VOLUMEN 33, NÚMERO 2 | Número especial | PP. 73-80
ISSN: 2250-6101
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 2 (2021) 73
La evaluación del presente artículo estuvo a cargo de la organización de la XIV Conferencia Interamericana de Educación en Física
As interações verbais entre estudantes
sob a perspectiva latouriana em uma
oficina investigativa sobre magnetismo
com cinescópios
Verbal interactions between students from a
Latourian perspective in an investigative workshop
on Magnetism with kinescopes
Roberto Barreto de Moraes
1
*, Deise Miranda Vianna
1,2
1
Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Av. Athos da Silveira Ramos, Centro de Tecnologia
Bloco A, Cidade Universitária, CEP: 21941-972. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2
Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, Av. Brasil, 4365 Manguinhos, CEP: 21040-900. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
*E-mail: rbarmoraes@gmail.com
Recibido el 15 de junio de 2021 | Aceptado el 1 de septiembre de 2021
Resumo
Neste trabalho será apresentada e analisada, a partir de uma perspectiva inspirada pela Sociologia da Ciência de Bruno Latour, uma
atividade investigativa que foi estruturada e desenvolvida utilizando-se de uma abordagem CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), cujo
tema é a força magnética que atua em partículas carregadas em movimento no interior de um campo magnético. Foi constituída uma
oficina em forma de uma série de investigações realizadas utilizando-se tubos catódicos (cinescópios), que atuavam como formadores
de imagens das antigas televisões analógicas, com o conteúdo programático do Magnetismo sendo apresentado como consequência
da compreensão deste aparato tecnológico histórico. A partir das transcrições dos registros em áudio e vídeo da oficina, foram anali-
sadas diferentes interações verbais dos estudantes, buscando compreender se a perspectiva latouriana da Sociologia da Ciência é
coerente com uma proposta de ensino de Física que vislumbre a formação de uma efetiva cultura científica cidadã.
Palavras-chave: Magnetismo; Ensino de Física; Sociologia da ciência; Oficinas investigativas; Abordagem CTS.
Abstract
In this work it will be presented and analyzed, from a perspective inspired by Bruno Latour's Sociology of Science, an investigative
activity that was structured and developed using an STS approach (Science, Technology and Society), whose theme is the magnetic
force which acts on charged particles in motion within a magnetic field. A workshop was set up in the form of a series of investigations
carried out using cathodic tubes (kinescopes), which formed the images in the old analog televisions, with the programmatic content
of Magnetism being presented as a consequence of understanding this historical technological apparatus. From the transcripts of the
audio and video records of the workshop, verbal interactions of the students were analyzed, pursuing whether the Latourian perspec-
tive of the Sociology of Science is consistent with a proposal for teaching Physics that envisions the formation of an effective scientific
culture.
Keywords: Magnetism; Physics education; Sociology of science; Investigative workshops; STS approach.
As interações verbais entre estudantes sob a perspectiva latouriana em uma oficina investigativa sobre magnetismo com cinescópios
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I. INTRODUÇÃO
Tradicionalmente, o tema do Eletromagnetismo, principalmente o conceito de Forças e Campos Magnéticos, é tratado
nos cursos de Física de Ensino Médio de forma extremamente abstrata. Os livros didáticos em geral propõem exercí-
cios que envolvem o uso da tradicional “regra da mão direita” aplicada a desenhos em que cargas elétricas aparecem
“submersas” em um emaranhado de linhas e setas de campos e forças magnéticas com pouca ou nenhuma aplicação
prática ou estejam minimamente contextualizados à realidade e entorno dos estudantes.
O texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) já pontuava explicitamente o desinteresse frente à abstração
com que tradicionalmente o tema do Eletromagnetismo era tratado, e reforçava a necessidade de uma abordagem
mais factual deste assunto no Ensino Médio:
A Ótica e o Eletromagnetismo, além de fornecerem elementos para uma leitura do mundo da informação e da comunicação,
poderiam, numa conceituação ampla, envolvendo a codificação e o transporte da energia (...). Em abordagens dessa natu-
reza, o início do aprendizado dos fenômenos elétricos deveria tratar de sua presença predominante em correntes elétricas,
e não a partir de tratamentos abstratos de distribuições de carga, campo e potencial eletrostáticos. (...) Além dos aspectos
eletromecânicos, poder-se-ia estender a discussão de forma a tratar também elementos da eletrônica das telecomunicações
e da informação, abrindo espaço para a compreensão do rádio, da televisão e dos computadores. (Brasil, 2002)
Além disso, o texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) por sua vez enfatiza a necessidade de considerar
no Ensino das Ciências da Natureza reflexões a respeito do desenvolvimento de tecnologias e seu papel na sociedade
atual e suas aplicações na solução de desafios contemporâneos:
Os processos e práticas de investigação merecem também destaque especial nessa área. Portanto, a dimensão investigativa
das Ciências da Natureza deve ser enfatizada no Ensino Médio, aproximando os estudantes dos procedimentos e instrumen-
tos de investigação, tais como: identificar problemas, formular questões, identificar informações ou variáveis relevantes,
propor e testar hipóteses, elaborar argumentos e explicações, escolher e utilizar instrumentos de medida, planejar e realizar
atividades experimentais e pesquisas de campo, relatar, avaliar e comunicar conclusões e desenvolver ações de intervenção,
a partir da análise de dados e informações sobre as temáticas da área. (Brasil, 2018)
Os estudantes estão imersos em um mundo onde interagem com o espaço social, o natural e o artificialmente
construído, e procuram dar sentido à sua própria observação de seu entorno articulando esses espaços de forma
integrada (Aikenhead e Solomon, 1994). É importante portanto que os estudantes percebam que os conteúdos abor-
dados nas salas de aula estejam intimamente relacionados ao seu cotidiano, aos problemas e transformações sociais,
políticas e econômicas que nortearam os rumos da sociedade como um todo e consequentemente de suas vidas.
Além da adequação ao conteúdo específico, neste caso da Física, que se deseja abordar, o problema formulado
deve atender a dois critérios principais: familiaridade frente à realidade do estudante e relevância no sentido de re-
presentação adequada de modo a estimular o interesse efetivo do estudante.
Para o planejamento de uma atividade que seja verdadeiramente relevante para o aluno que se leve em conta a
perspectiva CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), Aikenhead e Solomon (1994) sugerem que uma dada atividade
deva ser iniciada com um problema que surge no espaço social e exige para o seu entendimento o contato com algum
tipo de tecnologia, ainda que superficialmente. Problemas tecnológicos também são relacionáveis a questões sociais
e têm maior potencial para atrair o interesse do estudante que questões de ciência “dura” pura e simples. A ciência
tradicional surge como forma de compreender o problema tecnológico de modo a permitir que o estudante tome sua
posição no espaço social.
A aplicação do material “A Física e a Sociedade na TV” (Penha, 2008) caracterizou-se por ser uma sequência didá-
tica que se utilizava de uma abordagem CTS, desenvolvida para estudo do Eletromagnetismo com estudantes do ter-
ceiro ano do Ensino Médio. No material, propunha-se a criação de um “Fórum Nacional da TV” que se constituiria
como evento desencadeador de uma série de atividades e cujo objetivo central seria o de investigar as transformações
tecnológicas e sociais ocorridas por conta da implantação da TV digital no Brasil. Este fórum seria composto de ativi-
dades, mesas-redondas, oficinas e conferências que foram desenvolvidas no formato de atividades investigativas, nas
quais os grupos de estudantes, utilizando-se de materiais elaborados para este fim, realizavam uma série de investi-
gações sobre os conteúdos para o entendimento de diferentes aparatos tecnológicos que iam sendo estudados. Os
conteúdos programáticos foram apresentados como consequência da necessidade do entendimento destes aparatos
tecnológicos. A sequência didática como um todo foi estruturada para um bimestre escolar.
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II. REFERENCIAL TEÓRICO
Bruno Latour (2011) em sua obra “Ciência em Ação” buscou apresentar sua concepção metodológica para estudos das
ciências e das tecnologias. É evidente que seu objeto de análise é bastante diferente do processo de ensino-aprendiza-
gem que se estabelece numa sala de aula de Ensino Médio. Buscamos nesse sentido a articulação entre a perspectiva
latouriana e a pesquisa de campo nas escolas do Ensino dio, pela possibilidade da transgressão de seu uso e pela
perspectiva de sua utilização frente à produção da ciência educacional. Latour não transpôs suas ideias às salas de aulas
escolares, seus focos antropológicos e sociológicos são os grandes laboratórios de universidades de ponta, porém a di-
gressão de sua Sociologia da Ciência frente à Educação Básica não é só possível como cabível e exequível. A transladação
de um contexto a outro ganha sentido na medida em que não se coloca como rígido o critério de análise, no qual a
construção do conhecimento em ambiente escolar também pode ser observada em certa escala como elaboração cien-
tífica.
Segundo Oliveira (2006), outro foco de importância do pensamento latouriano emerge da maneira como são feitas
as descrições da atividade científica, condicionando o conteúdo às condões sociais dos envolvidos nas pesquisas, sub-
vertendo a aparente isenção dos enunciados de observação, lhes compreendendo como resultado de controvérsias que
depois serão resolvidas pelo convencimento, ou seja, enunciados que aparentemente estariam livres de qualquer vestí-
gio social são, na verdade, resultado de contínuas negociações (explícitas ou tácitas) entre cientistas. Nesse sentido, a
visão latouriana de Ciência é coerente com uma proposta de ensino de Física que vise não apenas a aquisição de produtos
científicos, mas principalmente a formação de uma cultura científica efetiva (Rodrigues e Vianna, 2013).
Portanto, Latour não esinteressado na Ciência com “C” maiúsculo, que seria a “ciência pronta”, mas na ciência com
“c” minúsculo, em uma ciência ainda “em construção”. Sua proposta é investigar como se dá, na prática, o processo de
construção dos fatos científicos. Em resumo, Ciência pronta teria status de uma teoria científica ou artefato tecnológico,
consagrada por um longo e complexo processo de consolidação. Ao transitar do estágio de ciência em ação para o
estágio de ciência pronta, um produto científico torna-se, como denominado por Latour, uma “caixa-preta”. Portanto as
ações efetivas do professor no tempo da atividade devem se encaminhar rumo à abertura dessas “caixas-pretas”. O autor
apropriou para a Sociologia da Ciência o conceito de “caixa-preta”, muito comum em Engenharia, um sistema ao qual se
atribui inviolabilidade, e até certo modo um grau inquestionável de verdade.
Como citado por Gama e Zanetic (2013), é possível que nenhuma palavra expresse mais a presença de caixas-pretas
intangíveis nas aulas tradicionais de física que “fórmula”, sugerindo diretamente a noção de algo pronto, estático e a-
histórico. No caso do Eletromagnetismo, quando um tópico como o da Força de Lorentz é abordado simplesmente ci-
tando-se a fórmula pronta F = q.v.B.sen(
) tornando-a tão somente um emaranhado de letras sem sentido ou profundi-
dade, despido de significado, articulação cotidiana, diálogo histórico-social e familiaridade ao estudante, cria-se o
precedente para o significado mais negativo possível que uma caixa-preta pode tomar: ser instransponível, hermética e
incompreensível.
Caixas-pretas são necessárias e não seria possível conviver com a tecnologia sem elas. Não é possível abrir todas as
caixas-pretas cada vez que se fizer necessário o uso de algum artefato ou teoria que delas deriva. Retomando o exemplo
anterior da Engenharia: quando uma caixa-preta será aberta diz-se que é iniciado um processo de “reengenharia”.
Educacionalmente, abrir a caixa equivaleria de certo modo ao problematizar freireano, promovendo a formação de
um senso crítico-metodológico a respeito do como a ciência se constrói, a consciência do “saber que é possível” como
consequência da formação. Conforme observado por Bachelard (1996), todo conhecimento científico advém de uma
resposta a uma pergunta: "se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico", nesse sentido cabe ao educa-
dor não se resumir a meramente apresentar respostas prontas, mas promover a aprendizagem dos questionamentos,
da indagação, da problematização, da busca. E mesmo naquilo que tange às escolhas sobre quais caixas devem ser aber-
tas e quais podem ser deixadas fechadas, deve-se compreender o processo que leva ao fechamento da caixa e não sua
mera contemplação quando já cerrada.
Latour explicita também a concepção de que a ciência é construída de modo coletivo e, de modo similar, a abordagem
CTS reivindica que este deve ser o mote da alfabetização científica em ambiente escolar, onde os atores sociais, no caso
os estudantes, participem e tenham autonomia frente à construção do conhecimento em sala de aula.
Ao professor durante a oficina investigativa cabeas ações que orientam as aberturas das “caixas-pretas” do produto
científico em análise, de forma a tirar o estudante de um estágio de contemplação a uma suposta ciência pronta e her-
tica, propondo e guiando aos estudantes às aberturas e investigações. Ao analisarmos as discussões de sala de aula,
devemos ter em mente que uma afirmação se consolidará em meio ao debate quando for capaz de atrair aliados, o que
se revela e se reforça no uso posterior que é feito dela na discussão. Dado que não seria justo de que se esperar que
estudantes do Ensino Médio estabeleçam discussões com a mesma consistência metodológica de um embate entre ci-
entistas, é importante que o professor, ao estimular a abertura das caixas-pretas, cumpra também este papel apresen-
tando questionamentos e estimulando o debate ao invés de lhes trazer respostas prontas.
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III. ATIVIDADE PROPOSTA
A aplicação desta oficina investigativa foi realizada em três turmas de terceiro ano do Ensino Médio, possuindo estas,
em média, cerca de trinta estudantes por classe, em uma instituição pública federal de ensino localizada na cidade do
Rio de Janeiro, Brasil. Com os estudantes de cada turma tendo sido divididos em grupos menores de quatro a cinco
estudantes, foram realizadas gravações em áudio e vídeo de toda a oficina, com a devida permissão dos estudantes
e/ou seus responsáveis, através de uma câmera de vídeo e gravadores de áudio distribuídos aos grupos de estudantes
envolvidos na atividade.
A proposta de atividade encontra-se detalhadamente descrita na forma de material para professor e estudantes
como parte de um capítulo (Penha, 2008) da obra intitulada “Novas Perspectivas para o Ensino de Física: Propostas
para uma formação cidadã centrada no enfoque CTS” (Vianna, 2008) publicada pelo grupo PROENFIS com apoio da
FAPERJ. As oficinas investigativas permitem a vivência de situações concretas, proporcionando a junção entre teoria
e prática científica de forma ativa e reflexiva (Paviani e Fontana, 2009). É importante que se ressalte que a atividade
objeto de análise neste presente artigo foi aplicada pelo próprio professor-autor do material, prof. Sidnei Pércia da
Penha.
A oficina investigativa intitulada “A formação de imagem em uma TV analógica” caracteriza-se pela abertura da
“caixa-preta” que eram as antigas TVs analógicas de tubos catódicos (cinescópios), identificando desde o processo de
captação de imagens até seu envio às residências em broadcast das redes televisivas. Após um primeiro momento de
inserção histórica, cultural e social daquele aparelho, a turma era convidada a efetivamente abrir o televisor e identi-
ficar suas peças principais: o cinescópio (o tubo de imagens), a bobina defletora (chamada de yoke) e os circuitos
eletrônicos responsáveis por alimentar toda a estrutura (figura 1).
FIGURA 1. Aparelho televisor aberto: desmontando a “caixa-preta”.
Retirando a bobina e acionando o cinescópio com o auxílio do professor (por motivos de segurança), os estudantes
são convidados a identificar a formação de um ponto luminoso da tela, emitidos a partir do canhão de elétrons do
tubo catódico (figura 2).
FIGURA 2. Trabalhando o Magnetismo a partir do cinescópio: desvendando a “caixa-preta”.
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Para Latour, um enunciado se configura como fato quando estiver completamente desmodalizado”, ou seja,
quando não houver qualquer necessidade de maiores explicações, pois o argumento por si é suficiente. Segue um
excerto de aula experimental como porta de entrada para o que se utilizou do conceito latouriano de enunciado:
Professor: “Eu tenho esse ímã aqui, eu pergunto pra onde a partícula vai se desviar se eu jogar essa partícula aqui [no
interior do ímã em forma de U]? Pra cima? É isso? [Alunos fazem a regra da mão direita] Qual seria uma possível trajetória
dessa partícula? Sairia e desviaria? Na página 70 [do livro-texto], ele dá várias ideias sobre o que poderia influenciar a Força
Magnética...”
Essa assertiva apresentada tanto na fala do professor quanto no roteiro do experimento (apresentado no livro-
texto) traz enunciados já aceitos como conhecimentos tácitos: a existência de “partículas” que podem estar carrega-
das eletricamente, que ímãs produzem Campo Magnético, que podem desviar essas cargas, e a existência de uma
possível Força Magnética, que passam a operar no sentido de dar suporte a outros conhecimentos: no caso, quais
possíveis influências de outras variáveis sobre o módulo da Força Magnética.
Ao prestar mais atenção aos detalhes do desenrolar da atividade e na dinâmica dos grupos de alunos, ou seja, às
micropráticas ocorridas durante a atividade, foi possível observar algo da especificidade da prática científica escolar
caracterizada nas pequenas controvérsias ocorridas na oficina: os “palpites” (segundo os próprios atores) a respeito
das diferentes variáveis que poderiam (ou não) influenciar a Força Magnética. Por exemplo, sobre como compreender
a influência do campo magnético, um grupo tem o seguinte diálogo entre seus pares:
Carlos: “Mas como eu poderia variar o campo magnético nesse tubo de televisão?”
Ana: “Sei lá... variando um ímã perto do tubo?”
Carlos: “Como você vai saber se a força está maior ou menor?”
Ana: “Ele vai desviar mais?”
Bruna: “Coloca um ímã, depois outro em cima pra ver se vai desviar mais?”
Em outro grupo, um diálogo sobre a possibilidade (ou não) de influência da aceleração gravitacional sobre a Força
Magnética:
Ricardo: “Teria como testar a influência da aceleração gravitacional?”
Thiago: “Sobe a montanha! Leva pra Petrópolis! Ou então pra Lua! [risos]”
O professor então interfere nos debates iniciais, avisando aos seus alunos que com aquele aparato seria possível
testar a influência de duas variáveis específicas, seguindo o roteiro que está no livro-texto:
Professor: “Vamos tentar fazer um experimento variando o campo magnético e o ângulo para ao menos termos alguma
conclusão a respeito dessas duas variáveis. Nosso experimento é qualitativo, não quantitativo”.
Reproduzimos aqui os diálogos ocorridos a respeito do experimento em que o campo magnético foi variado. Com
o auxílio de uma “engenhoca” (figura 3) que funciona como um “elevador” para aproximar ou afastar o ímã do tubo
catódico. O professor atuando como uma espécie de “chefe de laboratório” inicia a proposição do experimento:
Professor: “Vou descer nossa engenhoca e fixar uma posição, vou então verificar qual foi a deflexão. Depois vou aumentar,
vou colocar um ímã mais poderoso, e então verificar se o ponto vai se desviar mais ou menos”.
Clara: “Começar com um ímã mais fraco e marcar a posição dele em relação ao barbante. Troca o ímã mais forte, desce e
verifica... a distância do ímã em relação ao tubo da televisão...”
Ana: “Se colocar na mesma distância do anterior, o ponto até sai da tela!”
Bruna: “O segundo com uma distância grande já levou o ponto até a borda da tela, o primeiro teve que ficar bem pertinho
pra isso.”
Ana: “Ímã mais forte, tem mais deflexão”.
Professor: “Ou seja, o que eu possuo concluir então? Quanto maior o campo magnético, maior a força?”
O grupo então acorda entre si que há uma proporção entre campo magnético e a força magnética, e com o auxílio
do professor chegam à conclusão empírica que eles são diretamente proporcionais entre si. Nesse sentido, nesse
excerto um exemplo da busca pela elaboração de um enunciado a partir da repetição empírica, ao final o argumento
por si já era suficiente para explicar a lógica da relação entre campo magnético e força magnética.
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FIGURA 3. Abrindo a “caixa-preta” para analisar possíveis dependências que a Força Magnética possui.
Durante o processo de experimentação, a validação passa por converter essas observações e análises em inscri-
ções. Os inscritores têm essa “responsabilidade” de materializar o objeto que essendo pesquisado, por exemplo,
através de mapas, gráficos, fotografias, medidas em aparatos de instrumentação, dentre outros (Méllo, 2016). Deste
modo, o instrumento produz um conjunto visual de inscrições” e o cientista passa a funcionar como o porta-voz desse
dispositivo, nas palavras de Latour (2011): “O cientista fala em lugar daquilo que não fala”. O procedimento final passa
por converter esses procedimentos e enunciados em inscrições literárias, culminante na escrita e comunicação.
A investigação científica não se limita, portanto, aos fatos observados, mas os seleciona, controla e reproduz (Por-
tocarrero, 1994). A experiência é racionalizada através de teorias, hipóteses e conceitos. Existe uma clara noção de
autoridade e de hierarquia, porque alguns de seus componentes, os que a ela pertencem há mais tempo e são efici-
entes na resolução dos problemas científicos, no caso o professor, estão capacitados para treinar os mais novos, no
caso os estudantes, nos padrões da comunidade (Kuhn, 1997).
Segundo Massoni e Moreira (2015), uma orientação útil ao ensino é valer-se do caminho histórico da ciência, pois
os conceitos mais antigos possuem a vantagem de serem menos específicos e mais conhecidos pelo grande público e,
por isso, sua compreensão pelos estudantes é mais fácil. A assimilação no ensino de ciências é similar à iniciação de
um novato ao coletivo de pensamento, não é trivial.
Uma das tarefas da Ciência é prestar explicações à sociedade. E na gênese dos fatos científicos há muito mais do
que dados, curvas e evidências empíricas. Existem aspectos sociológicos, persuasão, interesses diversos. É nesse sen-
tido que atividade científica não pode se desvincular dos valores, regras, e cultura de quem a produz (Massoni e Mo-
reira, 2017). É exatamente dentro deste contexto sociocultural da Ciência, onde se encontram envolvidas as mais
diversas explicações que Latour afirma:
Afora as pessoas que fazem ciência, que estudam, que a defendem ou que se submetem a ela, felizmente existem algumas
outras, com formação científica ou não, que abrem as caixas-pretas para que os leigos possam dar uma olhadela. Apresen-
tam-se com vários nomes diferentes (...), tendo na maioria das vezes em comum o interesse por algo que é genericamente
rotulado “Ciência, Tecnologia e Sociedade”. (Latour, 2011)
IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As observações feitas proporcionaram uma visão das atividades escolares distintas dos modelos que veem a escola
como apenas uma transmissora de conhecimentos formais. Em vez disso, a escola pode e deve estar envolvida em
estratégias mais próximas ao que se aceita usualmente como “atividade científica”.
Os trechos selecionados contam a história dessa atividade, desses diálogos produzidos por esses atores que parti-
ciparam dessa oficina investigativa. Portanto, não é possível, e nem seria a intenção (muito menos a pretensão), afir-
mar que os debates realizados por esses estudantes e esse professor representaria precisamente qualquer outra
possível, tampouco esgotar o assunto. Mas esperamos ter contribuído, com este exemplo de discussão entre estu-
dantes, com a convicção de que uma controvérsia científica pode ser uma forma de consolidar a aprendizagem de
conceitos centrais da Física, como o das Forças Magnéticas.
Nesse sentido, uma proposta de atividade investigativa deve ter necessariamente por objetivo a criação de con-
trovérsias, de modo a estimular as micropráticas científicas em sala de aula, ao apresentar questões de interesse social
e cotidiano que envolvam problemas tecnológicos, como no caso dos cinescópios e das antigas TVs analógicas, o que
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busca estimular nos estudantes tomadas de posições coletivas e dialógicas. A ação do professor é essencial no desen-
rolar das discussões no sentido de fomentar méritos e questionamentos que possam trazer à tona a representação da
Natureza que se pretende ensinar, exercendo esse papel de “chefe de laboratório”, conforme explicitado nas falas do
professor durante a atividade em análise. Os estudantes devem poder identificar os problemas científicos como de
seus cotidianos, e devem, portanto, ter a oportunidade de discutir suas possibilidades de solução, pois o caminho que
leva à construção do pensamento científico é essencialmente um exercício de debate, diálogo e discurso.
Bruno Latour em seus trabalhos não se preocupou analisar questões escolares. Seus estudos envolviam grandes
laboratórios de pesquisa, nos quais ele comparava os cientistas a uma espécie de “tribo”, e contrapôs-se à ideia de
que a Ciência é um fato resolvido e inexpugnável, de que o cientista se isola em seu laboratório sem colaborações,
riscos, incertezas financeiras, frustrações profissionais, e somente dali tira suas teorias e enunciados prontos como
em um passe de mágica ou por pura inspiração divina.
Perguntar o que é fazer ciência não significa se interrogar sobre a eficácia e o rigor formal das teorias e métodos,
mas acerca das práticas científicas. Latour propõe que não há normatização do caminho científico, a realidade é desta
forma consequência das práticas científicas, não a sua causa. Um fato científico se conquista, constrói, comprova
(Bourdieu, Chamboredon e Passeron, 2015). Ciência é um processo, e os fatos científicos são fatos sociais. “Método
científico” não existe, metodologias científicas sim.
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