VOLUMEN 32, NUMERO 1 |
ISSN:
Temas e abordagens preferidos dos professores no livro didático de física
The teachers' preferences for themes and ap- proaches in physics textbook
Alysson Ramos Artuso1, Luiz Henrique De Martino1, Henrique Vieira da
Costa1, Leticia Lima1
1Instituto Federal do Paraná, R. Antônio Chemin, 28. São Gabriel, CEP
Recibido el 13 de enero de 2020| Aceptado el 6 de marzo de 2020
Resumo
O objetivo deste trabalho é identificar os temas e abordagens de interesse no livro de Física de acordo com os professores brasilei- ros de Ensino Médio. Para isso, um questionário do tipo survey foi aplicado a 359 docentes das cinco regiões do país. Os dados foram analisados por meio da estatística descritiva e inferencial, com testes de hipóteses para ranquear os interesses e comparar as preferências dos diferentes estratos. O funcionamento de produtos tecnológicos, a abordagem CTS e as atividades mais concei- tuais estão entre os destaques de preferência dos docentes, enquanto biografias e uma abordagem tradicional e matematizada estão entre os quesitos menos valorizados. Entre os subgrupos,
Palavras chave: Manuais escolares; Ensino médio; Pesquisa quantitativa.
Abstract
This paper pursues to identify the themes and approaches of interest in the Physics textbook according to the Brazilian High School teachers. For this, a survey was applied to 359 of the five regions of the country. Data were analyzed through descriptive and inferential statistics, with hypothesis tests used to rank the interests and to compare the preferences of the different strata. Tech- nological products, STS approach and conceptual activities are among the highlights of teachers' preference. Biographies and a traditional and mathematical approach are among the less valued elements. Among the subgroups, one highlight is that the tradi- tional approach finds greater interest among teachers without a license degree, teacher that use handouts instead of textbooks and teachers who adopt materials from authors who are not researchers in the area of Teaching or Education.
Keywords: Materials; Secondary school; Quantitative research.
I. INTRODUÇÃO
Os estudos sobre livros didáticos abordam diferentes aspectos que podem
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Com o intuito de contribuir com o conhecimento acerca do livro didático de Física, este trabalho apresenta e ana- lisa parte dos resultados de uma ampla pesquisa que tem por base um survey de larga escala aplicado a cerca de 750 estudantes e professores de Física de Ensino Médio das cinco regiões do país no período de 2012 e 2014. As questões e opções do survey tiveram como base pesquisas qualitativas anteriores.
Desta ampla pesquisa, são analisadas no presente trabalho somente as 359 respostas anônimas dos docentes para o item “Classifique quais temas e usos mais despertariam teu interesse num livro didático de física”. Ele é composto de 26 opções, tais como “relações com a natureza e o meio ambiente” “conteúdo digital na internet associado ao livro”, “uso de charges e tirinhas”, “exercícios de vestibular”, etc. As possibilidades de respostas estavam dispostas em uma escala de Likert com variação de 0% (nenhum interesse) a 100% (total interesse).
Também foram usadas, a partir das respostas do survey, informações que caracterizam a amostra, como anos de magistério, sexo e rede de ensino em que o docente atua (pública, privada, ou ambas). Tais informações permitem o exame das respostas também nos subgrupos (estratos) da pesquisa. Para o ranqueamento dos interesses e para a comparação das respostas entre os diferentes estratos foram utilizados testes de hipótese não paramétricos, cujos resultados foram discutidos frente à bibliografia da área.
O estudo
II. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Há diferentes formas de compreender e se posicionar diante do objeto de estudo livro didático. Na presente pesquisa, ele é entendido como (i) integrante da cultura escolar; (ii) dependente e multifacetado em relação às ações da comu- nidade escolar; e (iii) sujeito a diferenças influências no mercado editorial.
A compreensão dos livros como parte da cultura escolar segue a linha de
Reconhecer o livro didático como dependente e multifacetado é
Por fim, compreender o livro como integrante do mercado editorial é
Passando de fundamentações gerais para trabalhos que embasaram em específico a pesquisa,
Wuo (2002) pesquisa o livro didático de física e a prática docente, destacando o anseio de professor por livros que se distanciem de uma abordagem tradicional, favorecendo perspectivas mais criativas e potencialmente interessantes para os alunos, especialmente com situações do cotidiano. Mas também revelam simpatia por conteúdos aprofunda- dos e resolução de problemas mais elaborados.
Megid Neto e Fracalanza (2003) investigaram junto a professores de Ciências características de interesse nos livros didáticos. Entre os resultados que se aproximam da presente pesquisa,
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Carneiro, Santos e Mól (2005) pesquisaram a opinião de docentes do Ensino Médio, embora de Química, sobre os livros didáticos. De pontos positivos, eles destacam o uso de diversos temas do cotidiano, o aspecto gráfico da obra e sua linguagem. Discussões de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e do contexto histórico em que os conhecimentos científicos foram desenvolvidos dos conteúdos presentes nos livros didáticos foram alvo de elogios e críticas dos pro- fessores.
Nos trabalhos de Garcia, Garcia e Pivovar (2007) e em Garcia (2009) são expostos resultados da aplicação de ques- tionários e entrevistas sobre os usos e preferências do livro didático. A pesquisa ocorreu com sete professores de uma mesma escola em Curitiba. Os resultados apresentados indicam algumas diferenças entre professores iniciantes ou mais experientes. Docentes em início de carreira disseram preferir enfoques mais conceituais. Já os docentes mais experientes preferem livros com
Em Silva e Garcia (2010), a investigação sobre livros didáticos de Física se deu com estudantes e não professores. Os interesses discentes se concentram, no que é de interesse para a presente pesquisa, nas questões de vestibular, imagens e esquemas. Apenas 2% dos alunos citaram as pesquisas e descobertas propiciadas pelos livros como um aspecto positivo.
Entre as pesquisas mais recentes, que não serviram de base para do survey aplicado,
Outro caso, também envolvendo estudantes e não professores é a investigação de Dias da Silva e Portela (2018), que envolveu 189 estudantes de Paranaguá/PR. Entre os aspectos do livro mais valorizados pelos discentes estavam os exercícios e as imagens. Experimentos e situações do cotidiano não tiverem destaque, sendo citados por apenas dois estudantes.
Este trabalho, como dito, é parte de um amplo projeto, no qual também foram investigadas as respostas dos es- tudantes sobre temas e abordagens de interesse em um livro didático de Física. Foram coletadas 374 respostas de estudantes das cinco regiões do país. Em síntese, seus interesses se concentram em exercícios de vestibular e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), produtos tecnológicos e experimentos de fácil realização – todos com inte- resse em torno de 70%. Numa faixa de interesse mais baixo (entre 50% e 58%), estão conteúdo digital, relações do conteúdo com esportes, questões sociais e de cidadania, pesquisas e debates, contexto histórico dos desenvolvimen- tos científicos, atividades em grupo e, muito abaixo, biografias de cientistas (Artuso et al, 2019).
Ademais, outras perguntas do mesmo questionário aplicado a docentes podem auxiliar na discussão do presente trabalho. Em particular, já se identificou que os professores brasileiros valorizam, em uma escala de 0 a 100%, a au- sência de erros conceituais (96%), as contextualizações (86%), a abordagem CTS (82%) e os experimentos (81%). Por outro lado, exercícios numéricos (56%), aulas prontas (47%) e o peso do livro (46%) estão entre as menores preocu- pações dos docentes (Artuso et al, 2020).
III. METODOLOGIA
Com o objetivo de identificar, na opinião dos professores brasileiros de Ensino Médio, quais os temas e abordagens mais e menos interessantes de um livro didático, esta pesquisa trabalha com um survey de desenho transversal apli- cado a 359 professores de física do Ensino Médio das cinco regiões do país. A elaboração do questionário teve por base os seguintes estudos qualitativos anteriores: Baganha e Garcia (2009), Carneiro, Santos e Mól (2005), Megid Neto e Fracalanza (2003), Garcia, Garcia e Pivovar (2007), Garcia (2009), Silva e Garcia (2010) e Wuo (2002).
O tema dessa investigação são os livros didáticos utilizados pelos docentes. Nas escolas públicas brasileiras, onde se encontram cerca de 90% dos estudantes, essas obras são distribuídas pelo PNLD.
Com a ambição de traçar um panorama geral das preferências dos docentes sobre os livros didáticos, esta pesquisa se caracteriza como descritiva (Gressler, 2004), sendo capaz de gerar questões específicas e hipóteses explicativas iniciais a serem testadas e aperfeiçoadas em estudos futuros. Sempre que pertinente, foram propostas questões para
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futuras pesquisas e ensaiadas hipóteses explicativas iniciais, de caráter muito preliminar, também a serem avaliadas futuramente por novas investigações. A análise dos dados faz uso da estatística exploratória, com descrições em ter- mos de médias e porcentagens, e da inferência estatística, contando com testes de hipótese para a comparação dos resultados.
A coleta dos dados ocorreu entre 2012 e 2014 e foi possível a partir do contato com secretarias estaduais de educação, sindicatos de professores, programas de
A análise dos temas e abordagens do livro didático
São nove os estratos utilizados para comparação: sexo, formação, região do Brasil, município (capital ou não), anos de magistérios, rede de ensino em que atua, tipo de material didático adotado, participação na escolha do material didático e participação dos autores do material didático adotado em pesquisas da área de ensino/educação. A tabela 1 mostra a o percentual de respondentes em cada caso. Os percentuais de respondente por região visavam replicar a número de matrículas de acordo com o Censo Escolar de 2011. Contudo, há uma discrepância nos dados da região Norte após a adoção do critério de conveniência.
TABELA I. Composição dos estratos de pesquisa
Sexo |
|
Formação |
|
Município |
|
Masculino |
73% |
Sem licenciatura |
13% |
Capital |
38% |
Feminino |
27% |
Com licenciatura |
69% |
Não capital |
62% |
|
|
Com |
18% |
|
|
Região |
|
Anos de magistério |
|
Rede de ensino |
|
Sul |
21% |
0 a 4 |
26% |
Pública |
58% |
Sudeste |
58% |
5 a 9 |
24% |
Particular |
28% |
8% |
10 a 16 |
25% |
Ambas |
14% |
|
Nordeste |
13% |
17 a 45 |
24% |
|
|
Norte |
16% |
|
|
|
|
Participação na escolha do mate- |
Adota material cujo autor é pesquisador |
Tipo de material didático ado- |
|||
rial didático |
|
em ensino/educação |
|
tado |
|
Sim |
12% |
Sim |
33% |
Livro |
72% |
Não |
35% |
Não |
50% |
Apostila |
20% |
Sem informação |
53% |
Sem informação |
17% |
Outros |
7% |
Para as técnicas de inferência estatística, o nível de significância utilizado foi de 5%. O ranqueamento das respostas e a comparação entre as subdivisões dos estratos foram feitos a com testes não paramétricos de
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Os resultados obtidos são restritos ao período de coleta de dados, isto é, 2012 a 2014. Dado o tempo transcorrido até a publicação do artigo, é possível que algumas ou a totalidades dessas conclusões estejam desatualizadas. Con- tudo, não é certo que tais resultados sejam inválidos. Por um lado,
IV. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A. Temas e abordagens de interesse – resultado geral
A partir das respostas dos docentes é possível ranquear seus interesses pelo livro didático de Física, como mostrado no gráfico 1. Nele, 0% significa nenhum interesse no item e 100% indica total interesse. A maioria dos itens desperta interesse significativo nos docentes, acima de 70%.
O teste de
Tomando por base o teste estatístico foi proposta uma divisão dos interesses em cinco grupos a serem analisados, ainda que haja alguns casos de empates técnicos intergrupos. O primeiro grupo concentra quatro itens acima de 84% de interesse, representando as prioridades docentes, são os itens que contém a cor azul clara no gráfico a seguir. Um segundo agrupamento, de elevado interesse – entre 78% e 82% – abarca outros cinco itens, todos contendo a cor cinza (exceto os que já integram o primeiro grupo). Um terceiro e grande conjunto marca os interesses entre 65% e 73%, com todos os itens compostos pela cor verde ou azul escura. O quarto grupo é composto por quatro itens de interesse moderado, entre 55% e 60%, de cor amarelo escuro. Por fim, isolado como grupo de interesse reduzido
GRÁFICO 1. Temas e abordagens de interesse dos docentes em ordem decrescente. Itens compostos por ao menos uma cor igual não são estatisticamente diferentes ao nível de significância de 5%.
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No primeiro grupo estão os “Produtos tecnológicos”, discussões da interface “Ciência, tecnologia e sociedade”, “Situações do cotidiano” e “Natureza e meio ambiente”. São todos temas e abordagens citados nos documentos legais desde os Parâmetros Curriculares Nacionais do final da década de 1990 e bastante em voga no meio acadêmico. Por um lado, podem indicar que as investigações da área estão tendo reflexo no desejo dos professores por materiais didáticos mais alinhados com as propostas das pesquisas científicas. Por outro, podem apenas indicar que os profes- sores afirmam ter um tipo de interesse que é o valorizado pela academia, mas que não necessariamente se reflete em suas escolhas. Tal hipótese foi levantada porque apenas um terço dos respondentes adota livros didáticos de autores que atuam ou atuaram no campo de pesquisa de Ensino e Educação, com o maior grupo optando por livros tradicionais que existem desde a década de 1970 e 1980, ainda que com alterações, mesmo que acessórias, para se adequarem ao tempo e às exigências atuais. É o caso das obras de Ramalho, Nicolau e Toledo; Bonjorno e Clinton; e o Sistema Positivo de Ensino – conjunto adotado por 25% dos respondentes. No passado, tais obras eram as mais populares nas escolas públicas e particulares e, embora seu peso ainda seja elevado no período de 2012 a 2014, a ausência das duas últimas coleções entre as aprovadas no PNLD aparentemente diminuiu o seu uso em sala de aula (a obra Ramalho, Nicolau e Toledo tem uma versão aprovada no PNLD 2009 e 2012, contudo, sem o primeiro e mais conhecido desses autores). A característica comum delas é uma apresentação mais concisa dos conceitos físicos, como foco em aplica- ções matemáticas. Por isso, são obras com centenas de exercícios, dedicados principalmente aos vestibulares tradici- onais das faculdades da área da engenharia, como também ressalta Chiquetto e Krappas (2012), que discutem o tema com maior profundidade.
Em um trabalho futuro,
Voltando às opções declaradas como prioritárias pelos docentes, esses temas remetem, aparentemente, a uma vontade de vinculação dos conceitos físicos com vivências e aplicações concretas, seja para compreender o funciona- mento de geladeiras, fornos de
O interesse por produtos tecnológicos e pelo cotidiano já se destacava em pesquisas qualitativas anteriores, com a presente investigação só vindo a confirmar no cenário nacional os resultados locais também encontrados por Wuo (2002), Carneiro, Santos e Mól (2005), Garcia, Garcia e Pivovar (2007) e Garcia (2009). A novidade é um alto interesse por relações com a natureza e meio ambiente, não comentada em pesquisas anteriores e que não tem importância tão elevada para os estudantes. Para os discentes,
O segundo conjunto de temas de interesse engloba “Exercícios mais conceituais”, “Contexto histórico da Ciência”, “Evolução dos conceitos científicos”, “Experimentos simples” e “Questões sociais e de cidadania”. Novamente, per-
O resultado quanto à importância de práticas experimentais de fácil realização corrobora o já encontrado por Megid Neto e Fracalanza (2003) de modo geral em Garcia, Garcia e Pivovar (2007) e Garcia (2009) para os professores mais experientes.
Chama a atenção, ainda, a presença de exercícios mais conceituais (82%), com valoração muito superior a exercí- cios do ENEM (70%) ou do vestibular (68%) e também a um enfoque matemático (57%). Esse é um resultado com certo contraste em relação ao apresentado pelos estudantes, que colocam os exercícios de vestibular e ENEM como prioridades, deixando os exercícios mais conceituais em um segundo grupo de interesse, embora também relevante,
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com valoração de 60% (Artuso et al, 2019). Por outro lado, confirma o baixo interesse docente por exercícios numéri- cos descrito em Artuso et al (2020).
O terceiro grupo engloba temas e abordagens de diferentes aspectos praticamente sem distinção de preferência: possibilidades de contextualizações como “Corpo humano e saúde” e “Esportes”; tipos de atividades como “Exercícios do ENEM”, “Pesquisas e debates”, “Exercícios de vestibular” e “Atividades em grupo”; diferentes usos de gêneros textuais em “Matérias de jornais e revistas”, “Tabelas e gráficos”, “Tirinhas e charges” e “Obras artísticas”; e, por fim, expansões para mídias digitais em “Conteúdo digital” e “Sugestões de links”.
Se nenhum desses aspectos é prioridade para os docentes, também não devem ser desprezados por quem enco- menda, produz ou avalia materiais didáticos. Há de se monitorar, em especial, o interesse por expansões digitais do conteúdo. Até o momento elas não apareceram na bibliografia consultada e não foram relevantes nem para docentes (Artuso et al, 2020) e nem para estudantes (Artuso et al, 2019), contudo, desde o PNLD 2014, mídias digitais estão sendo adquiridas pelo Governo Federal em editais vinculados aos livros ou não.
A variedade de gêneros textuais de interesse, desde o uso de letras de músicas, poemas e outras obras artísticas até as matérias de jornais e revistas pode representar a preferência dos professores e estudantes brasileiros por uma linguagem mais direta, criativa e concisa – resultado presente em Megid Neto e Fracalanza (2003), Silva e Garcia (2010), Mello (2013) e Dias da Silva e Portela (2018). Contudo, tal variedade de gêneros textuais não parece ser valo- rizada pelos estudantes, que só demonstraram interesse mais destacado por esquemas, charges e tirinhas (Artuso et al, 2019).
Em um quarto conjunto, de interesse reduzido, estão os “Slides para o professor”, “Biografias”, “Enfoque mate- mático” e “Demonstração de fórmulas”. O primeiro item diz respeito a um apoio ao trabalho docente que também não foi altamente valorizado pelos docentes em Artuso et al (2020). Os demais tratam de características mais associ- adas a livros tradicionais, com a matematização e a exaltação da figura de cientistas particulares. A falta de relevância dessas características se confirma pelo quinto e último grupo de interesse identificado. Ele é composto justamente pelo item “Abordagem tradicional” que foi valorado em 47%, estatisticamente menor do que qualquer outro item analisado. Essa preferência por obras que se distanciem de uma abordagem tradicional também foi encontrada por Wuo (2002), Carneiro, Santos e Mól (2005) e, especialmente para os professores iniciantes, em Garcia, Garcia e Pivovar (2007) e Garcia (2009).
B. Temas e abordagens do livro didático – diferenças nos subgrupos
Entre os nove estratos investigados, apenas um não apresentou nenhuma diferença estatisticamente significativa en- tre as respostas. Foi o caso de os professores participarem ou não da escolha dos materiais didáticos. O resultado indica que o grupo de docentes que participou da escolha da obra utilizada e o grupo que não participou têm as mesmas preferências sobre os temas e abordagem dos livros. Nos demais casos, a quantidade de diferenças é apenas marginal, com um máximo de nove itens dessemelhantes de um total de 26. A seguir, cada um dos oito estratos restantes é detalhado.
1.Anos de magistério – Foram apenas três os quesitos com diferenças estatisticamente significativas nesse estrato que considera a experiência docente. São eles: “Relações com o contexto histórico”, “Conteúdo digital” e “Slides para o professor”. Contudo, nem sempre há um padrão claro de comportamento relativo à experiência.
O contexto histórico interessa menos aos professores com experiência de 5 a 9 anos (interesse de 76%) e mais aos professores com experiência entre 0 a 4 anos (85%), 10 a 16 anos (81%) e 17 ou mais (82%). Uma possível explicação
éassociar o interesse dos professores menos experientes – tipicamente mais novos e
– a uma renovada importância dedicada pela academia a abordagens externalistas da História da Ciência. Contudo, essa hipótese não justifica diretamente o interesse elevado também nos docentes com mais de 10 anos de experiên- cia.
Na presença de conteúdo digital associado ao livro, a diferença dos docentes menos experientes fica clara, com um interesse de 80% frente a 70% das outras faixas de experiência. Aqui a questão geracional parece ser uma expli- cação plausível, visto que os docentes menos experientes também tendem a ser os mais novos e mais imersos na cultura digital.
Movimento contrário ocorre quanto a slides de aula para o professor, cujo interesse cresce conforme os professo- res vão ficando mais experientes. Entre os que têm 0 a 4 anos de magistério esse interesse é de 52%, alcançando 66% entre os docentes com 17 anos de experiência ou mais. Aparentemente, a hipótese estática – e possivelmente mais tradicional – agrada mais aos docentes experientes, enquanto os mais novos preferem a dinamicidade propiciada por vídeos, simulações e outras interações permitidas pelos conteúdos digitais.
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2.Município ser capital ou não – Nesse estrato, a valoração dos interesses também apresentou diferenças em apenas três itens: “Exercícios do ENEM”, “Tabelas e gráficos” e “Sugestões de links”. Em todos os casos, o interesse é menor nas capitais.
A princípio, o Exame Nacional do Ensino Médio adquiriu uma importância maior nos municípios que não são capital (73% x 66%), tipicamente menores. Talvez por ser condição obrigatório aos que querem ingressar no Ensino Superior por meio do Sistema de Seleção Unificada (SISU) e, para isso, contam com a nota do ENEM para concorrer a vagas em universidade de outras cidades e estados. A preferência maior por Tabelas e gráficos (72% x 66%), no entanto, é de interpretação dúbia. Por um lado, pode ser levado em consideração que há um largo uso de tabelas e gráficos em questões do ENEM, que valorizam o uso de diferentes gêneros textuais e, portanto, esse resultado estaria associado com o anterior. Por outro lado, tabelas e gráficos podem ser utilizados de modo tradicional, reforçando a matemati- zação do ensino de Física.
Por que docentes desses municípios preferem mais links (77% x 65%) também é uma questão em aberto, mas uma hipótese inicial pode ser associada à infraestrutura disponível caso se entenda que ela é inferior à de escolas de capi- tais. Assim, complementos ao que o livro apresenta poderiam ser procurados na Internet, por meio de links. Embora não haja diferença estatística em outro importante item da cultura digital, o conteúdo digital associado ao livro (76% x 70%), o padrão parece se repetir, com os docentes de municípios que não são de capitais valorizando mais as possi- bilidades das tecnologias informáticas.
3.Formação docente – São cinco os casos de diferenças de acordo com a formação docente: “Demonstrações de fórmulas”, “Enfoque matemático”, “Exercícios de vestibular”, “Abordagem tradicional dos conceitos” e “Slides de au- las para o professor”. Em todos, o índice maior de interesse está entre os professores sem licenciatura e o menor entre os professores com
GRÁFICO 2. Temas e abordagens com interesses estatisticamente diferentes de acordo com a formação docente.
Como todos os itens podem ser associados a uma forma mais tradicional de ensino, o padrão indica o sucesso da academia em desprestigiar o discurso tradicional no processo ensino aprendizagem, em especial quando os docentes são
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4.Tipo de material adotado – Em cinco casos, houve diferença de preferências entre docentes que utilizam dife- rentes tipos de materiais didáticos. Os que não usam material ou usam apenas livros didáticos dizem se importar menos com “Demonstrações de fórmulas”, “Enfoque matemático”, “Tabelas e gráficos”, “Abordagem tradicional dos conceitos” e “Exercícios de vestibular” do que professores que adotam apostilas, livros e apostilas ou materiais pró- prios. O gráfico 3 mostra o padrão de diferenças para esses quesitos.
GRÁFICO 3. Temas e abordagens com interesses estatisticamente diferentes de acordo com o tipo de material adotado pelo pro- fessor.
Como nome comercial, o termo apostila tem sido evitado pelas escolas e editoras, que chamam suas produções de sistemas de ensino, materiais estruturados, soluções educacionais integradas e outras variações. Supostamente, a ideia é se distanciar de características pejorativas atribuídas às apostilas: menos extensas, mais superficiais, de menor qualidade gráfica e com uma proposta de ensino focada no treinamento para os vestibulares tradicionais, no qual o enfoque matemático seria valorizado em detrimento de discussões sobre formação humana integral, por exemplo.
A extensão, a profundidade e a qualidade gráfica não mais se diferenciam, necessariamente, dos livros didáticos do PNLD. Com os editais de seleção reduzindo gradativamente o número de páginas, possivelmente em razão de custos comerciais (Artuso et al, 2019), os livros ficaram menos extensos e, consequentemente, com menos texto e mais superficiais. A qualidade gráfica de ambos os materiais também se equivale, por exemplo, ao se adotar nas apos- tilas o acabamento brochura em vez de espiral, investindo em diagramações profissionais como as dos livros e usando cores na impressão. Na prática, o que parece caracterizar os materiais é justamente a abordagem tradicional dos conteúdos focada em uma matematização do ensino de Física visando o vestibular. Por isso, a preferência dos docen- tes que utilizam apostilas ou livros e apostilas,
Tais resultados são coerentes com os achados de Chiquetto e Krappas (2012) e também Artuso et al, (2020). Para os primeiros, a dita abordagem tradicional de alguns materiais de Física consagrados teve sua origem justamente nas apostilas dos cursinhos
O caso dos professores que usam materiais próprios parece ser heterogêneo, ora com índices elevados de inte- resse nos quesitos de demonstração, foco matemático e tabelas e gráficos, mas ora com valoração estatisticamente menor dos exercícios de vestibular e da abordagem tradicional dos conceitos. Tais casos, inclusive por fugirem da lógica do mercado editorial submetida ao imperativo da comercialização, podem ser melhor analisados em trabalhos futuros.
5.Sexo – São seis os casos de diferenças estatísticas nas preferências dos docentes. Três delas se referem ao uso de diferentes gêneros textuais e o interesse é superior entre docentes do sexo feminino: “Matérias de jornal e revista”, “Charges e tirinhas”, “Uso de obras artísticas”. O tema “Esportes” e a proposição de “Atividades em grupo” também
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ésuperior entre as professoras. Também a presença de “Experimentos simples” no material didático é mais valorizada pelas professoras do sexo feminino. O gráfico 4 apresenta esses resultados.
GRÁFICO 4. Temas e abordagens com interesses estatisticamente diferentes de acordo com o sexo do respondente.
Tais resultados têm alguma semelhança com a preferência discente apresentada em Artuso et al (2019). Neste trabalho, em que, por exemplo, as estudantes do sexo feminino também valorizaram mais o uso de obras artísticas,
6.Rede de ensino – Oito dos 26 itens apresentaram diferenças estatisticamente significativas dependendo da rede de ensino em que o professor atua, se somente na rede particular, somente na rede pública ou em ambas. Os casos são apresentados no gráfico 5. Em todos os casos, os professores que atuam em ambas as redes declaram altos inte- resses nos quesitos e, com exceção de “Exercícios de vestibular”, os professores da escola particular têm baixo inte- resse pelos quesitos.
GRÁFICO 5. Temas e abordagens com interesses estatisticamente diferentes de acordo com a rede de ensino de atuação docente.
Uma interpretação para os dados é a de que professores que atuam em ambas as redes valorizam mais os elemen- tos do livro didático que lhes poupam tempo de planejamento e execução das aulas. Isso pode se dar em razão da elevada carga horária de trabalho desses docentes agravada por deslocamentos constantes entre escolas. Assim, to- dos os quesitos que dizem respeito a atividades – exercícios de vestibular, do ENEM, atividades em grupo e pesquisas
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e debates – foram altamente valorizados por docentes desse estrato, assim como os slides para o professor e a suges- tão de experimentos de simples realização. Tal resultado se alinha com o já encontrado em Artuso et al (2020), no qual se indica que os docentes atuantes em ambas as redes valorizavam mais a qualidade do material didático de acordo com o manual do professor, a resolução dos exercícios e a proposta de experimentos – também itens associ- ados à economia de tempo. Por outro lado, talvez a autonomia docente e o atendimento às necessidades próprias de cada local, turma e estudante sejam prejudicados em razão das condições materiais de trabalho a que estes profes- sores estão sujeitos.
Entre os docentes que atuam apenas nas escolas particulares, o que se diferencia dos professores da rede pública
éa ênfase em exercícios de vestibular, tabelas e gráficos. Aparentemente,
7.Participação no campo de pesquisa de ensino ou educação por parte dos autores do material adotado – Os autores adotados serem pesquisadores ou não diferenciou o interesse dos professores em oito dos 26 itens analisa- dos. São eles: “Situações do cotidiano”, “Exercícios mais conceituais”, “Demonstração de fórmulas”, “Exercícios do ENEM”, “Enfoque matemático”, “Exercícios de vestibular”, “Abordagem tradicional dos conceitos” e “Slides de aulas para o professor”. Com exceção das atividades conceituais, o maior interesse se dá quando o autor do material didá- tico não pesquisa no campo de ensino ou educação.
GRÁFICO 6. Temas e abordagens com interesses estatisticamente diferentes de acordo com a atuação do autor do material didático no campo de pesquisa de ensino ou educação.
Uma primeira problematização desse resultado é considerar que os autores não são os únicos autores envolvidos na produção dos materiais didáticos e não necessariamente detêm tem o maior poder de decisão sobre os rumos da obra. Como afirmado em Artuso et al (2019, p. 39)
Nesse processo de produção, muitas das ideias e das defesas teóricas encampadas pelos autores pode ficar ausente do livro em razão de exigências limitantes do edital, como a extensão de páginas e o rol de conteúdos obrigatórios; limitações fi- nanceiras da editora para aquisição de textos de terceiros, imagens e outros gêneros textuais; autonomia dos editores para excluir do texto propostas que escapem da padronização definida para as coleções; entendimento comercial quanto à ex- pectativa e aceitação do público alvo na balança entre inovações e tradição; e assim por diante. Além disso, o fato de os autores atuarem também como pesquisadores não garante que seus nomes sejam conhecidos para os professores a ponto de a escolha ou o trabalho com o livro didático se diferenciar por essa causa.
Mesmo com essa ressalva, o que os dados apontam é o que possivelmente se esperaria de professores que adotam materiais de pesquisadores ou não: uma abordagem mais tradicional ou não do ensino de Física. Com exceção do tema do cotidiano – embora ele possa ser associado a uma preocupação com o ENEM – os outros apontam inequivo- camente para uma preocupação maior com um ensino de Física mais tradicional, matematizado e com foco no acesso ao ensino superior.
8.Região – A região do país em que o professor leciona é o estrato que mais apresentou casos estatisticamente diferentes, foram nove: “Abordagem tradicional dos conceitos”, “Exercícios de vestibular”, “Enfoque matemático”, “Pesquisas e debates”, “Exercícios do ENEM”, “Atividades em grupo”, “Demonstração de fórmulas”, “Exercícios mais conceituais” e “Uso de charges e tirinhas”.
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GRÁFICO 7. Temas e abordagens com interesses estatisticamente diferentes de acordo com a região do Brasil
A região Norte foi a que mais se diferenciou das demais, apontando para um ensino mais tradicional, ainda que muito interessada em atividades em grupo. Todavia, é necessário informar que, durante o período pesquisado, o es- tado do Amazonas utilizava um sistema de ensino adquirido com recursos próprios e não os livros fornecidos pelo PNLD. Foram as respostas desse estado que elevaram o interesse dos itens ditos tradicionais para toda a região Norte. Com isso,
Outros casos de diferenças estatisticamente significativas de acordo com a região são o elevado interesse dos docentes do Nordeste por exercícios mais conceituais e pelo uso de charges e tirinhas no material (contrastando com o baixo interesse do Sul e do Norte), a baixa preferência dos sulistas pela demonstração de fórmulas e o menor inte- resse dos docentes das regiões Sul e
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa exploratória pretendeu traçar um cenário geral das preferências dos docentes sobre os temas e abordagens de interesse nos livros didáticos de Física. Com isso,
Um dos principais achados da pesquisa é a identificação dos produtos tecnológicos, das situações dos cotidianos e das relações com a natureza e o meio ambiente como os temas mais desejados pelos professores. As abordagens CTS e da História da Ciência de viés externalista também são as abordagens mais valorizadas pelos docentes, em
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contraste com a abordagem tradicional relegada a último plano. No que diz respeito à proposição de atividades, eles alegam maior interesse nas atividades mais conceituais e nos experimentos simples.
O funcionamento de produtos tecnológicos (tais como geladeira, forno de
A variação de gêneros textuais, os conteúdos digitais, os exercícios de ENEM e vestibular, atividades diversificadas de pesquisas, debates e trabalhos em grupos e temas como esportes, corpo humano e saúde ocuparam um bloco apenas intermediário no interesse dos professores. Isso não significa que esses aspectos devam ser ignorados – afinal todos estão acima de 65% de interesse em uma escala em que 100% significa interesse total e 0%
Quanto aos subgrupos, a diferença entre os estratos parece indicar que um ensino mais tradicional de Física, apoi- ado no enfoque matemático e visando as provas de vestibular, encontra maior ressonância entre os professores de menor formação, entre os que adotam apostila e entre os que usam materiais de autores que não são pesquisadores da área de Ensino ou Educação. Entre os professores que atuam na rede pública e também na particular, há indicações de que o livro didático assume um papel ainda mais relevante na preparação e execução das aulas, possivelmente em razão da elevada carga horária de trabalho desses docentes. Entre as professoras do sexo feminino, o destaque está para o interesse no uso de diversificados gêneros textuais (matérias de jornais e revistas, charges e tirinhas e obras artísticas) em relação aos docentes do sexo masculino.
Outro resultado de destaque – que merece ser mais bem analisado em pesquisas futuras – diz respeito às diferen- ças quanto à região do país. Boa parte dessas diferenças ocorre na região Norte que conta com a particularidade, no período da pesquisa, de ter um de seus maiores estados adotando um material apostilado. Como os professores dessa região indicaram uma maior preferência por materiais tradicionais, cabe se perguntar o quanto o próprio uso do ma- terial não influencia na preferência declarada, no sentido de que a tradição da cultura escolar anteceda, se sobrepo- nha, ou mesmo molde, as preferências pessoais.
Anos de magistério, o município ser capital ou não e o docente participar ou não da escolha do material didático não foram fatores que influenciaram de maneira consistente as preferências sobre o material didático.
Como ressalva,
Por fim, mais um alerta diz respeito à validade temporal dos resultados. Como a pesquisa coletou dados entre 2012 e 2014, é possível que os resultados não se mantenham atuais com o passar dos anos. No entanto, nenhuma mudança de impacto foi introduzida no Ensino Médio brasileiro nos anos seguintes. Mesmo a Reforma do Ensino Médio, introduzida pela Lei nº 13.415/2017, tem efeitos prático somente a partir de 2021,
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