N° 7

INTEGRACIÓN Y CONOCIMIENTO

 

ISSN 2347 - 0658

Vol. 2 Año 2017

O TRABALHO DOCENTE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: HETEROGENEIDADE, INSEGURANÇA E FUTURO INCERTO

Valdemar Sguissardi*

Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) vs@merconet.com.br

Resumo

Com este artigo visa-se identificar e compreender o trabalho docente na educação superior no Brasil, hoje, no contexto de um modelo de desenvolvimento econômico-social neoliberal e de um Estado mercantilizado, sob predominância financeira, que condiciona o conjunto das políticas sociais, entre elas a da educação em geral e da educação superior em particular. Mostrar-se-

ácomo o trabalho docente na educação superior está se assemelhando cada vez mais ao das categorias de trabalhadores com trabalho mais intensivo e de maior precariedade. Isto se deve à não prioridade da educação superior políticas sociais do Estado e à estrutura heterogênea do subsistema – estatal/público (federal, estadual e municipal), privado sem e com fins lucrativos – com presença majoritária deste último setor, que representa cerca de 85% das instituições e 75% das matrículas. A partir desse diagnóstico, serão levantadas hipóteses quanto às perspectivas da profissão docente da educação superior neste país.

Palavras chave: Trabalho docente. Educação superior. Neoliberalismo.

*Prof. Dr. Titular (aposentado) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, São Paulo, Br

EL TRABAJO DOCENTE EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR EM BRASIL. HETEROGENEIDAD, INSEGURIDAD Y FUTURO INCIERTO.

Resumen

Con este artículo se pretende identificar y comprender el trabajo docente en la educación superior en Brasil, hoy, en el contexto de un modelo de desarrollo económico-social neoliberal y de un Estado mercantilizado, bajo predominancia financiera, que condiciona el conjunto de las políticas sociales, la educación en general y la educación superior en particular. Se mostrará cómo el trabajo docente en la educación superior se asemeja cada vez más al de las categorías de trabajadores con trabajo más intensivo y de mayor precariedad. Esto se debe a la no prioridad de la educación superior políticas sociales del Estado ya la estructura heterogénea del subsistema-estatal / público (federal, estatal y municipal), privado sin y con fines lucrativos - con presencia mayoritaria de este último sector,

que representa cerca de 85 % de las instituciones

142

 

y el 75% de las matrículas. A partir de ese

 

diagnóstico, se plantearán hipótesis en cuanto a

 

las perspectivas de la profesión docente de la

 

educación

superior

en

este

país.

 

Palabras

clave: Trabajo

docente. Educación

 

Superior. Neoliberalismo.

EDUCATIONAL WORK IN HIGHER EDUCATION EM BRAZIL. HETEROGENEITY, INSECURITY AND UNCERTAIN FUTURE.

Abstract

This article aims to identify and understand the teaching work in higher education in Brazil, today, in the context of a neoliberal economic- social development model and a commodified state, under financial predominance, which conditions the set of social policies , education in general and higher education in particular. It will be shown how the teaching work in higher education is more and more similar to that of the categories of workers with more intensive work and more precarious work. This is due to the

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non-priority of higher education social policies of the State and the heterogeneous structure of the subsystem-state / public (federal, state and municipal), private without and for profit - with a majority presence of the latter sector, which represents about 85% of institutions and 75% of enrollments. Based on this diagnosis, hypotheses will be raised regarding the perspectives of the teaching profession of higher education in this country.

Keywords: Teaching work. Higher education. Neoliberalism

Introdução

Uma das formas de comemorar o centenário da Reforma de Córdoba é identificar e compreender as condições em que se estrutura e move o trabalho docente na educação superior no Brasil, hoje. O tema pode ser abordado de diversas maneiras. Entretanto, dados os estudos que tenho realizado nas últimas décadas sobre a evolução deste subsistema de educação neste país, esta abordagem será feita tomando em consideração:

1)o contexto econômico, político e cultural em que se efetivam as políticas de educação superior; 2) que a educação superior continua não sendo uma prioridade do Estado nacional, assim como não o é a educação em geral; 3) que a educação superior em termos de número de instituições – IES (assim como de matrículas), em 2016, apresenta uma predominância inegável e crescente

das IES privadas (privadas e particulares)1, 87,7% do subsistema, e, em

1Neste artigo, utilizar-se-á o termo privadas para as IES privadas sem fins lucrativos (comunitárias, confessionais e fundações ou associações) e

especial, das privadas (particulares) que somam 1.052 ou 44% do total de 2.407 do país, dentre as quais uma dezena detém quase 50% das 6,5 milhões de matrículas privadas que correspondem a mais de 75% dos cerca de 8 milhões de matrículas do país; 4) que não existe um plano de carreira nacional para o conjunto

dos docentes das instituições estatais/públicas federais, estaduais e municipais, nem para os docentes das IES privadas (privadas) e nem, muito menos, para os docentes das IES privadas (particulares); 5) que, em especial, nas IES

privadas (particulares), verificam-se relações de trabalho precarizadas em graus variados como são desiguais essas instituições em poder econômico e político; 6) a intensificação e precarização

do trabalho, tanto nas IES estatais/públicas como nas IES privadas

(privadas) e IES privadas (particulares); e

143

 

7)o produtivismo e alienação acadêmicos, especialmente nas instituições que mais implementam a pós-graduação, que ocorre em concomitância com uma grande despolitização do corpo docente.

Finalmente, diante do quadro que será apresentado, serão levantadas hipóteses em relação às perspectivas de futuro da profissão docente da educação superior neste país quando no curso do último ano foram aprovadas, no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo, emendas constitucionais e reforma de leis que atentam contra os direitos essenciais dos trabalhadores.

Como principais fontes de referência e de dados serão utilizadas o

particulares para as IES privadas com fins lucrativos, que passam a existir a partir de 1997 (Via Decretos 2.207 e 2.306 de 1997).

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Estudo Diagnóstico da Política de Expansão da (e acesso à) educação superior no Brasil – 2002- 2012 (Sguissardi, 2014, ainda inédito), o livro Trabalho intensificado na Federais – pós-

graduação e produtivismo acadêmico (Sguissardi; Silva Júnior, 2009) a Tese de doutorado Trabalho docente na educação superior: uma análise das políticas retribuitórias e seus efeitos (Rodrigues Filho, 2015) e as Sinopses Estatísticas do Censo de Educação Superior (Brasil. Instituto Nacional de Pesqusas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira, 2002 a 2017).

AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR REFÉNS DO POLO PRIVADO-MERCANTIL DO ESTADO

(Fernando Henrique Cardoso: 1995-2002)

e de menor intensidade – durante os mandatos de Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014). A face social-pública deste segundo período, com o implemento de algumas políticas sociais universais como o aumento real anual do salário mínimo, os Programa Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, e outros, fez a diferença no implemento do ajuste neoliberal no plano econômico- social em relação ao período anterior. Criou-se, então, certo equilíbrio entre as

medidas macroeconômicas, que permaneceram quase inalteradas, e as microeconômicas que foram adotadas com vigor considerável e bons resultados nos índices de redução da miséria e da pobreza, assim como de redução da desigualdade social.2

Se no Estado, como instituição social, predominasse o polo dos interesses públicos sobre seu polo privado- mercantil, outra seria a configuração da igualdade/desigualdade social no Brasil e de suas políticas de educação superior.

Como se sabe, as políticas sociais do Estado, entre as quais as de educação e, em particular, de educação superior, jamais se desconectam das ou contrariam as políticas estatais que se ocupam, via de regra, da garantia de desenvolvimento das potencialidades do mercado e da acumulação do capital, mormente no Estado neoliberal.

Desde 1989, sob as diretrizes do Consenso de Washington, o ajuste neoliberal da economia em países como o Brasil deu-se de maneira bastante contínua, embora com períodos de maior intensidade – durante os Governos Collor de Melo (1990-1991) e de FHC

Como se verá

mais adiante, o

144

golpe jurídico-parlamentar-midiático, que

 

interrompeu, em meados de 2016, o

 

segundo mandato presidencial de Dilma

 

Rousseff (iniciado em janeiro de 2015),

 

iria criar as condições político-jurídicas

 

para a retomada em ritmo acelerado dos

 

traços que caracterizaram o primeiro

 

período

(1995-2002)

desse

ajuste

 

ultraliberal no país.

Esta abrupta retomada do ajuste neoliberal da economia brasileira dá-se sob o predomínio do capital financeiro

2Ver reportagem da Folha de S. Paulo, de 03/12/2017, com o título “Desigualdade social cai mais no Nordeste”, que mostra que em estados dessa região, entre 2004 e 2014, a redução da desigualdade chegou a índices de -18,6% no Maranhão e a -18,1% no Piauí. Em contraposição, em estados ricos, como São Paulo, o índice foi de apenas -5,53%, no Rio de Janeiro, de - 5,61, e, no Distrito Federal, de -6,54%. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/12/19 40204-desigualdade-de-renda-cai-mais-no- nordeste.shtml Acesso em 03/12/2017

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cujos representantes, entre eles os três maiores bancos do país, mesmo durante o período de Lula da Silva e Dilma Rousseff, nunca deixaram de obter

índices de lucro líquido três ou quatro vezes maiores que os índices de crescimento do Produto Interno Bruto.

Gráfico 1: Juros e amortizações da dívida pública no Orçamento Federal executado em 2014.

145

Fonte: http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2015/03/13/a-logica-perversa-da-divida-e-o-

orcamento-de-2015/

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Para reforçar esta hipótese da predominância financeira no aparelho do Estado no Brasil veja-se o que estabeleceu a Emenda Constitucional EC 95, enviada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, que a aprovou em 16/12/2016. Entre outras medidas, determina-se, nessa EC, o congelamento (limitado pela inflação do ano anterior), por 20 anos, dos recursos federais

destinados às políticas sociais, destacando-se entre elas as de educação e saúde. Por outro lado, não foi estipulado nenhum limite para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública que beneficia o sistema financeiro em índices próximos de 50% do Orçamento da União.

Nesse contexto, a estrutura do aparelho do Estado, que passou por reforma também continuada desde o Projeto de Reforma do Estado, do Governo FHC, apresenta-se, no Brasil, como espaço de confronto entre interesses públicos e privado-mercantis, com nítida predominância destes em todos os seus poderes e órgãos.

O que, em especial, desde o golpe acima referido, ocorre no âmbito do Estado é o agravamento do que, segundo Octávio Ianni, tem se verificado ao longo da história do modo de produção capitalista no Brasil. Segundo Ianni, o Estado jamais foi, de fato, o lugar privilegiado dos interesses públicos educação, saúde, moradia, segurança, etc.

mas, sim, dos interesses privado- mercantis, do capital, do mercado. “O discurso do poder do Estado tem sido o

„da economia, das razões do capital [...] As razões do Estado e as do capital conjugam-se, confundem-se‟” (2004, p. 263, apud Sguissardi, 2014, p. 15).

Das estreitas relações entre o Estado, em seu polo privado-mercantil, e

ocapital conhecem-se muitos e reconhecidos estudos, como o de Nicos Poulantzas L’État, le Pouvoir, le Socialisme

(1978) e o de David Harvey O enigma do capital e as crises do capitalismo (2011), do qual um simples parágrafo, a propósito da crise financeira de 2007/2008, é suficiente para fechar estas reflexões:

Em boa parte do mundo capitalista, passamos por um período surpreendente em que a política foi despolitizada e mercantilizada. Apenas agora em que o Estado entra em cena para socorrer os financistas ficou claro para todos que o Estado e capital estão mais ligados um ao outro do que nunca, tanto institucional

quanto pessoalmente. (2011, p. 146 178, apud Sguissardi, 2014, p. 16).

Diante da configuração do Estado como arena de lutas entre interesses públicos e privado-mercantis, com predomínio destes mormente em tempos de crise como o que atravessa o Brasil, pós-golpe, foge do bom senso imaginar- se que este predomínio, visível em todos os três poderes do Estado, não irá impactar as políticas sociais, entre elas as de educação superior. Isto fica evidente na EC 95, como já vimos; nos cortes orçamentários3 para as instituições

3Veja-se https://g1.globo.com/educacao/noticia/ quase-70-das-universidades-federais-do-pais-tiveram- cortes-no-orcamento-entre-janeiro-e-junho.ghtml> Acesso em: 05/12/2017.

< https://g1.globo.com/educacao/noticia/veja-o- impacto-do-corte-de-verbas-em-universidades-e- institutos-federais-de-14-estados.ghtml> Acesso em: 05/12/2017.

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federais de educação superior (IFES) em 2017; na redução de 44% neste ano para Ciência e Tecnologia4; e nas previsões orçamentárias para o ano 2018 que têm como destinatários as IFES5 e o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação, que envolve, neste caso, o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e outras agências financiadoras de ciência, tecnologia e inovação6.

As políticas sociais de educação superior não são autônomas em relação às tendências, predominantes no Estado privado-mercantilizado, que privilegiam as potencialidades do mercado e da acumulação do capital. “Não apenas não são autônomas, como tendem a ser produto das articulações hegemônicas do capital [especialmente o financeiro] no seio do Estado” (SGUISSARDI, 2014, p. 21).7

Para demonstrá-lo bastaria examinar em detalhes a EC 95 acima referida ou as políticas focais, compensatórias, como o Programa

<http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/10/ 1929952-sem-dinheiro-universidade-federal-reduz-obr a-pesquisa-e-ate-andejao.shtml>Acesso.em:.05/12/17

4Veja-se < https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao -e-emprego/noticia/2017/08/cortes-de-ate-45-afetam -pesquisa-em-universidades-federais-no-rs-9869118. html> Acesso em 05/12/2017. <http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar /orcamento-de-ciencia-e-tecnologia-pode-encolher-ain da-mais-em-2018/>Acesso em.05/12/2017

5Veja-se <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias /noticias/EDUCACAO-E-CULTURA/549441-

UNIVERSIDADES-CRITICAM-CORTES-PARA- ENSINO-SUPERIOR-NO-ORCAMENTO-DE- 2018.html> Acesso em 05/12/2017.

6Veja-se http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/1- previsao-para-ciencia-em-2018-e-tragica-com-ploa- apresentado-pelo-governo/> Acesso em 05/12/2017.

7Para melhor aprofundamento dos vínculos entre políticas sociais e o Estado, ver Belloni, Isaura; MagalhãeS, Heitor de; Sousa, Luzia C. de. (2000)

Universidade para Todos (Prouni)8 e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)9, aquele oferecendo bolsas e este empréstimos reembolsáveis, mas que beneficiam apenas estudantes de IES privadas (privadas) e IES privadas (particulares) que, em geral e em especial estas últimas, são as que apresentam, nos processos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), a menor qualificação. Estudos têm demonstrado que, diante da qualidade menor das IES que recebem os beneficiários de tais programas, quem de fato mais tem usufruído dos cerca de R$ 15 bilhões anuais de recursos do Fundo Público têm sido os proprietários e acionistas dos grandes grupos de empresas de educação, que tendem a ter maior poder de influência sobre órgãos responsáveis por tais programas.

Os formuladores e executores das 147 políticas focais não costumam considerar

que a baixa frequência à educação superior – taxa líquida de menos de 20% (dos jovens de 18 a 24 anos) – é uma decorrência direta da imensa desigualdade social vigente no país que o situa nos primeiros lugares, neste campo, entre os 50 países de maior PIB no planeta. E, também ,da não eleição, nas políticas de Estado e de Governo, da educação superior como prioridade nacional.

EDUCAÇÃO SUPERIOR DE EXCELÊNCIA PARA OS “DE CIMA” E DE POUCA QUALIDADE PARA OS “DE BAIXO”

8Sobre o Prouni ver Costa, D. D. da; Ferreira, N-I. de B. (2017).

9Sobre o Fies, ver capítulo de Santos, J. R. dos; Chaves, V. L. J.. O financiamento estudantil (Fies) e as implicações na financeirização de grupos educacionais. In: Amaral, N. C.; Chaves, V. L. J. (Orgs.), (2017).

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Nos mais de 300 anos do Brasil- Colônia, a educação superior existiu apenas para alguns privilegiados que conseguissem estudar além-mar, em Coimbra, Évora e em raras outras universidades europeias. Nos 80 anos de Vice-Reino (1808-1822) e Império (1822- 1889) e mesmo nos primeiros 40 ou 50 anos da República (1989-1945), a educação de nível superior foi reservada a uma ínfima minoria a serviço da corte e dos interesses dos proprietários de terras, dos senhores de escravos e da burocracia estatal.10

Durante todo o Império (1822- 1889), embora tenham ocorrido diversos ciclos de desenvolvimento, não só nenhuma universidade como também poucas foram as faculdades criadas que fizessem a educação superior do país aproximar-se das suas congêneres no Novo Mundo, em países de língua inglesa e espanhola.11

Somente em 1920, quando em outros países já floresciam universidades há 200 ou 300 anos, é que se criou a

10Os primeiros cursos de educação superior instalados nos primeiros dez anos, desde a chegada ao país da família real portuguesa, foram: Cirurgia, na Bahia;

Cirurgia e Anatomia no Rio de Janeiro (1808); Academias Real da Marinha e Real Militar (1810); Agricultura (1812); Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (1816), Química (1817) e outros (Fávero, 2000, p. 31). Os cursos jurídicos, tão importantes para os senhores donos das terras e para a burocracia estatal iriam ser instalados a partir de 1827, em São Paulo e em Olinda (PE).

11“Quando do surgimento das primeiras universidades brasileiras, isto é, das experiências efêmeras de Manaus (1909), São Paulo (1910) ou Curitiba (1912), e da então Universidade do Rio de Janeiro (URJ), hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1920, os Estados Unidos já contavam com mais de 70 universidades e a América Latina cerca de 20, a primeira delas datando de 1538 (de Santo Domingo)”.

(Nota 2 de SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR; HAYASHI, 2006, p. 23, apud SGUISSARDI, 2014, p. 32)

primeira universidade no Brasil, na capital

 

da República, denominada Universidade

 

do Rio de Janeiro. A segunda foi

 

constituída em 1927 no Estado de Minas

 

Gerais, Universidade de Minas Gerais. E

 

a terceira foi a Universidade de São Paulo

 

(USP), com projeto inovador para a

 

época, fundada em 1934, como reação ao

 

governo central por São Paulo (estado)

 

ter sido derrotado na chamada Revolução

 

Constitucionalista de 1932 pelas tropas

 

federais.12

 

 

 

 

 

 

 

Até o final do Estado Novo (1937-

 

1945) eram cinco as universidades

 

brasileiras. De 1930 a 1945 foram criadas

 

181 faculdades isoladas. A partir de 1945

 

até o Golpe Civil-Militar de 1964 foram

 

criadas 19 universidades federais e

 

algumas

universidades

 

privadas

 

confessionais.

 

 

 

 

 

 

Quando do

golpe civil-militar de

148

1964 eram apenas 142 mil os estudantes

 

da educação superior, para uma

 

população do país de 80 milhões de

 

habitantes. Desses, 61,6% estudavam em

 

IES públicas e 38,4%, em IES privadas.

 

Passados 10 anos de Ditadura Civil-

 

Militar, as matrículas cresceram 559,8%,

 

para quase um milhão, entretanto, com

 

inversão dos índices de matrículas

 

públicas e privadas: em 1974, havia 36,5%

 

de matrículas nas IES públicas e 63,5%

 

nas

IES

privadas.

Essa

proporção

 

público-privada

manteve-se

com

 

pequenas variações até 1998, final do

 

primeiro mandato do Governo FHC. Em

 

1997,

via

Decretos

2.207

e

2.306,

 

12 Para saber mais sobre o projeto da USP, coordenado pelo grande sociólogo Fernando de Azevedo, ver, de Bianchetti e Sguissardi (2017, p. 42 e ss.), Da universidade à commoditycidade ou de como e quando, se a educação/formação é sacrificada no altar do mercado, o futuro da universidade se situaria em algum lugar do passado.

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normatizou-se e definiu-se o que, a contrário senso, admitiam a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (n. 9.394/1996), isto é, que as IES privadas poderiam organizar-se como instituições com fins lucrativos. Em 1998, havia 973 IES no país, sendo 21% públicas e 79%

privadas; 2.125 mil matrículas, sendo 37,8% em IES públicas e 62,2% em IES privadas.

O gráfico abaixo ilustra a evolução percentual da educação superior no Brasil desde 1964, quando do início da ditadura civil-militar até os dias de hoje.

Gráfico – Evolução percentual das matrículas públicas e privadas no Brasil (1964-2016)

149

Fonte: Barros (2007, p. 13) e Censo da Educação Superior (www.inep.gov.br). Elaboração de Nelson C. Amaral (2017).

A grande expansão de IES e de matrículas dar-se-á de 1999 a 2010, quando se verifica um aumento do total de IES de 116%, passando de 1.097 para 2.378. A proporção público-privada vai se acentuar em favor IES das privadas (privadas e particulares): no período as IES públicas que eram 17,5% reduzem-se a 11,7% e as IES privadas que eram 82,5% sobem para 88,3% do total. Mas

ressalte-se um fenômeno complementar: neste período – 1999 a 2010 – as IES Confessionais e Comunitárias viram seu índice de participação no total das IES do país baixar de 34,5% a 10,5%, enquanto as demais IES privadas (privadas e particulares) que eram 48% em 1999 viram seu índice aumentar para 77,8% ou 1.850 IES para um total de 2.378.

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O fenômeno do impactante aumento tanto das IES privadas (particulares) quanto de suas matrículas, dentre as quais quase metade com fins lucrativos, 44% em 2016, vai se acelerar mormente a partir do ano 2007 quando quatro grupos educacionais – Kroton, Anhanguera, Estácio e Sistema de Educação Brasileira (SEB) – abrem seu capital e passam a negociar parte de seu patrimônio financeiro na Bolsa de Valores de São Paulo. A partir dessa data, a Kroton, que detinha cerca de 25 mil matrículas em 2007 passa a deter aproximadamente 500 mil em 2013 (SGUISSARDI, 2014, p. 169). Em 2014, com a incorporação da Anhanguera, a Kroton passa a ter cerca de um milhão de matrículas. Em 2013, os doze maiores grupos com fins lucrativos, sete com capital aberto e ações em Bolsa de Valores, cinco nacionais e dois estadunidenses, detinham 2.141 mil matrículas ou 39,3% do total de 5.448 mil do Setor Privado (privado e particular, menos as confessionais e comunitárias), que, por sua vez, correspondiam a cerca de 70% do total das matrículas do país, públicas e privadas.

Em 2015, segundo o Observatório do PNE (2017), apesar de existirem 2.364 IES no país, e pouco mais de 8 milhões de matrículas, a taxa líquida era de apenas 18,1% (jovens de 18 a 24 anos) e a taxa bruta 34,6% (total de matrículas sobre o total de jovens de 18 a 24 anos). Isto significa que 81,9% dos jovens de 18 a 24 no Brasil encontravam-se fora da educação superior em 2015.

Essas taxas permaneceram praticamente inalteradas em 2016, pois o aumento de matrículas nesse nível de

ensino foi de apenas 0,20%...verificando- se, talvez pela primeira vez, nos últimos 50 anos, uma redução dos matriculados no setor privado, que foi de -0,20%. Isto provavelmente se deu em razão da crise econômica, da taxa de 13% de desempregados da força de trabalho e das reduções do financiamento público via Prouni e Fies.

Para responder à questão implícita no título deste item, bastaria mostrar que: 1), em 2016, de 2.407 IES no país, apenas 197 são organizadas como universidades e destas 108 são públicas e 89 privadas (privadas e particulares); as restantes dividem-se em 2.004 faculdades, sendo 1.866 privadas e 138 públicas; 166 centros universitários, sendo 10 públicos e 156 privados; e 40 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e Centros Federais de Educação Tecnológica, todos

públicos; 2) 46,3% dos alunos de 150 graduação estudam em instituições não universitárias; 3) a associação ensino, pesquisa e extensão, obrigatória para as

IES universidades, normalmente apenas existe nas universidades públicas e em algumas IES privadas, que concentram cerca de 90% dos mais de 4 mil programas de pós-graduação (mestrado e doutorado); 4) apenas cerca de 40% das universidades possuem pós-graduação consolidada, isto é, no mínimo três mestrados e dois doutorados bem avaliados pelo sistema de avaliação (regulação e controle) da Fundação

Capes, agência de avaliação e

financiamento da Pós-Graduação, vinculada ao Ministério de Educação; 5) segundo o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), a quase totalidade das IES com melhores escores

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na avaliação nacional é constituída por universidades públicas, federais e estaduais, e algumas IES privadas; 6) em 2016, o percentual de docentes com doutorado nas IES públicas era de 59,90% e o das IES privadas (privadas e particulares), de 22,5%; o percentual

docentes em tempo integral no conjunto das IES públicas era de 85,03%; o das IES privadas (privadas e particulares), de 25,70; a relação professor de tempo integral/alunos nas IES públicas era de 1/14; essa relação nas IES privadas (privadas e particulares) era de 1/110.

Tabela 1. Total de docentes em exercício com doutorado e em regime de tempo integral por

dependência administrativa – Brasil – 2016.

IES

Total

Doutorado

%

Tempo

%

 

integral

 

 

 

 

 

 

 

Brasil

384.094

149.837

39,01

199.290

51,88

 

Públicas

169.544

101.569

59,90

144.166

85,03

 

Federais

110.105

71.337

64,78

101.837

92,50

 

Estaduais

51.791

28.576

55,17

39.481

76,23

 

Municipais

7.648

1.656

21,65

2.848

37,26

151

Privadas (privadas e particulares)

214.550

48.268

22,50

55.124

25,70

 

Fonte: INSTITUTO NACIONAL DE PESQUSAS E ESTUDOS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA.

Sinopse Estatística da Educação Superior 2016. Brasília: Inep, 2017. Disponível em:

<http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior > Acesso em: 14.11.2017

Quanto à questão implícita no título deste item pode-se enfatizar que as melhores IES tendem a ser as organizadas como universidades e, estas, as que, em percentual muito abaixo do esperado, concentram os 4.177 programas de pós- graduação a que está vinculado o essencial da pesquisa, sejam estas universidades federais, estaduais ou privadas (privadas ou particulares). Cerca de 90% das 2.407 IES do país constituídas por faculdades isoladas, centros universitários e por mais de 100 universidades, a maioria absoluta privadas (privadas e particulares), são as

que formam as denominadas universidades de ensino que diferem das universidades de

pesquisa representadas pelas que conseguem desenvolver a associação prescrita pela Constituição do ensino, pesquisa e extensão, em torno de apenas 100 IES, quase todas universidades públicas, a maioria, e algumas privadas (privadas).

Em país cuja desigualdade social atinge os maiores índices dentre os mais de duas centenas de países do planeta e em que cerca de 50% das famílias vivem com até o máximo de três salários

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mínimos (R$ 2.500,00)13, mesmo com as políticas focais, compensatórias, do Prouni e do Fies ou das Cotas sócio/raciais em vigor, que atingem aproximadamente 1/3 das matrículas das IES privadas (privadas e particulares), não

édifícil constatar, e estudos já o fizeram14, que os jovens oriundos das famílias mais ricas – de mais de 10 salários mínimos mensais – tendem a ter acesso privilegiado às melhores IES, que absorvem no máximo 20% dos efetivos de estudantes universitários.

Esses programas de apoio aos estudantes oriundos de famílias de baixa renda, como demonstra Dilvo Ristoff (2013 e 2014), têm conseguido, ao longo de uma década, melhorar os índices de acesso à educação superior. Entretanto, seja porque somente os alunos de IES privadas (privadas e particulares) podem deles se beneficiar, em geral IES de menor qualidade; seja porque, por cultura familiar e social, estes estudantes tendem a escolher as carreiras mais “pobres”, ficando as “nobres” reservadas para os estudantes de famílias de média e grande fortuna, pode-se afirmar que as IES de

excelência tendem a ser frequentadas mais pelos “de cima” e as de menor qualidade

13Ver, de Katia Maia e Oded Grajew, Desigualdade no Brasil, onde você está? São Paulo, Folha de S. Paulo, quarta-feira, 06/12/2017.

Disponívelem: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/12/19 40925-desigualdade-no-brasil-onde-voce-esta.shtml> Acesso em 06/12/2017

14Ver RISTOFF, D. Perfil socioeconômico do estudante de graduação. Uma análise de dois ciclos completos do Enade (2004 a 2009). Cadernos GEA, Brasília, n. 4, jul./dez. 2013 e _____. O novo perfil do campus brasileiro: uma análise do perfil socioeconômico do estudante de graduação. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 19, n. 3, p. 723-747, nov. 2014.

pelos “de baixo” da escala socioeconômica. E que essas políticas focais, embora produzam melhores índices de acesso à educação dos “de baixo”, dados os diminutos avanços de igualdade de acesso, permanência e emprego no mercado de trabalho, estariam conduzindo não a uma efetiva democratização, mas uma preocupante massificação com traços mercantis.15

TRABALHO DOCENTE:

HETEROGENEIDADE,

PRECARIEDADE E

INSEGURANÇA

Como visto na tabela 1 acima, em 2016, os docentes da educação superior em exercício nas 2.407 IES do país somavam 384.094. Desses, 44,27% vinculados a IES públicas e 55,73% a IES

privadas (privadas e particulares). Desse 152 total, registre-se também que 48,12% não trabalhavam em regime de tempo integral.

O tempo integral é um traço característico do regime de trabalho dos docentes das IES públicas, cujo índice chega a 85%. Os

14,97% dos docentes restantes trabalhavam em regime de tempo parcial (em geral de 20h) ou eram pagos por hora/aula, em percentual mínimo. Se consideradas apenas as IES públicas federais, o índice do tempo integral (quase sempre com dedicação exclusiva) chega a 92,5%. O traço mais característico do regime de trabalho docente das IES privadas (privadas e particulares) é o de professor horista (pago por hora-aula), que atinge quase 50% do total de docentes dessas instituições. Dos 25% do

15 Ver o artigo Educação Superior no Brasil: democratização ou mercantilização mercantil? (SGUISSARDI, 2015).

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corpo docente das IES privadas (privadas e particulares) contratados em regime de tempo integral, um número expressivo atua exclusiva ou parcialmente em atividades de administração, coordenação, poucos deles atuando exclusivamente nos programas de pós-graduação, quando existam.

Pelos dados até aqui apresentados

tipo de instituição (públicas, privadas sem e com fins lucrativos), índices de relação docente/aluno de graduação, níveis de qualificação acadêmica formal, regime de trabalho, entre outros – pode- se afirmar que vige no âmbito do trabalho docente da educação superior uma grande heterogeneidade ou disparidade de condições de trabalho.

Dentre os fatores que mais condicionam ou determinam tais disparidades destaque-se o da presença ou ausência de planos de carreira, além dos níveis salariais praticados em razão da grande diversidade institucional.

Embora a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) vigore desde 1943 e seja ainda a principal referência dos contratos de trabalho das IES privadas (privadas e particulares), no caso das IES públicas federais, os planos de carreira têm se definido a partir da Constituição Federal de 1988, da LDB 9.394/96, da Emenda Constitucional (EC) n. 19, de 1998, e da Lei Federal 12.772/2012. Esta

“institui um único Plano de Carreira para todas as Instituições Federais de Ensino”

(Rodrigues Filho, 2015, p. 63).

No caso das IES públicas estaduais e municipais, estas estabelecem seus planos de carreira “como parte do regime jurídico que regula as relações de trabalho entre cada Estado da Federação, ou Município quando for o caso, e os

professores do ensino superior a essas vinculados” (Rodrigues Filho, 2015, p. 64).

Além de trabalho docente nas IES privadas (privadas e particulares) regular- se basicamente pela CLT, os planos de carreira dessas instituições, para terem validade, precisam ser homologados pelas Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego de cada estado onde se localiza a sede de suas mantenedoras. Segundo Rodrigues Filho,

As condições mínimas para elaboração do Plano de Carreiras nas IES Privadas determinam que os critérios para promoção previstos ocorram alternadamente entre merecimento e antiguidade (2015, p.66).

153

Na prática, segundo esse autor, essas normas têm sido parcialmente flexibilizadas pelo Sistema Nacional de

Avaliação (Sinaes), mediante seu Instrumento de Avaliação Institucional Externa, ao estabelecer que, para o funcionamento da IES, é necessário “que seu Plano de Carreiras esteja protocolado e/ou homologado no Ministério do Trabalho e Emprego [...]” (Rodrigues Filho, 2015, p.

68). Esta facilitação – “esteja protocolado” – criou a possibilidade de um número indefinido de IES não ter de fato planos de carreira efetivamente homologados. Os planos protocolados podem ser a qualquer tempo retirados pelos interessados para reformulações, por exemplo.

Os planos de carreira, quando existirem, por si sós, não garantem a estabilidade, a segurança e uma

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remuneração adequada para os docentes das diferentes IES públicas, privadas (privadas e particulares); universidades, centros universitários e faculdades.

Em sua tese, Rodrigues Filho trata de diversos fatores que condicionariam a heterogeneidade e a egurança/insegurança profissional dos docentes da educação superior. Entre eles, os mecanismos de ingresso; as estratégias de manutenção e progressão; e os procedimentos de desligamento dos docentes, segundo cada tipo de instituição e sua dependência administrativa.

Quanto aos mecanismos de ingresso, enquanto nas IES públicas predomina a seleção via concursos de provas e títulos (mérito); nas IES privadas (privadas) isso ocorre em grau variável; nas IES privadas (particulares) prevalece largamente a chamada “seleção livre”.

O número de ingressos a cada ano

ésignificativo. No ano de 2013, reporta o autor dessa tese, foram 82 mil as funções docentes preenchidas por novos docentes ou 21.71% do total de cerca de 390 mil docentes do país.

Nas IES públicas, nos concursos de entrada, a exigência de qualificação acadêmica normal é a de doutor. Em casos especiais admite-se a dispensa desse requisito. (Rodrigues Filho, 2015, p. 73).

Nas IES privadas (privadas e particulares), na análise de Rodrigues Filho (2015, p. 78), verificou-se que, no período estudado, apenas algumas dessas IES promoveriam seleções públicas de seus docentes de forma similar às das IES públicas. Predominam as chamadas seleções livres, via convites e indicações, ao sabor da necessidade de reposição de docentes em geral para contratos de hora/aula que ali predominam sobre os

contratos de tempo parcial ou integral e também dada a alta rotatividade (turnover) dessa força de trabalho.

Uma das características da precariedade das relações de trabalho é exatamente o fenômeno da alta rotatividade que, em 2013, teria alcançado, nas IES privadas (privadas e particulares), o índice de 26% (67.200) de contratos encerrados sobre o total das funções docentes (257.480) e 23% (60.867) novos contratos. (Rodrigues Filho, 2015, P. 78).

As estratégias de manutenção e progressão na carreira são outros traços da relação de trabalho docente que distinguem as diferentes realidades das IES. Destas fazem parte a estrutura das carreiras, quando existirem, em especial para os professores contratados em regimes de tempo integral e parcial, como

é o caso das IES públicas.154 Nas IES públicas federais, via Lei

12.772/2012, a carreira é composta de cinco classes/categorias com seus respectivos níveis de referência, do auxiliar de ensino ao titular. Nas IES públicas estaduais, a carreira em cada estado é organizada sob estatuto próprio, quando não seguindo a CLT.

A existência de carreira estruturada faz com que os contratos das IES públicas tenham sua maior concentração naqueles com duração superior a 10 anos, seguidos dos entre cinco e dez anos, somando quase 50% dos efetivos de docentes (Rodrigues Filho, 2015, p. 86). Embora tenha havido diversas mudanças desses planos de carreira nas IES públicas, segundo Rodrigues Filho, não se poderia afirmar que os atuais sejam fatores decisivos na manutenção e progressão na carreira, porém, “pode-se

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inferir que o Sistema que os constitui e os processos evolutivos pelos quais têm passado asseguram a manutenção do docente em seu interior” (2015, p. 86).

Nos casos das IES públicas, acrescenta esse autor, tem lugar importante na manutenção dos docentes, o estatuto da estabilidade, que inexiste nas demais IES.

A diversidade de escalas salariais entre as IES públicas – federais, estaduais e municipais – e principalmente entre as IES privadas (privadas e particulares) tem impedido comparações plausíveis deste fator de manutenção e progressão (Rodrigues Filho, 2015).

A existência de planos de carreira obrigatórios nas IES privadas (privadas e particulares), desde que protocolados no Ministério do Trabalho e do Emprego..., não garante por si só a manutenção e progressão do corpo docente. Os dados que apresenta Rodrigues Filho, em sua tese, quanto à proporção de docentes de IES privadas (privadas e particulares), no ano de 2013, mostra, por hipótese, o papel exercido pelos diferentes planos de carreira e o grau de precarização das relações de trabalho nessas diferentes instituições.16 Mostra o autor que, enquanto as IES privadas (privadas) têm concentrada grande parte de docentes com contratos de mais de cinco anos (43%), as IES privadas (particulares) os têm concentrados na faixa de meio ano a dois anos (37%). Na faixa de mais de cinco anos, apenas cerca de 20%. Essa distribuição tem a ver, segundo esse autor, também com a organização acadêmica. No caso, em especial das IES

16Ver o gráfico 4 – Proporção de Docentes das IES Privadas/Particulares por Duração do Contrato de Trabalho na tese de Rodrigues Filho (2015, p. 91)

com fins lucrativos, são raras as universidades, um pouco mais numerosos os centros universitários (que reúnem várias faculdades, sem as exigências das universidades, embora gozem de autonomia idêntica à daquelas), mas ultrapassam o número de mil as faculdades isoladas. Conclui o autor:

Oíndice de rotatividade (turnover)

apurado para as IES

Particulares/Privadas, discutido anteriormente, também corrobora com a constatação de que os Planos de Carreira das IES Particulares não atendem aos princípios de manutenção e

progressão. Em 2013 a

rotatividade nas IES

Privadas/Particulares foi de 24,87%. É importante destacar

que, do total de encerramentos de

155

contrato

de

trabalho, 37,36%

 

ocorreram

por

iniciativa

do

 

docente e 52,50% por iniciativa

 

das IES Privadas/Particulares. Os

 

demais

desligamentos

ocorreram

 

em proporção pouco significativa e

 

referem-se, segundo a tabela

 

utilizada pela Rais (2013), a

 

transferência,

falecimento

e

 

aposentadoria. O

indicador

mais

 

relevante a corroborar com o

 

entendimento de que há profunda

 

fragilidade nos

mecanismos

de

 

manutenção

e

progressão

nos

 

Planos de Carreira das IES

 

Privadas/Particulares é o de que

 

37,36%

dos

encerramentos

das

 

relações de trabalho, em 2013,

 

deram-se por iniciativa dos

 

próprios

docentes.

(Rodrigues

 

Filho, 2015, p. 92).

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É importante destacar as diferenças de remuneração salarial média entre as IES privadas (privadas) e IES privadas (particulares), sabendo-se que em sua maioria prevalecem os contratos por hora/aula. Em 2013, o salário mensal médio nas primeiras foi de R$ 4.123,62 para uma média horas/semana de 19,088 e valor da hora/aula estimada em R$ 41,15; nas segundas, esses valores e números, foram respectivamente os seguintes: R$ 2.310,42, 19,085 e R$ 23,06. Isso leva o autor a concluir:

A significativa diferença de salário praticado entre IES Privadas e Particulares17, reafirma

os diferentes indicadores apresentados até o momento nesta pesquisa e também confirmam a inferência de que os mecanismos de manutenção e progressão dos Planos de Carreira das IES Privadas têm maior efetividade do que aqueles das IES Particulares. (Rodrigues Filho, 2017, p. 93).

Outro dado significativo a indicar a diferença entre IES privadas, privadas e particulares, de acordo com essa tese, é o que mostra os valores de remuneração da hora/aula para os docentes de contratos iniciais e de contratos com mais de 10 anos, em 2013: para as primeiras, o valor da hora/aula dos contratos iniciais era de R$ 32,54 e o dos contratos de mais de 10 anos, de R$ 53,77; para as segundas, o valor da hora/aula dos contratos iniciais era de R$ 14,55 e o dos contratos de mais de 10 anos, R$ 37,04.

17Os valores de hora/aula praticados nas IES privadas (privadas) é 78,44% maior do que aqueles praticados pelas IES privadas (particulares).

Como já visto, os desligamentos na carreira docente podem se dar de várias maneiras: voluntários ou por sanção. Os voluntários, por renúncia e aposentadoria. Os por sanção, por problemas disciplinares ou baixo desempenho. Em cada caso, seguem-se as normas que comandam os planos de carreira.

 

Para se avaliar a segurança e/ou

 

precariedade das relações de trabalho,

 

cabe considerar o total de desligamentos e

 

as motivações de saída. A tese de

 

Rodrigues Filho mostra que, em 2013, nas

 

IES

públicas

ocorreram

24.468

 

desligamentos para um total de 150.338

 

funções docentes ou 16,27%; nas IES

 

privadas

(privadas

e

particulares)

 

ocorreram 67.107 desligamentos para um

 

total de 212.394 funções docentes ou

156

31.6%18. Por tudo o que foi visto até aqui,

éplausível a hipótese de que o percentual de desligamentos nas IES com fins lucrativos seja maior que essa média, o contrário ocorrendo com nas IES sem fins lucrativos.

Quanto às motivações de saída, verifica-se que nas IES públicas, somadas as demissões sem justa causa (33%) e as saídas por término de contrato (46%), tem-se cerca de 80%, restando 12,8%

para desligamentos voluntários, concentrados nos dois primeiros anos (2/3), 3,24% para aposentadorias e cerca

18 Os dados dos desligamentos constantes da Tese foram obtidos na RAIS (Relação Anual de Informações Sociais, do Ministério do Trabalho), a partir dos quais foi possível distinguir os desligamentos das IES privadas sem fins lucrativos das com fins lucrativos, distinção que não será possível fazer a partir dos dados do Censo da Educação Superior, 2013, do INEP/MEC, utilizados neste artigo.

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de 5% para outras. No caso das IES privadas (privadas), as demissões sem justa causa atingiram 38,8%, as por término de contrato, 14,7%, e as por saída voluntária, 34,5%. No caso das IES privadas (particulares), as demissões sem

que os maiores têm capital aberto e ações justa causa montaram a 45,7%, a saída por término de contrato a 4,8%, mas os desligamentos voluntários ascendem a 39,5%, concentrando-se estas até o final

do 2º ano (cerca de 2/3).

Gráfico 5. Distribuição dos Docentes das IES por Duração do Contrato de Trabalho em 2013.

157

Fonte: MTE/RAIS 2013; Elaboração de Rodrigues Filho (2015, p. 100)

O gráfico 5 ilustra muito bem as diferenças entre os distintos subsetores da educação superior no que concerne à distribuição da duração do tempo de contrato dos docentes, decorrência, por hipótese da efetividade ou não de seus planos de carreira, da existência ou não do estatuto da estabilidade e, também, das características das mantenedoras, se o Estado, se fundações ou associações sem fins lucrativos, se grupos empresariais ou grupos privados com fins lucrativos, em

no mercado de capitais (Bolsa de Valores), como já demonstrado. Nestas o turnover é uma realidade sempre presente, dada a predominância do contrato por hora/aula, o objetivo último do lucro e da valorização das ações dos acionistas que podem ser indivíduos ou fundos de investimento de private equity, costumeiros sócios dos grupos empresariais de educação superior com capital aberto.

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PÓS-GRADUAÇÃO E

INTENSIFICAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE

Embora nas IES públicas federais e nas estaduais de alguns estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, os docentes usufruam da relativa segurança de uma carreira docente, nos últimos vinte anos ocorre um fenômeno que se caracteriza por intensificação do trabalho docente em especial envolvendo os cerca de 90 mil professores dos 4.177 programas de pós-graduação. Trata-se de

um fenômeno conhecido como produtivismo acadêmico ou científico. Costuma-se datar sua introdução no Brasil, de modo sistemático, a partir da aprovação pelo Capes, em 1997/98, de um novo “modelo”, dito de avaliação, mas que, antes, deve ser entendido como um sistema de regulação e controle19, da totalidade dos programas, de cujas notas, antes trienais e agora quatrienais, depende especialmente a concessão de bolsas para os pós-graduandos e auxílios para eventos.

Este fenômeno do produtivismo acadêmico, que teve origem nos EUA nos anos 1940/50, onde se tornou conhecido pela expressão “Publish or perisch”, está

fazendo com que ano a ano sejam aumentadas as exigências de produção

19Diz-se que o “Modelo Capes de Avaliação” não faz jus ao termo avaliação, pois no levantamento de dados e indicadores para esta suposta avaliação não se incluiria nenhuma autoavaliação feita, tanto por docentes, quanto por pós-graduandos (mestrandos e doutorandos), elemento considerado essencial, por especialistas da área (DIAS SOBRINHO, 2000 e 2002, e DIAS SOBRINHO; RISTOFF, 2002 e 2003), ao processo de avaliação institucional ou de programas e cursos.

intelectual publicada, não raras vezes, em língua inglesa e em periódicos científicos internacionais.

Os altos índices de crescimento tanto do número de programas de pós- graduação quanto do de pós-graduandos de mestrado e doutorado nas últimas duas décadas20, aliados às exigências de aumento constante de produção têm redundado em considerável e constante intensificação de trabalho, não separação entre trabalho profissional e vida familiar, assim como em aumento de doenças físicas e mentais do corpo docente.

20 Em 1998, existiam:

1) 1.259 Programas de Pós-

 

Graduação (750 com Mestrado e Doutorado; 464 com

 

Mestrado; 24 somente doutorado; 19 com Mestrado,

 

Doutorado e Mestrado Profissional e 3 com Mestrado

 

e Mestrado Profissional; 2) 58.237 docentes

 

(permanentes, colaboradores e visitantes); 3) 92.350

 

discentes: a) doutorandos: 26.697 matriculados e 3.915

 

titulados; b) mestrandos: 49,387 matriculados e 12.351

158

titulados.

 

 

 

 

 

Relação

docente/discente:

1/1,58;

relação

 

docente/titulados: 0,28/1,00

 

 

 

Em 2016, existiam: 1) 4.177 Programas de Pós-

 

Graduação (2.106 com Mestrado e Doutorado; 1.292

 

com Mestrado; 703 com Mestrado Profissional; e 76

 

com Doutorado); 2)

95.182

docentes:

76.369

 

permanentes, 17.316 colaboradores e 1.460 visitantes;

3)347.035 discentes: a) doutorandos: 107.640 matriculados e 20.603 titulados; b) mestrandos: 126.436 matriculados e 49.002 titulados.

Relação docente/discentes: 1/3,64; relação

docente/titulados: 0,73/1.

Em 20 anos: 1) o número de Programas de Pós- Graduação cresceu 331%; 2) o de pós-graduandos, 375%; 3) o de titulados (mestres e doutores), 428%; 4)

o de docentes, 64%... 5) a relação docente/discentes aumentou 2,3 vezes; 6) a relação docente/titulados aumentou 2,6 vezes.

Outros dados relevantes, em 2016, são: 1) do total de 4.177, 57,4% foram oferecidos por instituições públicas federais (4,5% das IES do país); 23,3%, por instituições públicas estaduais (4,5% das IES do país) e 18,6%, por instituições privadas (87,7% das IES do país); 2) dos 95.182 docentes, 60% pertencem a IES públicas federais; 27%, a IES públicas estaduais; e 13%, a IES privadas; 3) dos 347.035 pós-graduandos, 57,8% estudam em IES públicas federais; 26%, em IES públicas estaduais; e 16%, em IES privadas.

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Outros efeitos desse fenômeno – pode-se afirmar com base em estudo publicado em 2009 (Sguissardi; Silva Júnior, 2009), a partir de pesquisa junto a uma amostra de sete de 15 universidades federais do Sudeste do Brasil, na qual foram entrevistados 50 professores de 28 áreas de conhecimento – são, por um lado, a competição crescente entre docentes/pesquisadores, programas, áreas de conhecimento, etc., por recursos financeiros das agências financiadoras e para publicação nos melhores periódicos nacionais e internacionais e, por outro, a despolitização tanto institucional quanto associativa e sindical.

A necessidade que têm os programas de pós-graduação de obter altos escores nos processos de regulação e controle leva-os a dispensar seus mais renomados professores/pesquisadores, detentores de uma chamada Bolsa de Produtividade (concedida em geral pelo CNPq a pesquisadores sêniores), da oferta de aulas na graduação e mesmo na pós- graduação, da presença em reuniões dos colegiados de curso, a fim de que possam dedicar-se à produção de papers, por exemplo, de modo a garantir a renovação dessas bolsas que têm grande peso na avaliação da Capes.

Verifica-se, igualmente, uma certa forma de naturalização do produtivismo acadêmico que leva principalmente os jovens mestres e doutores a não perceberem, facilmente, que valorizar mais a quantidade de produtos publicados que sua qualidade, traço do produtivismo acadêmico, é negar a função social da ciência, mormente se feita com recursos do fundo público e em instituições universitárias e de pesquisa públicas.

ÀGUISA DE CONCLUSÃO: AS SOMBRIAS PERSPECTIVAS PARA A PROFISSÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR

O trabalho docente – heterogêneo, precarizados e inseguro – na educação superior no Brasil, como sucintamente delineado até aqui, corre sérios riscos de ver esses traços agravarem-se diante da retomada do viés neoliberal ou ultraliberal, pós-golpe jurídico-parlamenta e midiático de 2016, no comando do Estado.

Em pouco mais de um ano, os novos ocupantes do Poder Executivo e o Congresso Nacional aprovaram mudanças constitucionais e legais que deverão provocar profundas alterações nas relações de trabalho dos trabalhadores em geral e também dos trabalhadores do

campo da educação.

159

 

A manchete dos jornais no dia 06

 

de dezembro de 2017 “Estácio demite 1.200 professores para contratar outros 1.200” segundo as novas regras da Lei Trabalhista é uma boa ilustração das consequências desse conjunto de novas leis que tende a beneficiar os “de cima” e prejudicar os “de baixo”.

As consequências da Emenda Constitucional 95, de 15/12/2016, que suspende o aumento real dos recursos do fundo público para educação, ciência e tecnologia, pelo período de 20 anos; da Lei da Terceirização n. 13.429 de 31/03/2017, que define novas regras para o trabalho temporário e terceirizado; da Lei da Reforma Trabalhista ou da Flexibilização n. 13.467 de 13/07/2017, que modifica mais de uma centena de disposições da antiga CLT; as mudanças

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no regime de exploração do petróleo no Pré-Sal, que inviabiliza o alcance do índice de 10% do PIB (com royalties do petróleo) necessários para a implantação do Plano Nacional de Educação 2014-2024; as taxas de desemprego da população economicamente ativa em torno de 13%; o congelamento do valor real (poder de compra) do salário mínimo; e a drástica redução dos recursos federais e dos estados e municípios, no exercício corrente e nas previsões orçamentárias para 2018, para as IES, certamente, constituem um cenário muito sombrio e incerto para o futuro da profissão e trabalho docentes da educação superior no país.

Em relação às IES públicas federais, e mesmo estaduais e municipais, as ameaças de privatização das IES públicas ou de fim de sua gratuidade estão na ordem do dia do Congresso Nacional,

nas declarações de autoridades ministeriais e na grande mídia.

Acaba de alimentar e fortalecer o desiderato estatal, em seu polo privado- mercantil, a recente publicação, em 27/11/2017, de mais um documento ou “recomendação” do Banco Mundial intitulado “Um ajuste justo – Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”21, que, tanto no campo da economia e da gestão fiscal pública, quanto no da educação em geral e da educação superior em particular, está sendo severamente contestado pela oposição, mas louvado pelos que conduzem a atual razia neoliberal.

21Disponível em: http://www.worldbank.org/pt /country/brazil/publication/brazil-expenditure-re view-report> Acesso em 05/12/2017.

No campo econômico-fiscal, segue a receita governamental, isto é, elenca “formas variadas de conter despesas com serviços públicos e benefícios sociais” (Carvalho, 2017). Laura Carvalho, professora da USP e colunista da Folha de S. Paulo, assim conclui sua análise do documento: “Diante disso, é uma pena que o documento não tenha oferecido alternativas mais justas e realistas”22

No campo da educação, a partir de diagnósticos apressados e irrealistas, sua recomendação mais oportunista é o de que seja suprimida a gratuidade de cerca de 2/3 dos estudantes das IES federais. Nelson C. Amaral, especialista em políticas públicas e financiamento da educação superior, afirma em estudo no qual contesta o diagnóstico do Banco e suas recomendações:

Um

exame

atento deste

capítulo

160

nos permite afirmar que há crassos

 

erros

conceituais,

inferências

sem

 

comprovação

e

conclusões

 

absurdas

que

 

beiram

a

 

irresponsabilidade.

As

análises

 

realizadas

pelo

Banco

Mundial

 

possuem

cunho

absolutamente

 

economicista e não

consideram,

 

em

nenhum

momento,

a

 

complexidade

da

sociedade

 

brasileira que apresenta uma das

 

maiores desigualdades sociais

do

 

mundo (Ver: ”A distância que nos

 

une: um retrato das desigualdades

 

brasileiras”

www.oxfam.org.br,

 

publicado

em

 

25/09/2017).

 

(Amaral, 2017, p. 1)

22 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ colunas/laura-carvalho/2017/11/1939196-banco-um ndial-nao-propos-ajuste-justo.shtml> Acesso em 05/12/2017.

N° 7

INTEGRACIÓN Y CONOCIMIENTO

 

ISSN 2347 - 0658

Vol. 2 Año 2017

Do ponto de vista estrito do trabalho docente, de modo imediato, é mais preocupante o que deve ocorrer – em decorrência especialmente da Leis da Terceirização, ampla e irrestrita, e da Reforma Trabalhista, que prevê trabalhos flexibilizados e intermitentes – com os contratos de trabalho dos professores das IES privadas (particulares). Estas, tanto como qualquer empresa econômica, devem utilizar-se, celeremente, de todas mudanças conducentes à intensificação do trabalho (redutoras de custos) e ao lucro/valorização de ações. Os docentes das IES privadas (privadas) lhes seguirão, na medida em que, como acima exposto para as comunitárias e confessionais, a maioria delas enfrenta problemas de déficit operacional há muitos anos e estão reduzindo sua presença no “mercado” em benefício das IES particulares, privado- mercantis, mormente, os grandes grupos empresariais de capital aberto e ações no mercado de ações, com sócios (fundos de investimento) nacionais e transnacionais.

O trabalho dos docentes da IES públicas será afetado na medida em que se façam a cada ano mais presentes os efeitos da EC 95 (também chamada de PEC da Morte) e os cortes orçamentários, não somente para capital e custeio, mas também para pessoal, assim como os cortes para ciência, tecnologia e inovação que já estão inviabilizando um número significativo de projetos científicos tanto das universidades federais e estaduais23, como dos Institutos de Pesquisa.

23 Ver o caso gravíssimo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com atividades quase todas suspensas e atrasos salarias em média de quatro meses.

<https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/reitor- afirma-que-situacao-da-uerj-e-dramatica-e- aviltante.ghtml> Acesso em: 07/12/2017.

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