

 

 

base;

 

 

 

 

Diversificação formativa;

 

 

 

 

Criação de um modelo próprio de universidade.

 

 

 

Fonte:

elaboração própria.

 

 

 

Ao defender o projeto de universidade, Anísio Teixeira buscou ir além das

 

 

reivindicações estudantis da Reforma de 1918, na Argentina – ele propôs a articulação entre

 

 

o “ensino, a pesquisa e a formação de professores, transformando-se em grande centro de

 

 

produção e irradiação do saber científico, filosófico e literário” (Fávero, 2009, p. 75).

 

 

Inovou na organização curricular, na estrutura didático/pedagógico, no modo de acesso, na

 

 

ampliação da oferta dos cursos, na formação para além da graduação, na proximidade da

 

 

universidade com a escola, a sociedade e, principalmente, com a cultura em que a

 

 

instituição está inserida. Enfim, Anísio se mostrou um homem além de seu tempo, ao

 

 

defender com ousadia a educação brasileira e, principalmente, ao idealizar um modelo

 

 

arrojado de universidade, apesar das fortes críticas e perseguições que sofria.

 

 

 

 

 

 

 

 

A PROPOSTA DE UNIVERSITÁRIA DE ANÍSIO TEIXEIRA: EM QUE SE

64

 

 

 

FUNDAMENTA?

 

 

 

 

 

 

Natural de Caetité, cidade do estado da Bahia, Anísio Spínola Teixeira (1900-1971) bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, em 1922, mesmo ano em que o país comemorava o centenário da independência. No ano de 1924, aos 23 anos de idade, recebeu convite do governador da Bahia, Francisco Marques de Góes Calmon, para ocupar o cargo de inspetor geral de ensino, onde ficou por um período de cinco anos. Na oportunidade, Anísio se revelou um exímio gestor ao promover a reforma do “sistema escolar baiano que, entre 1924 e 1927, quase dobrou sua participação percentual no orçamento do estado e triplicou o número de matrículas oferecidas” (Coutinho, 2017, p. 1).

Inquieto e desejoso por mais conhecimento, Anísio viajou à Europa no ano de 1925, com o objetivo de conhecer o sistema educacional daquela região. Dois anos depois, realizou sua primeira viagem aos Estados Unidos, com o mesmo propósito. Esta viagem rendeu um relatório sintetizado no livro “Aspectos americanos de educação”, publicado no ano de 1928. Contemplado com uma bolsa de estudos, Anísio retornou aos Estados Unidos para estudar no Teachers College da Universidade de Columbia (Nova York), momento em que teve contato com Willian Kilpatrick e o mestre John Dewey, que marcou decisivamente sua trajetória intelectual (Gondra; Mignor, 2006).

Onorte-americano Jonh Dewey (1859–1952) foi o filósofo mais importante da primeira metade do século XX. Graduou-se na Universidade de Vermont, aos 20 anos e,

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após um breve período atuando como professor, decidiu buscar mais conhecimento no

 

Departamento de Filosofia da primeira instituição dos Estados Unidos, que tinha a

 

organização dos estudos universitários espelhados no modelo alemão (humboldtiano),

 

estruturada no ensino, na pesquisa e na liberdade de escolha, tanto dos estudantes quanto

 

dos professores, a Universidade John Hopkins. Neste contexto, recebeu influência dos

 

professores: Charles Sanders Pierce (Lógica), Stanley Hall (Psicologia) e, especialmente, de

 

seu orientador, George Sylvester Morris (Filosofia-Kant e Hegel). Ao concluir os estudos,

 

no ano de 1884, recebeu o título de doutor com a tese sobre a psicologia de Kant.

 

Pragmático e defensor da unidade entre teoria e prática, Dewey estruturava seus

 

pensamentos na convicção moral de que “democracia é liberdade” (Westbrook; Teixeira,

 

2010).

 

 

Inspirado em Dewey, Anísio retornou ao Brasil e elaborou novos programas para

 

as disciplinas das escolas baianas. Entretanto, ao contrário de suas expectativas, o

 

governador Vital Soares, sucessor de Góes Calmon, não aceitou seus planos, favorecendo,

 

com isso, o pedido de afastamento da direção da educação baiana (Rocha, 2014). No início

 

da década de 1930, após a morte de seu pai, Anísio voltou ao Rio de Janeiro. Neste

 

contexto, o escritor Monteiro Lobato (1882-1948), seu amigo pessoal, escreveu um bilhete,

 

recomendando-o ao paulista Fernando de Azevedo (1894-1974), dirigente da educação do

 

Distrito Federal (Rio de Janeiro) no governo de Washington Luís. Vejamos:

 

 

Fernando. Ao receberes esta, pára! Bota pra fora qualquer senador que te esteja

 

65

aporrinhando. Solta o pessoal da sala e atende o apresentado, pois ele é o nosso

 

 

grande Anísio Teixeira, a inteligência mais brilhante e o maior

coração que já

 

encontrei nestes últimos anos de minha vida. O Anísio viu, sentiu e compreendeu a América e aí te dirá o que realmente significa esse fenômeno novo no mundo. Ouve-o, adora-o como todos que o conhecemos, o adoramos e torna-te amigo dele como eu me tornei, como nos tornamos eu e você. Bem sabes que há uma certa irmandade no mundo que é desses irmãos, quando se encontram, reconhecerem-se. Adeus. Estou escrevendo a galope, a bordo do navio que vai levando uma grande coisa para o Brasil: o Anísio lapidado pela América. (Lobato, 1960, p. 69)

Foi, então, “lapidado pela América”, que Anísio Teixeira promoveu a renovação da educação brasileira, em todos os níveis de ensino, atuando em diferentes funções da esfera governamental. Entre suas principais atuações, estão: diretor do Departamento de Educação e Cultura do Distrito Federal (1931-1934), superintendente da educação secundária, Departamento Nacional de Educação (1931), presidente da Associação Brasileira de Educação (1934), secretário estadual da Secretaria de Educação e Cultura do Distrito Federal (1935), fundador da Universidade do Distrito Federal (1935), secretário estadual, Secretaria de Educação e Saúde do Estado da Bahia (1947-1951), secretário-geral, Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (1951-1964), diretor do

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Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (1952-1964) e reitor da Universidade de Brasília (1963).

Admirado por uns e odiado por outros, Anísio Teixeira era um brasileiro ousado, “homem de cultura, fértil imaginação e ideias originais brotando com espontaneidade, tornando as conversas inesquecíveis para os interlocutores, gozava de prestígio nos meios intelectuais e no mundo dos educadores” (Salmeron, 2012, p. 53). Foi um exímio defensor da modernização da educação brasileira e, para tal, lutou para que a universidade superasse o modelo obsoleto, rígido e ultrapassado. Propôs, ainda, a articulação entre o ensino e a pesquisa e a flexibilização às mudanças e aos acontecimentos da sociedade. Nestes moldes, a universidade teria a função de criar e manter uma:

Atmosfera de saber para se preparar o homem que serve e o desenvolve. Trata-se de conservar o ser vivo e não morto, nos livros ou no empirismo das práticas não intelectualizadas. Trata-se de formular intelectualmente a experiência humana, sempre renovada, para que a mesma se torne consciente e progressiva. Trata-se de difundir a cultura humana, mas de fazê-lo com inspiração, enriquecendo e vitalizando o saber do passado com sedução, a tração e o ímpeto do presente. [...] Há toda uma iniciação a se fazer. E essa iniciação, [...] se faz em uma atmosfera que cultive, sobretudo, a imaginação [...]. Cultivar a imaginação é cultivar a capacidade de dar sentido e significado às coisas (Teixeira, 2010, pp. 33-34).

66

Anísio advogava pela educação pública, gratuita e laica. Para ele, a educação é um direito e, sendo assim, não se limita a alguns, não é privilégio, portanto, deve ser aberta e acessível a todos. Anísio criticava o sistema educacional brasileiro nos moldes em que estava organizado e desejava contribuir para sua melhoria. Esse desejo o impulsionou a fazer viagens na busca por mais conhecimentos, fato que o possibilitou conhecer diversos teóricos, teorias, ideologias e propostas educacionais.

Para Santos e Almeida Filho (2012), a experiência de Anísio Teixeira nos Estados Unidos o possibilitou conhecer a proposta de reforma universitária, elaborada por Abraham Flexner12, pesquisador social e educador norte-americano de origem judia, comissionado pela Carnegie Foundation. A Reforma Flexner13 se baseava na proximidade da universidade com escolas menores, no desenvolvimento da pesquisa científica, na relação entre a teoria e a prática, na liberdade de professores e estudantes. A cátedra vitalícia foi substituída pela participação de outros professores, os quais tinham autonomia e flexibilidade administrativa com a organização dos institutos e do centro de pesquisa para a realização de projetos científicos, tanto individuais quanto em grupo. O ensino era dividido em ciclos (college + graduate studies), com grande variedade de percursos. Em outras palavras, a organização da Reforma Flexner foi estabelecida por uma: fase de formação básica

12Bacharelou-se em Artes na Universidade John Hopkins, no ano de 1886 (a mesma instituição que John Dewey fez doutorado).

13Relatório Flexner (Flexner Report) sobre a universidade foi sintetizado no livro Medical Education in the United States and Canada.

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flexível preparando para a graduação (undergraduate), seguida de uma fase de formação para estudante já graduados (graduate students) conduzindo a mestrados de formação profissional ou mestrados de transição para o doutoramento. [...] No plano organizacional implantou-se o sistema departamental, com a separação entre gestão institucional [...] e gestão acadêmica. (Santos; Almeida Filho, 2012, p. 44)

Na concepção flexneriana, o modelo de universidade, até então vigente, estava ultrapassado – fragmentado pedagogicamente, não havia interação entre os departamentos, era rígido e sem conexão com as demandas da sociedade. As áreas do conhecimento, em vez de interagirem entre si, apenas conviviam “lado a lado”. Para Kerr (2005), as universidades eram instituições conservadoras e fechadas em si mesmo, como castelos sem janelas. Tais características remetem à Reforma de Córdoba, pois em muito se assemelham ao modelo de universidade combatido pelos estudantes argentinos.

 

Figura 3 - Anísio Teixeira

 

 

 

 

 

Figura 5 – Abraham

Figura 4 – John Dewey

 

 

Flexner

 

 

67

Fonte: Arquivos FGV/CPDOC (086)

O MODELO DE UNIVERSIDADE ANISIANO

A criação da Universidade do Distrito Federal foi antecedida pela criação da Associação Brasileira de Educação (ABE) e pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Este documento apresenta o conceito moderno de universidade, a qual deve ser estruturada no estudo científico, na relação ensino e pesquisa, na formação profissional e técnica e na formação do pesquisador, em todas as áreas do conhecimento humano. Deve ainda ser organizada de maneira que possa desempenhar sua função: promover a investigação científica, ser transmissora de conhecimentos (ciência feita) e popularizadora das ciências e das artes. Portanto, é com o espírito crítico que as universidades, no conjunto de suas instituições, proporcionam cultura elevada, no trabalho científico e na proximidade com os anseios da sociedade, nos dará os meios de combater a facilidade de tudo admitir; o ceticismo de nada escolher nem julgar; a falta de crítica, por falta de espírito

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de síntese; a indiferença ou a neutralidade no terreno das ideias; a ignorância „da mais humana de todas as operações intelectuais, que é a de tomar partido‟, e a tendência e o espírito fácil de substituir os princípios (ainda que provisórios) pelo paradoxo e pelo humor, esses recursos desesperados. (Manifesto dos Pioneiros, 2006, p. 199)

A universidade deveria ser o espaço para o desenvolvimento das atividades científicas livres e da produção da cultura desinteressada, do desenvolvimento do saber e da busca do desconhecido, o espaço da crítica, do questionamento, das novas descobertas e, portanto, da formação. Ela deve atender aos anseios da sociedade, aproximar-se da comunidade, da escola e sair do isolamento. No entanto, isso só será possível quando a universidade se voltar para a cultura de onde estiver inserida, devendo descobri-la e formulá-la para, depois, ensiná-la nos centros de estudos e de pesquisa.

A universidade deve ser de pesquisa, todavia, adverte Anísio, isso não significa um acréscimo de tarefa para a instituição, uma vez que ela “somente será de pesquisa quando passar a reformular a cultura que vai ensinar” (2005, p. 190). Em outras palavras, a cultura humana é própria e dinâmica, ela “une, solidariza e coordena o pensamento e a ação humana” (Teixeira, 2005, p. 190). Isso significa que, se a universidade deseja transmitir uma nova cultura, não pode fazê-lo colocando o aprendiz em contato:

Com os „produtos‟ dessa cultura, mas tornando possível ele aprendê-la pelo processo de sua formação, de modo que ele, de algum modo, a reinvente,

inserindo-a em um modo de pensar. Ele não deve ficar apenas capaz de 68 compreendê-la, mas de fazê-la e de continuá-la, sem mencionar a capacidade de aplicá-la. A cultura realmente existente é a que estiver incorporada pela sociedade,

e a sociedade é hoje nacional. (Teixeira, 2005, p. 191).

Anísio defendia que a autonomia é intrínseca à universidade e não é privilégio de determinado grupo, mas condição “pelo qual a comunidade universitária vai se constituir o exemplo de cultura e pratica democrática” (Teixeira, 2010, p. 80). Sem ela, as atividades inerentes à Academia ficam comprometidas. A liberdade é outro princípio defendido por ele; tanto os estudantes quanto os professores devem ter livre iniciativa para escolher o que e como ensinar e o que aprender no exercício da intelectualidade. No espaço acadêmico, deveria haver liberdade para a livre circulação de ideias, teóricos e teorias, convivendo numa mesma atmosfera e no mesmo meio, o que significou o fim da cátedra vitalícia.

Outro ponto destacado no modelo anisiano de universidade é o acesso. Para Anísio, essa instituição deveria ser aberta a todos os interessados, em especial aos secundaristas que, ao concluírem o Ensino Médio, dariam continuidade aos estudos, fazendo o “curso introdutório, de nível superior, destinado a alagar-lhe a cultura geral [...], dar-lhe uma cultura propedêutica para as carreiras acadêmicas ou profissional ou para treiná-la em carreiras curtas de tipo técnico” (Teixeira, 2010, p. 157). Desta forma, ao terminar o curso é que o estudante seria selecionado para a graduação.

Na concepção anisiana, a universidade tem a função única e exclusiva que não se limita a difundir conhecimento, a conservar experiências, a preparar para as atividades

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práticas ou a formar o profissional, pois tudo isso, de certa forma, o livro prepara, ou, em último caso, escolas singelas também atendem. Trata-se, na verdade, de manter:

Uma atmosfera de saber para se preparar o homem que o serve e o desenvolve. Trata-se de conservar o saber vivo e não morto, nos livros ou no empirismo das práticas não intelectualizadas. Trata-se de formular intelectualmente a experiência humana, sempre renovada, para que a mesma se torne consciente e progressiva. Trata-se de difundir a cultura humana, mas de fazê-lo com inspiração, enriquecendo e vitalizando o saber do passado com a sedução, a atração e o ímpeto do presente. (Teixeira, 2010, p. 33)

Anísio advoga pela democratização da educação, e isso implica ofertar o ensino público, gratuito e laico. Como crítico do ensino tradicional, da fragmentação do conhecimento, da existência de fronteiras entre as áreas do conhecimento, do ensino elitizado, da carência, senão ausência de formação para professores, do conservadorismo universitário, enfim, Anísio acreditava na integração entre o ensino, a pesquisa e o estímulo

àcultura. Ele incorporou essa educação na formação específica do magistério no nível superior e na modernização didático/pedagógico da relação ensino/aprendizado.

Foi, portanto, numa tentativa de apresentar novos caminhos, que ele elaborou a proposta de criação da universidade para o Distrito Federal. Primeiro foi na década de 1930, na cidade do Rio de Janeiro, e depois na década de 1960, na cidade de Brasília. Entretanto, ambos os projetos (UDF e da UNB) tiveram um curto período de efetividade, pois foram interrompidos por governos autoritários, antidemocráticos, com a justificativa

de manter a ordem e a disciplina. Até nisso a trajetória da universidade pensada por Anísio

69

se vinculava à rebeldia do Manifesto Liminar, de Córdoba. A inquietude dos estudantes também inspirou Anísio a desafiar as estruturas da educação brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A universidade nasceu na Idade Média e se firmou como uma instituição solidamente constituída. Ao longo dos anos, passou por alterações em sua estrutura e se tornou extremamente rígida, distante dos problemas da sociedade, fechada em si mesma. Este modelo conservador que vigorava na cidade de Córdoba, num contexto de desenvolvimento social e de conflitos mundiais, é que propiciou a sua transformação. Ao se manter rígida e imune a tais acontecimentos, foi duramente criticada – o modelo de ensino acadêmico, baseado na escolástica, na cátedra acadêmica e no ensino tradicional em meio às transformações da sociedade, já não atendia aos anseios da sociedade, e isso favoreceu com que os estudantes começassem a se inquietar.

Essa inquietação foi ampliada em decorrência da disseminação das ideias revolucionárias da época, bem como pela circulação de diferentes correntes filosóficas de pensadores americanos que, de uma forma ou outra, contribuíram para o fortalecimento do movimento estudantil, influenciando integrantes que lideraram com a Revolução de Córdoba. Para Bernheim (1998), tamanha era a influência que, em alguns casos, houve registros “escritos de estos mismos líderes reconociendo esas influencias. En otros, estas se perciben en los

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textos de los manifiestos que tratan de fijar la posición del Movimiento. De ahí que convenga reseñar, aunque sea muy brevemente, sus fuentes ideológicas” (p. 106. Grifos meus).

As influências de John Dewey também estiveram presentes na Argentina no início do século XX, as quais foram disseminadas por Ernesto Nelson (1873–1959) e Raúl Díaz (1862–1918). Estes viajaram para os Estados Unidos na primeira década desse século XX e conheceram as universidades americanas, bem como as ideias de John Dewey (Caruzo; Dussel, 2009). Cabe destacar que não foi possível identificar até que ponto as ideias deweyanas contribuíram para potencializar o movimento reformista de Córdoba. No entanto, registra-se que circularam no país as ideias defendidas pelo teórico estadunidense: democratização do ensino, relação entre teoria e prática e superação do ensino tradicional.

O discurso proferido pelos jovens estudantes, no Manifesto Liminar: “los dolores que quedan son las libertades que faltan. Creemos no equivocarnos; las resonancias del corazón nos lo advierten: estamos pisando sobre una revolución, estamos viviendo una hora americana”, sinaliza o desejo pela liberdade, de soltar as amarras de toda e qualquer influência que pudesse comprometer a autonomia universitária e, portanto, chegou-se ao momento de se criar uma cultura própria. São novos tempos, novas maneira de se pensar e agir, e a universidade não pode ficar imune a tais acontecimentos. Ela precisa se renovar, acompanhar as transformações da sociedade, promover uma formação com qualidade, gratuidade e acessível a todos. Assim, numa tentativa de fortalecer a luta em prol da educação superior, os jovens revolucionários de Córdoba convidaram outros companheiros a colaborarem com a obra de liberdade que,

por eles, fora iniciada. (Grifos meus)70 Anísio Teixeira engajou numa longa batalha em defesa da educação brasileira em

todos os níveis. Uma dessas lutas se refere à criação da universidade brasileira, na superação do ensino obsoleto. Ele acreditava ser possível criar uma cultura universitária própria – assim “como a Europa criou a sua universidade, assim criou a América do Norte a sua, e assim deveríamos nós criar a nossa” (Teixeira, 2010, p. 117). Para isso, apresentou ideias de modernização da universidade, assim como proposto pelos estudantes de Córdoba, no ano de 1918, em que incluía autonomia, liberdade de cátedra, pesquisa, ciência, democratização do ensino, superação do modelo único de ensino, disseminação de ideias, ideologias, contratação de professores, formação de docentes, aproximação da universidade com a comunidade e com a escola.

A Reforma de Córdoba representou um marco para a universidade latino- americana, em especial, no Brasil. Se Anísio interagiu ou não com o movimento dos estudantes argentinos, não foi possível ainda identificar, mas o certo é que Anísio foi contagiado pelos ideais de renovação da universidade, que a cada dia se revelam mais atuais do que nunca. O centenário de Córdoba é a renovação dos propósitos anisianos para a consolidação do ideal de universidade no Brasil.

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