INTEGRACIÓN Y CONOCIMIENTO

N° 7

 

ISSN 2347 - 0658

Vol. 2 Año 2018

 

 

RELEITURA DO MANIFESTO LIMINAR DE 1918 NO

MARCO DAS IDEIAS DE EDGAR MORIN?

RECIBIDO: 10/09/2018

ACEPTADO: 25/09/2018

Buscando un maestro ilusorio se dio con un mundo. Eso "es" la Reforma: enlace vital de lo universitario con lo político, camino y peripecia dramática de la juventud continental, que conducen a un nuevo orden social. Antes que nosotros lo adivinaron ya en 1918 nuestros adversarios. (Roca, 1999 citado por Naishtat, 2013, p. 43)

Não se pode reformar a instituição sem antes reformar as mentes, mas não se pode reformar as mentes sem antes reformar as instituições (...). A própria ideia de reforma reunirá as mentes dispersas, reanimará as mentes resignadas, suscitará proposições (...) Devemos nos opor

àinteligência cega que quase assumiu o comando por toda parte. Dito de outra forma: devemos reaprender a pensar, tarefa de salvação pública que começa por si mesma. (Morin, 2013a, p. 191)

Célio da Cunha1 Universidade Católica de Brasília celio.cunha226@gmail.com

Fabrício de Oliveira Ribeiro1 Universidade Católica de Brasília fabriciofol@hotmail.com

81

PREÂMBULO DA RELEITURA

A mensagem de Deodoro Roca – um dos mais evidenciados líderes do movimento da Reforma Universitária de 1918 – apresentada na epígrafe foi extraída do texto ¿Qué es la Reforma universitaria? Esse trecho,

associado ao alerta aparentemente contraditório do antropólogo, sociólogo e filósofo Edgar Morin – transcrito do livro “A via para o futuro da humanidade” – nos ajuda a compreender e a justificar a importância de fazer uma releitura do Manifesto de Córdoba: da juventude Argentina de Córdoba aos homens livres da América, de 21 de junho de 1918. Assim, esse ensaio acadêmico configura uma revisita ao Manifesto, 100 anos após a sua publicação, na perspectiva de algumas ideias do Pensamento Complexo de Morin.

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Observe-se que a centenária Reforma

impertinentes, eis o que se tornou o

 

 

Universitária teve seu escopo e marco

gosto predominante destas escolas. (p.

 

 

histórico sustentado por três grandes

162)

 

 

 

 

 

 

bandeiras, em prol da construção pioneira de

 

 

 

 

 

 

 

uma universidade latino-americana: a

DELINEANDO A

QUESTÃO PARA

 

 

liberdade acadêmica, a co-governança e a

REFLEXÃO

 

 

 

 

 

 

autonomia (Puiggrós, 2013). Essa reforma

 

 

 

 

 

 

 

“tem sido estudada e analisada em diferentes

O livro intitulado “Complexidade e

 

 

ângulos: como movimento estudantil, como

transdisciplinaridade:

a

reforma

da

 

 

modelo

original

de

institucionalidade

universidade e do ensino fundamental”

 

 

universitária,

como revolução

 

espiritual,

apresenta dois valiosos artigos do pensador

 

 

como o acontecimento cultural e político” de

Edgar Morin, publicados originalmente no

 

 

maior relevância nas décadas iniciais do

ano de 1997, que auxiliam na conscientização

 

 

século XX na Argentina, emergindo uma

de que a reforma do pensamento precisa

 

 

“nova juventude” que marcou a história

acontecer junto com a reforma da instituição.

 

 

contemporânea

da

América

Latina.

Num deles, Morin (2000) chama

 

 

(Naishtat, 2013, p. 43).

 

 

 

atenção para os desafios do século XX e para

 

 

Salienta-se que a Universidade de

as graves consequências do pensamento

 

 

Córdoba mantinha o perfil do período

tradicional ainda tão presente nas instituições

 

 

colonial ainda no princípio do século XX,

de ensino. Segundo Morin (2000), esse

 

 

ignorando

disciplinas

como

matemática,

pensamento

ancestral

é um pensamento

82

 

idioma estrangeiro, física, direito público e

reducionista, na medida em que (a) ignora os

 

 

 

música, até 1816. Sarmiento (1996) assim a

desafios da complexidade; (b) separa e

 

 

descreveu

 

 

 

 

 

 

fragmenta as disciplinas; (c) reduz o

 

 

a universidade é um claustro em que

complexo ao simples – separando o que está

 

 

todos usam sotaina e mantel; a

ligado e unificando o que é múltiplo; (d)

 

 

legislação que se ensina, a teologia, toda

despreza as inter-retroações e a causalidade

 

 

a ciência escolástica da Idade Média, é

circular; (e) divide os problemas e

 

 

um claustro em que se encerra e

unidimensionaliza

aquilo

que

é

 

 

entrincheira a inteligência contra tudo o

multidimensional; (f) expressa uma “visão

 

 

que sai do texto e do comentário. (p.

determinista,

mecanicista,

quantitativa,

 

 

163)

 

 

 

 

 

 

formalista que ignora, oculta ou dissolve tudo

 

 

Um de seus reitores, Deão Gregório

o que é subjetivo, afetivo, livre e criador”.

 

 

Funes (citado por Sarmiento, 1996), escreveu

(Morin, 2000, p. 11); (g) perde a

 

 

O curso teológico durava cinco anos e

oportunidade de compreender e refletir, bem

 

 

meio... A teologia participava da

como corrigir ou construir uma visão de

 

 

corrupção

dos

estudos

 

filosóficos.

longo prazo; (h) desenvolve uma inteligência

 

 

Aplicada a filosofia de Aristóteles à

cega, “inconsciente e irresponsável, incapaz

 

 

teologia, formava uma mistura de

de encarar o contexto e complexo

 

 

profano

e

espiritual.

Raciocínios

planetários”. (Morin, 2000, p. 12); e (i) separa

 

 

puramente

humanos,

 

sutilezas,

a cultura humanista da cultura científica.

 

 

 

sofismas enganosos, questões frívolas e

 

 

 

 

 

 

 

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Tomando como ponto de partida o conteúdo inscrito no Manifesto de Córdoba no marco de seu centenário, o presente texto acadêmico propõe a seguinte reflexão: em que medida, o Pensamento Complexo formulado pelo filósofo Edgar Morin contribui para reafirmar a necessidade histórica de repensar e reformar o Ensino Superior e a universidade, simultaneamente à reforma do pensamento, a partir de releitura do Manifesto de Córdoba?

Assim, espera-se que as considerações e reflexões do presente artigo possam ajudar a compreender a possível sintonia de ideias existente entre o ideário e a ousadia dos estudantes de 1918 e a reforma da educação e do pensamento defendidas por Morin (2013a, p. 201): “são duas reformas pedagógicas em circuito recursivo, uma produtora/produto da reforma da outra”.

Antes de avançarmos, apresenta-se, a seguir, o significado de Pensamento Complexo e de Transdisciplinaridade, para a necessária fundamentação e articulação das reflexões que serão realizadas neste ensaio

O pensamento complexo tenta religar o que o pensamento disciplinar e

compartimentado disjuntou e parcelarizou. Ele religa não apenas domínios separados do conhecimento, como também – dialogicamente – conceitos antagônicos como ordem e desordem, certeza e incerteza, a lógica e a transgressão da lógica. É um pensamento da solidariedade entre tudo o que constitui nossa realidade; que tenta dar conta do que significa originariamente o termo Complexus: “o que tece em conjunto”, e responde ao apelo do verbo latino complexere: “abraçar”. O pensamento complexo é um pensamento que pratica o abraço. Ele se prolonga na ética da

solidariedade. (Morin, 1997, p. 11). [Itálico do autor]

Atransdisciplinaridade, como o prefixo

‘trans’ indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento. (Nicolescu, 1999, p. 53). [Itálico do autor]

As ideias prospectivas e o pensamento

complexo de Edgar Morin vão ao encontro dessa necessidade de mudança continuada da universidade, à luz dessa releitura do Manifesto anunciado no ano de 1918, numa época em que o espírito liberal emergente conflitava com o conservadorismo religioso, cuja “dialética complexa de tradição e

modernidade foi entrelaçada à custa de uma 83 dinâmica áspera da história oficial da Argentina”, ao tempo em que preconceitos mascaram a verdadeira missão da cidade de Córdoba na história nacional, enquanto “centro autêntico e complexo de irradiação intelectual e cultural”. (Navarro, 2013, p. 40)

Cabe ressaltar que uma reforma do pensamento implica a substituição de um pensar que desliga por um pensar que liga, sendo que isso pressupõe, segundo Morin (2000):

(a)que a inflexível lógica clássica seja substituída por uma dialógica que

contemplepercepções

“simultaneamente complementares e antagônicas, que o conhecimento da integração das partes ao todo seja completado pelo reconhecimento do todo no interior das partes”. (p. 13);

(b)o desenvolvimento de uma cultura geral e diversificada, bem como de uma

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potente atitude focada na contextualização, na conceitualização, na globalização e na resolução de problemas específicos;

(c)uma reforma paradigmática e não pragmática da Universidade, voltada para desenvolver nossa competência para sistematizar o conhecimento; e

(d)a elaboração de um pensamento do contexto e do complexo.

RELENDO O MANIFESTO DE CÓRDOBA A PARTIR DO PENSAMENTO DE EDGAR MORIN

Ressignificando o Manifesto de Córdoba a partir do pensamento complexo e transdisciplinar de Morin, objetiva-se mostrar que a rebeldia antecipadora de 1918 encontra, nas vias existenciais pensadas por Morin, horizontes alentadores que são possíveis e que desafiam o modelo único de desenvolvimento.

De acordo com Buchbinder (2013), o diagnóstico que os discentes elaboraram sobre a situação da universidade era compatível com questionamentos de estudiosos da temática, cujo “movimento reformista ganhou corpo exatamente por contrapor-se a uma instituição mais tradicional e distante dos ideais defendidos pelos estudantes”. (Freitas Neto, 2011, p. 64).

Em consonância com a questão central delineada, apresentam-se, a seguir, oito excertos do Manifesto de Córdoba registrado no dia 21 de junho de 1918, expressando o sentimento, a reação e a repulsa da juventude universitária frente aos acontecimentos, ao ato da eleição para reitor e à reforma da Universidade Nacional de Córdoba, nas palavras de Barros et al. (1918, n.p.). Destaca- se que as manifestações dos estudantes foram

marcadas por greve por tempo indeterminado, que contaram com o apoio de sindicatos, políticos de esquerda e intelectuais de distintos posicionamentos. (Freitas Neto, 2011)

Assim, torna-se necessário que as ideias, crenças e fundamentos do Manifesto (destacados em itálico e negrito) sejam acompanhados de breves reflexões inspiradas e iluminadas pelas contribuições do Pensamento Complexo de Edgar Morin, defensor desde sempre da reforma da universidade e da reforma do pensamento; de uma humanidade como destino planetário; do resgate da “consciência comum e solidariedade planetária do gênero humano”; e da “busca da hominização na humanização, pelo acesso à cidadania terrena”. (Morin, 2011b, pp. 100-101).

1) A privação da liberdade

As dores que ficam são as liberdades que 84 faltam. Acreditamos que não erramos, as ressonâncias do coração nos advertem: estamos pisando sobre uma revolução, estamos vivendo uma hora americana (...). À enganação respondemos com a revolução (...) Fizemos então uma santa revolução e o regime caiu a nossos golpes. (Manifesto de Córdoba, 1918)

A ausência de liberdade era percebida no aprisionamento discente, que não tinha espaço para a criatividade, sendo assim denunciada a falta de exploração do potencial criativo discente:

Teria que considerar o estudante em sua função criativa como aquele grande transformador que, com sua atitude filosófica, transporta e conduz novas ideias, que antes de surgirem nas ciências surgem na arte e na vida social,

para convertê-las em questões científicas. (Benjamin, 1915 citado por

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Naishtat, 2013, pp. 45-46)

A falta de liberdade certamente está associada à insuficiência de desenvolvimento da autonomia, possibilitada a partir da compreensão da complexidade humana, uma

vez que “todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana”. (Morin, 2011b, p. 49)

A privação de liberdade dos estudantes revela-se paradoxal, pois contraria os princípios da subjetividade, complexidade e capacidade humanas. Ora, “somos capazes de liberdade, como somos capazes de examinar hipóteses de conduta, de fazer escolhas, de tomar decisões. Somos uma mistura de autonomia, de liberdade, de heteronomia”. (Morin, 2007, p. 67)

No entanto, cabe lembrar que a autonomia é sempre relativa. Esse autor ressalta que a autonomia se nutre da dependência de fatores culturais e sociais, a exemplo de educação, linguagem e sociedade. Portanto, depreende-se que negar a liberdade humana significa mutilar o sujeito e sua

capacidade de autoconhecimento,

autorreflexão, autoprodução e autotransformação – a partir de processos interacionais com o meio ambiente, com outros indivíduos e com a sociedade. “Ser sujeito é ser autônomo, sendo ao mesmo tempo dependente. É ser alguém provisório, vacilante, incerto, é ser quase tudo para si e quase nada para o universo”. (Morin, 2007, p. 66)

2) O silenciamento da ciência

(...) a ciência frente a essas casas mudas e fechadas, passa silenciosa ou entra mutilada e grotesca no serviço burocrático (...). O estalo do chicote só

pode atestar o silêncio dos inconscientes e dos covardes. A única atitude silenciosa, que cabe em um instituto de ciência é a do que escuta uma verdade ou a do que experimenta para acreditar ou comprová-la. (Manifesto de Córdoba, 1918)

Naishtat (2013, p. 60) chancela os gritos evidenciados no Manifesto de 2018 e chama atenção para a verdadeira missão da

universidade enquanto instituição responsável “pela verdade, pela crítica, pelo cuidado do pluralismo da palavra, pela ilustração da sociedade no conhecimento e no amor à ciência e à arte, qualquer que seja seu campo de intervenção política”.

Morin (2014) alerta para a necessidade de um pensamento que encare a complexidade do real, possibilitando, simultaneamente, que a ciência efetue uma autorreflexão sobre si mesma. Esse pensador

aponta alguns caminhos como proposta para 85 uma nova política de investigação, com destaque para os seguintes aspectos: (a) que a tecnoburocracia da ciência não sufoque seus traços de incerteza; (b) que os pesquisadores tenham capacidade de autointerrogação, numa dinâmica de autoanálise da ciência; e

(c)que sejam fomentados processos que levem a revolução científica a modificar os sistemas de pensamento.

A burocracia pode ser altamente prejudicial para a evolução da ciência, na medida em que seja compreendida como um

“conjunto parasitário onde se desenvolve toda uma série de bloqueios, de atravancamentos que se transformam em fenômeno parasitário no seio da sociedade”.

(Morin, 2007, p. 91). Observe-se ainda que a complexidade defendida por Morin questiona a ciência da certeza absoluta e que promove a cegueira humana, supervalorizando “a separabilidade”; “o valor de prova absoluta”;

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e “a ordem, a regularidade, a constância, e, sobretudo, o determinismo absoluto”. (Morin, 2000, p. 44)

Nesse contexto, Morin (2000, p. 15) indica algumas vias para a reforma, afirmando a importância de priorização de alguns fatores para que a ciência tenha vez e voz, destacando-se entre eles a necessidade de: (a) reformar as mentes – de educandos e educadores – e reformar a instituição; e (b) problematizar “o que traria soluções para os problemas da ciência, da técnica, do

progresso”, ressaltando: “o que acreditávamos que era a razão e que amiúde não era mais do que uma racionalização abstrata”; “a própria organização do pensamento e da instituição universitária”.

Morin (2000) também sublinha que uma sistematização do saber já foi iniciada com o reagrupamento de disciplinas que se encontravam separadas e propõe, para o ensino universitário, (a) a criação de departamentos ou institutos voltados para reintegração polidisciplinar de ciências afins e centro de investigação sobre problemas da complexidade e da transdisciplinaridade; e (b) a adoção de um “dízimo transdisciplinar” dedicado à resolução de problemas

transdisciplinares, a exemplo da interdependência existente entre as ciências. Nesse contexto, explica a conexão entre

transdisciplinaridade e os domínios científicos, a exemplo de física, biologia e antropossociologia

A ciência nunca teria sido ciência se não tivesse sido transdisciplinar. (Morin, 2000, p. 37) [Itálico do autor]. Para promover

uma nova transdisciplinaridade precisamos de um paradigma que, certamente, permita distinguir, separar,

opor e, portanto, disjuntar

relativamente estes domínios

científicos, mas que, também, possa fazê-los comunicarem-se entre si, sem operar a redução. (Morin, 2000, p. 40)

3)O regime universitário fossilizado

Nosso regime universitário – mesmo o mais recente – é anacrônico. Está fundado sobre uma espécie de direito divino; o direito do professorado universitário. Acredita em si mesmo. Nele nasce e nele morre. Mantêm uma distância olímpica. (Manifesto de Córdoba, 1918)

Ao analisar as controvérsias existentes entre o antigo regime e a Reforma de 1918, Buchbinder (2013, p. 11) denuncia que, nos primeiros anos do século XX, as instituições de Ensino Superior da Argentina “não contribuíam para a formação da alma nacional – permaneciam à margem do

movimento cultural, não realizando

contribuições significativas para o 86 desenvolvimento da cultura nem da ciência”.

Essa tipologia de regime não considera a necessária conexão que deve existir entre sociedade e universidade, uma relação que precisa ser harmônica e solidária, em que uma deve polinizar a outra. Morin (2000) questiona se a universidade deve ajustar-se à sociedade ou a sociedade à universidade, ressaltando a complementaridade e o antagonismo existente entre essas duas missões, associando-as ao duplo desafio de modernização da cultura e culturalização da modernidade.

Nesse sentido, Morin (2013a, p.194) sinaliza que reformar a universidade implica introduzir temáticas como “o conhecimento do conhecimento; o conhecimento do humano, o conhecimento da era planetária, a compreensão humana; o enfrentamento das incertezas; a ética trinitária (indivíduo- sociedade-espécie)”. Por outro lado, esse

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pensador enfatiza que reformar o pensamento implica formar uma “cabeça bem-feita”, pressupondo que a universidade esteja compromissada com alguns aspectos estruturantes, por exemplo:

(a)assumir que sua missão e função são transeculares e transnacionais, em consonância com suas características conservadora – para salvaguardar e preservar a herança cultural de saberes, ideias e valores –, regeneradora, geradora e autônoma;

(b)“adaptar-se à modernidade científica e integrá-la; responder às necessidades fundamentais de formação, mas também, e, sobretudo, fornecer um ensino metaprofissional, metatécnico, isto é, uma cultura”. (Morin, 2011a, p. 82);

(c)promover uma reforma de pensamento que leve à reforma da universidade, especialmente quanto à reorganização geral das áreas ou faculdades relativas às ciências que já se conectaram do ponto de vista multidisciplinar, quebrando de vez o paradigma da compartimentação entre as ciências e as disciplinas e criando, por exemplo, uma Faculdade do Cosmo (incluindo o campo filosófico), Faculdade da Terra (ciências da Terra, Ecologia, Geografias Física e Humana), Faculdade do Conhecimento e Ciências Cognitivas; Faculdade da Vida; Faculdade de História; Faculdade dos Problemas Globalizados; Faculdade de Letras (incluindo artes e cinema), cujos diplomas e teses ganhariam um caráter multi e transdisciplinares; uma espécie de Faculdade que aborde temáticas comuns (10 % da duração dos cursos),

a exemplo de interpretação,

argumentação,pensamento matemático, cultura das humanidades e cultura científica, com a finalidade de realizar a conexão entre as ciências antropossociais e as ciências da natureza;

(d)criar um instituto de pesquisas relativas aos problemas de complexidade e de transdisciplinaridade; e

(e)difundir, no mundo social e político, valores como “a autonomia da consciência, a problematização (com a consequência de que a pesquisa deve ser sempre aberta e plural), o primado da verdade sobre a utilidade, a ética do conhecimento”. (Morin, 2011a, p. 82)

Registre-se, ademais, que o movimento

político-estudantil reformista de junho de

 

1918 deu continuidade em julho do mesmo

 

ano com a realização do I Congresso

 

Nacional de Estudantes Argentinos na cidade

87

de Córdoba, cujas demandas apresentadas no

 

Manifesto foram reafirmadas de maneira

 

mais substancial, modificando assim o regime

 

universitário, conforme

sintetizado

por

 

Freitas Neto (2011):

 

 

 

 

coparticipação dos

estudantes

na

 

estrutura

administrativa;

participação

 

livre nas aulas; periodicidade definida e

 

professorado livre das cátedras; caráter

 

público das sessões e instâncias

 

administrativas;

extensão

da

 

universidade para além dos seus limites

 

e difusão da cultura universitária;

 

assistência

social

aos

estudantes;

 

autonomia

universitária;

universidade

 

aberta ao povo. (p. 67)

Éoportuno exemplificar algumas mudanças que ocorreram na Universidade de Córdoba e outras que se reconstituíram no século XX, segundo Freitas Neto (2011, p. 69): modificação de práticas e regulamentos

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“para evitar o encastelamento e o enrijecimento da estrutura docente”; liberdade para matricular nas disciplinas; e flexibilização na oferta de cursos e disciplinas extrínsecas às cátedras convencionais – quebrando-se, assim, “o monopólio da produção e circulação de conhecimentos”.

4)A autoridade ditatorial do diretor e do professor, que se fecha em sua disciplina

O conceito de autoridade que corresponde e acompanha um diretor ou um professor em um lar de estudantes universitários não pode apoiar-se na força de disciplinas estranhas à substância mesma dos estudos. A autoridade, em um lar de estudantes, não se exercita mandando, mas sugerindo e amando: ensinando. (Manifesto de Córdoba, 1918)

Puiggrós (2013) informa que os aprendentes recusavam o cientificismo positivista articulado ao regime ditatorial e oligárquico que predominava na América Latina e assim mitigava o desenvolvimento da ciência e da tecnologia requeridas para promoção do avanço do processo de industrialização do período. O isolamento das disciplinas e a não contextualização dos processos de ensino e aprendizagem às realidades e necessidades dos sujeitos aprendentes, associados a uma autoridade controladora – revelada pela direção e corpo docente – produziam uma educação sem significado e sentido.

Nesse aspecto, observa-se que a “educação é rígida, inflexível, fechada, burocratizada. Muitos professores estão instalados em seus hábitos e autonomias disciplinares”. (Morin, 2011a, p. 99). Esse pensador alerta para que o professor não automatize nem esterilize a disciplina, devendo prestar atenção naquilo que está além da disciplina. Chama atenção para o

perigoso descompasso existente entre as

 

disciplinas

isoladas,

parceladas

e

 

fragmentadas.

 

 

 

 

 

Ora, fracionar e decompor disciplinas é

 

perder a oportunidade de enxergar, ir além e

 

avançar no objeto do conhecimento, num

 

mundo em que as realidades e os problemas

 

são cada vez mais “polidisciplinares,

 

transversais,

 

multidimensionais,

 

transnacionais, globais, planetários”. (Morin,

 

2011a, p. 13)

 

 

 

 

 

Observe-se que Morin não desvaloriza

 

e não exclui a disciplina, que possui seu valor

 

enquanto

especialidade

no

conhecimento.

 

Sua crítica passa pela cegueira de não saber

 

“ver que muitas idéias nascem nas fronteiras

 

e nas zonas incertas e que grandes

 

descobertas ou teorias nasceram muitas vezes

 

de forma indisciplinar”. (Morin, 2013b, p.

 

560)

 

 

 

 

 

 

Esclarece

que não há

a intenção

de

88

invalidar

as disciplinas,

mas

associá-las, uni-

 

las e fortalecê-las, enfatizando, por exemplo, que “a poesia e a literatura não são luxo ou ornamentos estéticos, são escolas, vida, escolas de complexidade”. (Morin, 2000, p. 25)

5)A desconexão entre educando e educador

Se não existe uma vinculação espiritual entre o que ensina e o que aprende, todo ensino é hostil e, por conseguinte, infecundo. Toda a educação é uma longa obra de amor aos que aprendem (...). Adiante, só poderão ser professores na república universitária os verdadeiros construtores de almas, os criadores de verdade, de beleza e de bem. (Manifesto de Córdoba, 1918)

A reforma da educação proposta por Morin (2013a, p. 200) possivelmente ajudaria a diluir essa hostilidade nos processos de ensino e aprendizagem, na medida em que

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pressupõe a formação de nova geração de professores. Esses novos docentes seriam constituídos daqueles que encontram no fazer pedagógico verdadeiro “sentido de uma missão cívica e ética para que cada aluno ou estudante possa enfrentar os problemas de sua vida profissional, de sua vida de cidadão, do devir de sua sociedade, de sua civilização, da humanidade”.

As vozes discentes sobre a relação educador-educando – registradas no Manifesto de 1918 – parecem clamar por uma conscientização da complexidade humana. O pensamento de Morin (2011b) ratifica essa necessidade ao sugerir as seguintes reflexões: (I) é necessário ter consciência da complexidade humana para compreender verdadeiramente o próximo;

(II)a abertura subjetiva (simpática) não deve ser limitada a pessoas próximas estimadas; e

(III)a interiorização da verdadeira tolerância

(a)implica convicção, fé e escolha ética atrelada à receptividade e respeito simultâneo aos pensamentos, crenças e preferências distintas das nossas; e (b) pressupõe a compreensão e conscientização dos quatro níveis da tolerância – não imposição de nossa concepção sobre aquilo que é aparentemente desprezível ou insignificante; respeito às ideias e opiniões variadas e contrárias às nossas; respeito à verdade presente nas ideias antagônicas às nossas; e, ainda, “consciência das possessões humanas por mitos, ideologias, ideias ou deuses, assim como das consciência das derivas que levam os indivíduos bem mais longe, a lugar diferente daquele aonde querem ir”. (Morin, 2011b, p.

89)

A desconexão e a falta de qualidade nas relações interpessoais entre educando e educador também é denunciada por Morin (2013a, p. 200). Para esse filósofo, o ensino é

“relacional por natureza” e, assim, a

qualidade do relacionamento aprendente/professor impacta fortemente os processos de ensino e aprendizagem. Ao abordar a reforma do ensino e do pensamento, Morin (2000) afirma que uma ação dessa natureza deve prever a formação de formadores e a autoeducação dos educadores, requerendo amor para com a disciplina que ensina e também para com o educando a quem se ensina. Defende que é preciso conectar educador e educando pela aprendizagem do amor

como Platão o disse há muito tempo: para ensinar é preciso o eros. O eros não é somente o desejo de conhecer e de transmitir, ou somente o prazer de ensinar, de comunicar ou de dar: é também o amor daquilo que se diz e do que se pensa ser verdadeiro. É o amor

que introduz a profissão pedagógica, a 89 verdadeira missão do educador. (Morin, 2000, p. 52)

6)O método docente que aprisiona o aprendente

Os métodos docentes estavam viciados de um estrito dogmatismo, contribuindo em manter a universidade distante da ciência e das disciplinas modernas (...) Os corpos universitários, zelosos guardiões dos dogmas, tratavam de manter a juventude na clausura, acreditando que a conspiração do silêncio pode ser exercida contra a da ciência. (Manifesto de Córdoba, 1918)

A propósito, Buchbinder (2013) lembra da falta de comprometimento, arbitrariedade e autoritarismo docente, sobretudo nos momentos de avaliação dos educandos. Destaca que parte dos estudantes criticavam as “condições didáticas” dos professores – evidenciadas pela carência de conhecimentos

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e noções elementares das disciplinas que ministravam, suas limitações técnicas e científicas, currículos antiquados, excessiva carga teórica – privilegiando a retórica em detrimento da ciência; os laboratórios insuficientes e inadequados, além da ausência de experimentos práticos. Assim, desvela o quadro do instrucionismo que imperava nos tempos da mobilização rebelde de 1918, sendo claramente percebido pelos estudantes, que sublinhavam o quanto os professores eram dependentes dos livros didáticos, não sendo competentes para elaborar suas aulas de forma autônoma.

Morin (2000) lembra ainda que a Universidade conserva, mas também regenera e gera saberes, ideias e valores, revelando seu potencial de preservação, memorização, integração e ritualização dessa herança cultural. Por outro lado, alerta para a

diferenciação entre dois tipos de conservação: (a) vital – voltado para salvaguarda e preservação do passado; e (b) estéril – denota dogmatismo, fixação e rigidez. Afinal, uma “racionalidade científica

produz teorias biodegradáveis, diferentemente da racionalidade fechada (doutrina), que refuta a priori tudo o que a desestabilizará”. (Morin, 2013a, p. 193). [Itálico do autor]

O enclausuramento discente delatado pelos manifestantes da Universidade de Córdoba, em 1918, possivelmente decorre de

abordagens mais tradicionais e instrucionistas, que priorizam e continuam a martelar na dicotomia que insiste na separação e ignora a ligação – silenciando o aprendente, mutilando seu pensamento crítico e ‘ecologizante’, seu potencial criativo, sua capacidade de interrogar, de desconstruir e reconstruir conhecimentos, além de negar a sua aptidão para solucionar problemas a

partir de debates colaborativos, experiências e pesquisas individuais e/ou grupais.

Pode-se inferir que a “pedagogia moriniana” desaprova o instrucionismo. Para Morin (2011a), o ser humano precisa ser reconhecido como ser humano, segundo uma concepção complexa do sujeito, sendo que a educação deve contribuir para sua

autoformação. Não como essência, substância ou ilusão, mas a partir da superação do paradigma cognitivo e determinista clássico ainda tão entranhado nas ciências humanas e no universo científico

em que o sujeito é invisível e sua existência é desprezada –, dando lugar a uma nova construção de concepção de ser humano que

incluaprincípioscomo

autonomia/dependência, individualidade,

autoprodução,produto/produtor, inclusão/exclusão. Ressalta que o universo

filosófico considera

o sujeito um

ser

90

transcendental,

privilegiando

a

 

intelectualidade em detrimento de suas

 

experiências, dependências, fraquezas

e

 

incertezas.

 

 

 

7)A quebra de princípios e valores morais

Aquilo representa também a medida de nossa indignação na presença da miséria moral, da simulação e do engano arteiro que pretendia filtrar-se com as aparências da legalidade. O sentido moral estava obscuro nas classes dirigentes por uma hipocrisia tradicional e por uma pavorosa indigência de ideais. (Manifesto de Córdoba, 1918)

A reforma de pensamento e a reforma da universidade certamente passam pela reforma ética, principalmente considerando essa ausência de luzes no sentido moral, conforme apontado nesse trecho do Manifesto de Córdoba. Ao propor uma reforma ética, Morin (2013a) valoriza o

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sentido e a dimensão da subjetividade humana, lembrando que o “eu” pressupõe uma autoafirmação egocêntrica do sujeito, mas simultaneamente – esse mesmo indivíduo – carrega em si um ser que é social, amoroso, altruísta e solidário, mesmo sendo instigado pela sociedade a expressar um comportamento associado ao egocentrismo em detrimento de comportamento voltado para a coletividade. Essa dupla reforma pode ser a “senha” para que as universidades vençam o desafio à luz das necessidades da reforma, afinal “o prestígio perdido devia ser devolvido às universidades e impedido de permanecer ‘o refúgio da apatia e da mediocridade’”. (Buchbinder, 2013, p. 22)

Nessa direção, registre-se que a reforma moral e ética defendida por Morin (2013a) é constituída pela tríade (a) ética individual – que leva o sujeito a ser capaz de realizar autocrítica, autoavaliar continuamente a sua consciência e personalidade, bem como desenvolver uma percepção acurada a respeito de si mesmo, num processo de autoconhecimento, “a fim de nos compreendermos melhor com nossas carências, nossas lacunas, nossas fraquezas”. (Morin, 2013a, p. 354); (b) ética cívica – que pressupõe que o ser humano possui direitos e também deveres para com a sociedade; e (c) ética do gênero humano – revelada por uma ética universal que se materializa cada vez mais, sendo evidenciada pela conscientização coletiva de cidadãos da Terra-Pátria.

Os recentes ensinamentos de Morin vão diretamente ao encontro do alerta escrito por Deodoro Roca (1915 citado por Naishtat, 2013, p. 46), portanto, três anos antes da publicação do Manifesto de 1918:

A mais grave “falência” da era contemporânea é a falência da moral. A guerra atual evidencia todas as falhas

(...). Assim como a solidariedade das

inteligências serve ao trabalho científico, a solidariedade das vontades será útil para os sofrimentos humanos que devem ser aliviados, pelos vícios e erros que precisam ser curados, pelas ideias morais que precisam se espalhar. A fraternidade fundada na consciência "humana" da solidariedade será o campo fértil da futura semeadura moral.

É difícil resumir os vastos ensinamentos de Morin no campo da ética. No marco do Manifesto, cabe chamar a atenção para uma de suas reflexões: “pode-se

compreender o adversário mesmo combatendo-o. E, sobretudo, sustento que é preciso sempre preservar a compreensão, pois só ela faz de nós seres ao mesmo tempo lúcidos e éticos”. (Morin, 2013c, p. 107). Ao

refletir sobre a ética complexa, esse pensador 91 destaca que a ética precisa se nutrir de fé, conhecer o contexto em que é exercida; ser internalizada como ética da compreensão;

uma ética sem salvação e promessa; uma ética da incerteza, da contradição e do desafio.

A miséria moral inscrita e denunciada pelo Manifesto poderia ser criticamente iluminada pela autoética aconselhada por Morin (2013c, pp. 107-108), para que instituição e estudantes sejam capazes de ampliar a autoconsciência para impulsionar suas inteligências no enfrentamento da complexidade da vida, da humanidade e da própria ética: “Na auto-ética, a consciência moral necessita, por um lado, de uma fé ou de uma mística que a inspirem, por outro, o exercício permanente de uma consciência esclarecedora”.

8) A negação do sujeito aprendente

Não podemos deixar nossa sorte à tirania de uma seita religiosa, nem ao jogo de

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interesses egoístas. Eles querem nos sacrificar. O que se intitula reitor da Universidade de San Carlos disse sua primeira palavra: “Prefiro antes de renunciar que fique o varal de cadáveres dos estudantes.(Manifesto de Córdoba, 1918)

Essa passagem do Manifesto de 1918 sinaliza que a instituição escolar, na percepção dos estudantes, estava totalmente voltada para si mesma. Jogar com interesses egoístas é ignorar e rejeitar o sujeito aprendente, menosprezando o alcance da subjetividade humana. Ora, cabe à universidade dar o exemplo, inclusive, ensinando, debatendo publicamente e disseminando a verdadeira noção de sujeito, que, segundo Morin (2011a), é carregada de complexidade, a saber: (a) o egocentrismo remete ao princípio “eu sou tudo”, não obstante todo o mundo do sujeito se desmontará com sua morte e, exatamente por essa mortalidade, “eu sou nada”; (b) o egoísmo expressa a noção de que “eu sou tudo” e o “outro não é nada”; e (c) “no altruísmo, eu me dou, me devoto, sou inteiramente secundário para aqueles aos quais me dou”. (Morin, 2011a, p. 127)

Sacrificar o sujeito que aprende implica subtrair a dimensão humana, a vida, o progresso do conhecimento e da ciência. É papel da instituição educacional cuidar, preservar e desenvolver o sujeito aprendente

e, simultaneamente, o objeto do conhecimento, bem como quebrar o paradigma disciplinar. Cabe à instituição de ensino respeitar a autonomia, a singularidade, a individualidade, a subjetividade, a capacidade pensante e criativa do estudante – estimulando a formação de grupos colaborativos nos processos de ensino e

aprendizagem e de produção do conhecimento.

Na verdade, a instituição de ensino deve reconhecer a imbricada relação existente entre o sujeito e o objeto do conhecimento, sua inseparabilidade, complexidade e complementaridade. Para tanto, não pode desprezar, mas resgatar o sujeito rejeitado pelas correntes filosóficas de concepção mais objetivista, determinista e reducionista, a exemplo da ciência ocidental que, equivocadamente, pautou-se “na eliminação positivista do sujeito a partir da idéia de que os objetos, existindo independentemente do sujeito, podiam ser observados enquanto tais (...). Mas expulso da ciência, o sujeito assume sua revanche na moral, na metafísica, na ideologia”. (Morin, 2007, pp. 39-40)

Nessa circunstância, os alertas de Morin (2007) a respeito do complexo e

indissociável binômio sujeito/objeto 92 merecem atenção no contexto educacional,

em destaque: (a) o objeto somente existe em relação a um sujeito – que é dotado da capacidade de observar, isolar, definir, pensar

e somente existe sujeito tendo em consideração a presença de um meio ambiente objetivo que possibilite ao sujeito “reconhecer-se, definir-se, pensar-se, etc., mas também existir”. (Morin, 2007, p. 41); (b)

a valorização do objeto implica reconhecimento do determinismo, enquanto que a valorização do sujeito resulta em indeterminação pautada em possibilidade e liberdade; e (c) o objeto é conhecível, determinável, isolável e manipulável, enquanto o sujeito é o desconhecido porque é indeterminado – um sujeito pensante e passível de autoeco-organização.

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CONCLUINDO PROVISORIAMENTE

Como se pode observar pela

comparação entre alguns excertos estruturantes do Manifesto de 1918 e as ideias de Edgar Morin, constata-se, em primeiro lugar, que a rebeldia dos estudantes de Córdoba entrou para a história da universidade latino-americana, como um marco divisor de tempos, pelo alcance de sua força transformadora que continua a desafiar o tempo presente das políticas de educação.

Ao antecipar o que deveria ser uma universidade com autonomia, liberdade de pensamento e construtora de mentes humanas e, antes de tudo, formadora de pessoas – como queria Rousseau em pleno Século das Luzes que declarava a supremacia da razão –, o Manifesto chega aos dias atuais para sinalizar rumos e alertar para tendências que estão mutilando o sentido maior de uma instituição universitária como bem público.

A opção por Morin para examinar a atualidade do Manifesto decorre da visão prospectiva do autor da Teoria da Complexidade que não somente critica a teia de relações desumanas hodiernas e o formato unidimensional da educação contemporânea, como também teve o mérito de construir um método e de apontar caminhos.

Ressalta-se que os dramas apontados no Manifesto que registrou o movimento da reforma universitária de 1918 apresentam-se oportunos por desvelar pontos cruciais que devem ser continuamente observados e repensados pelas instituições de ensino – centrados, sobretudo, na tríade ‘liberdade acadêmica’, ‘co-governança e ‘autonomia’.

Portanto, pode-se inferir que uma reflexão sobre o conteúdo do Manifesto de 1918 à luz do pensamento complexo e transdisciplinar de Edgar Morin parece-nos

muito atual e remete a algumas considerações provisórias, por exemplo:

(a)A privação da liberdade acadêmica

mutila o desenvolvimento da autonomia e da criatividade discentes, perdendo-se a valiosa oportunidade de alimentar e enriquecer a ciência a partir das ideias que emergem na vida real.

(b)Calar a voz dos estudantes pesquisadores pode culminar em silenciamento da ciência, dando lugar à ilusória certeza permanente e absoluta, à cegueira humana que bloqueia a realidade, a pluralidade, bem como a

multidimensionalidadedo conhecimento, da cultura e da vida.

(c)A modernização do regime universitário parece possível na medida em que a universidade incorpore

verdadeira e plenamente a sua missão

 

de promover o desenvolvimento do

93

homem e da ciência, abraçando a

 

complexidade e a transdisciplinaridade

 

inerentes ao mundo e à vida.

 

(d)A autoridade ditatorial e oligárquica do diretor e do professor pode ser ressignificada e substituída por uma gestão participativa e uma docência que valorizem as disciplinas, mas não o seu encastelamento – compreendendo que é preciso considerar aquilo que está, simultaneamente, entre as disciplinas, aquilo que as atravessa e se encontra em suas fronteiras e além delas: o ser humano e sua individualidade,

subjetividade, singularidade e complexidade.

(e)A imbricada e necessária relação existente entre educador e educando

nos processos de ensino e

aprendizagem revela-se mais harmônica, solidária, afetiva e efetiva

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quando o docente possui legítima vocação e amor à sua profissão. Relacionamentos interpessoais sadios tendem a contribuir para que os ambientes de aprendizagem sejam mais prazerosos, colaborativos e produtivos.

(f)Métodos educacionais centrados na

“didática do controle” mostram-se herméticos e instrucionistas porque geralmente não articulam a teoria com a prática; não estimulam a participação ativa dos aprendentes; não fomentam a

construção colaborativa do

conhecimento; e não incluem estratégias que potencializam as chances de aprendizagem.

(g)O rompimento de princípios e valores

morais deteriora instituições e desestimula aqueles que prezam por boas condutas e praticam a ética, a moral e os valores universais. Por outro lado, a preservação e o contínuo exercício da ética em suas diversas dimensões podem contribuir para a

elevação da autoética, da autoconsciência, da compreensão, da

lucidez, da fraternidade, da solidariedade e da cidadania.

(h)A rejeição do estudante por parte da instituição de ensino denota profundo desrespeito com o ser humano e com a própria instituição. Essa negação denota incapacidade e incompetência da universidade para assumir sua missão, seu papel, suas atribuições e

responsabilidades.

Por fim, sublinha-se que os excertos do Manifesto de 1918 expressam partes significativas do conteúdo das vozes discentes as quais a universidade de hoje deveria prestar atenção, uma vez que, articulados aos ensinamentos e reflexões de

pensadores contemporâneos como Edgar Morin e tantos outros, podem contribuir para melhoria contínua e, oxalá, para a própria reconstrução e refundação da universidade – de modo que ela se torne aderente às reais necessidades do mundo e da vida, sendo, portanto, mais crítica, democrática, solidária e planetária. Assim, resta-nos acreditar e depositar esperança naquelas instituições de ensino que conhecem e praticam sua verdadeira missão educacional: formar cidadãos capazes de cuidar de si, do outro e da Terra-Pátria.

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