VOLUMEN 33, NÚMERO 2 | Número especial | PP. 115-122
ISSN: 2250-6101
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 2 (2021) 115
La evaluación del presente artículo estuvo a cargo de la organización de la XIV Conferencia Interamericana de Educación en Física
Contribuições de um curso de
formação continuada para a prática
docente no ensino de Astronomia
Contributions of a continuing education course to
the teaching practice in the teaching of astronomy
Cleberson José Cavalcanti
1
*, Roberto Nardi
2
1
Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Av.
Eng. Luiz Edmundo C. Coube 14-01 - CEP 17033-360 Bauru, SP, Brasil.
2
Departamento de Educação, Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Av. Eng. Luiz Edmundo C. Coube
14-01 - CEP 17033-360 Bauru, SP, Brasil.
*E-mail: cleberson@professor.educacao.sp.gov.br
Recibido el 15 de junio de 2021 | Aceptado el 1 de septiembre de 2021
Resumo
O presente projeto de pesquisa utiliza o material didático específico, intitulado “O Diário do Céu”, no formato de um diário escolar
voltado para a Astronomia observacional, num curso de extensão para formação docente em Astronomia, e implementado com alu-
nos, nas escolas, no período de 2016 à 2019, de modo presencial, e em 2020, de modo remoto. A análise dos dados se deu a partir da
teoria e procedimentos da análise de discurso. dentre os resultados obtidos, destacaram-se dados que mostram a receptividade dos
professores à proposta, o conhecimento acumulado no período, a viabilidade de incorporação de novos conteúdos e metodologias de
ensino à sua prática cotidiana, bem como maior autonomia para o ensino de Astronomia.
Palavras-chave: Ptica docente; Astronomia; Ensino.
Abstract
This research project uses the specific teaching material, entitled "O Diário do Céu", in the format of a school diary focused on obser-
vational astronomy, in an extension course for teacher training in astronomy, and implemented with students, in schools, from 2016
to 2019, in person, and in 2020, remotely. Data analysis was based on the theory and procedures of discourse analysis. Among the
results obtained, there are data that show the receptivity of teachers to the proposal, the knowledge accumulated in the period, the
feasibility of incorporating new contents and teaching methodologies to their daily practice, as well as greater autonomy for teaching
astronomy.
Keywords: Teaching practice; Astronomy; Teaching.
I. INTRODUÇÃO
Durante todo o seu percurso pela história da humanidade, o homem sempre foi em busca daquilo que pudesse res-
ponder seus maiores e mais íntimos questionamentos. Tão longe e tão perto, o céu tornou-se repouso para as ansie-
dades do cotidiano. Tornou-se parte da existência, dos ciclos de vida e morte, do dia e da noite, do sim e do não e do
possível.
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A grandiosidade da Astronomia está naquilo que é sem rejeitar o olhar daquele que a procura. Assim, quando o
homem direcionou seu olhar para o céu, descortinou inúmeras possibilidades de conhecimentos, como a dos fenô-
menos astronômicos. Se este encantamento assim fora em tempos remotos, ainda mais o é em uma época de expe-
riências espaciais, tais como lançamentos de foguetes, satélites, sondas, viagens em ônibus espaciais, potentes
telescópios, que com frequência nos enviam dados do espaço e que são destaques, diariamente, nas mídias. Assim, a
atenção aos fenômenos celestes passara a compor o universo de um número cada vez maior de pessoas espalhadas
por todo o planeta.
O ensino de Astronomia, a princípio, a cargo do sistema de educação da Companhia de Jesus, de 1549 a 1759,
pouco se destacava nesta época, bem como em toda educação nos três séculos restantes de período colonial. Entre-
tanto, tornou-se obrigatório no início do século XIX, com a abertura das academias militares, da Escola de Medicina e
de Direito e da Biblioteca Real, em 1810 (Brandão, 2003), passando a compor documentos oficiais da educação no
Brasil.
No entanto, no decorrer do tempo, a Astronomia deixou de ser disciplina obrigatória e seus conteúdos foram
reduzidos a algumas páginas dos livros didáticos, seja de ciências naturais, de matemática ou de geografia. Mesmo
hoje, ainda que citada e referenciada em distintos documentos referentes à educação básica do país, voltados para o
ensino infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, o ensino de Astronomia ocupa lugar secundário em relação
às outras áreas do conhecimento da ciência.
Sendo a Astronomia ciência que envolve uma diversidade e complexidade de assuntos que lhes são pertinentes,
impossíveis de serem estudados ou analisados ao mesmo tempo, embora, por vezes, estejam relacionados, remon-
tando conhecimentos comuns desde épocas longínquas, surge a necessidade de um recorte.
De acordo com o interesse do objeto de estudo desta pesquisa, a caso, buscar colocar um grupo de professores e
de alunos em situações de ensino e de aprendizagem que envolvam a observação ativa, direta e sistemática dos mo-
vimentos relativos do Sol, da Lua, dos planetas e das estrelas, de modo a aprender a distinguir observações, descrições,
interpretações e modelizações, bem como a expor o próprio ponto de vista, sobre fenômenos naturais que se observa
da Terra (Lanciano, 2014).
Para esta pesquisa, em especial, no campo conceitual destaca-se, dentre os conteúdos propostos, o trabalho com
noções de localização e orientação espacial.
Com base na Astronomia observacional, a orientação espacial envolve a capacidade de se deslocar no espaço,
desenvolvendo uma prática que requer planejamento e competência para o ser humano permanecer orientado en-
quanto se move. A localização geográfica determina a posição de um elemento ou objeto em um sistema de coorde-
nadas conhecido. Nesse sentido, toda localização geográfica e espacial é relativa e deve ser estabelecida em relação
a alguma referência ou ponto inicial, para determinar a direção, a distância e o posicionamento de um objeto ou de
um ponto da Terra (Scherma e Ferreira, 2011).
Do ponto de vista didático-pedagógico, as noções e os conhecimentos da Astronomia observacional precisam ser
desenvolvidos ao longo do processo educacional, cuja prática educativa pode contribuir para explorar, dentre outros,
os conhecimentos físicos, astronômicos, espaciais, matemáticos, geográficos, históricos e interculturais e descrever
situações e resolver problemas voltados para o cotidiano dos alunos.
Conhecer tais conceitos e aprender a localizar pontos sobre a superfície com base em sistema de coordenadas
geográficas auxilia o estudante a orientar-se segundo a posição dos astros no u, determinando suas posições a partir
dos sistemas de coordenadas astronômicas, base para o ensino de distintos conteúdos da Astronomia observacional,
dentre os quais, destacam-se o ciclo dia e noite, as estações do ano, os equinócios e os solstícios, o ciclo lunar e as
fases da Lua (Caniato, 1990).
Nesse sentido, faz-se necessária a articulação entre conteúdos e metodologias que possam levar à superação das
dificuldades de aprendizagem dos alunos relativas à leitura do espaço geográfico e celeste.
Ressalta-se que desde o início da alfabetização escolar, orientar, localizar, interpretar, descrever e representar são
conhecimentos básicos comuns da Astronomia escolar e áreas afins e estão associados ao desenvolvimento cognitivo
da criança, a qual possui diferentes concepções de espaço e de tempo, de acordo com seu nível de aquisição de co-
nhecimento para que ocorra a aprendizagem. O sucesso da aquisição desses conhecimentos pelos indivíduos depende
da interação que estes estabelecem com o ambiente onde estão inseridos (Scherma e Ferreira, 2011).
II. JUSTIFICATIVA E OBJETIVO
Esta pesquisa corrobora resultados dos estudos realizados pelo Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (GPEC)
UNESP Campus de Bauru que têm evidenciado o distanciamento entre a produção acadêmica da área de educação
em Astronomia e os saberes e práticas de licenciandos e professores em exercício da educação básica, dificultado o
diálogo entre as instituições de formação de professores e as escolas de ensino básico (Fernandes, 2018).
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Embora, nas últimas décadas, a expectativa com relação a mudanças na estrutura e orientação curricular de cursos
de formação inicial e de programas de pós-graduação, em especial das universidades públicas do país, em favor da
inclusão de tópicos de Astronomia básica tenha ganhado força e incentivo (Leite et al., 2014), a presença dos estudos
referentes à Astronomia nas salas de aula do ensino básico é, muitas vezes, comprometida pelo modo e pela qualidade
ou, ainda, pela inexistência na formação inicial dos professores, gerando-lhes, por vezes, a sensação de incapacidade
e insegurança, além da falta de contextualização e de fontes de informação adequadas ao se trabalhar com a temática
nas escolas (Langhi e Nardi, 2012).
Somado a esses fatores, segundo Lanciano (2016), também torna mais difícil a tarefa de ensinar aos alunos a res-
peito dos conteúdos astronômicos o contraste entre os tempos dos fenômenos astronômicos, tais como o ciclo
dia/noite, os equinócios e os solstícios, o ciclo lunar, os eclipses, o aparecimento dos cometas, as chuvas de meteoros,
dentre outros, e os da escola, entre os espaços abertos para o céu e o confinamento das salas de aula. Ainda, segundo
a autora, tais aspectos dificultam, sobremaneira, dar significado ao conhecimento disciplinar astronômico dentro de
um desenvolvimento longitudinal coerente em si mesmo e com a experiência cotidiana dos estudantes.
O Currículo parte do trabalho com objetivos conceituais e habilidades procedimentais e atitudinais relativos a ele-
mentos da Astronomia, da geometria, da cartografia, da história e filosofia da ciência, dentre outras com destaque
para a observação direta e sistemática do céu, percepção, descrição, representação, localização e orientação em dis-
tintos espaços da escola e do entorno dos alunos, e, ainda, envolvendo distintas representações do objeto de estudo,
representação e localização dos lugares mais próximos e familiares do aluno, conservação, preservação e exploração
coerente dos espaços e valorização do trabalho em equipe, percebe-se que muitas limitações nos processos de ensino
e de aprendizagem de tais conteúdos específicos ainda perduram no âmbito escolar, seja por razões metodológicas
e/ou técnicas (Scherma e Ferreira, 2011).
Nesse sentido, com base nos desafios que o trabalho com a temática apresenta, particularmente, a um grupo de
professores, no que se refere à sua formação continuada e atualização em Astronomia para o ensino fundamental da
educação básica.
Foi proposto, a partir do desenvolvimento desta pesquisa, oferecer-lhes um curso, intitulado O Diário do Céu
Introdução à Astronomia para Professores da Educação Básica Etapa 2, uma dentre as ações que integram o Projeto
de Extensão Universitária em Astronomia, intitulado O céu do Norte e o céu do Sul o ensino de Astronomia na
educação básica: uma experiência cooperativa entre Brasil e Itália, anteriormente citado, e no sentido de dar conti-
nuidade ao trabalho iniciado e desenvolvido no ano de 2016 (Fernandes, 2018).
O curso foi voltado para a prática docente, buscando fornecer, dentre outros, conhecimentos astronômicos, físi-
cos, matemáticos, geográficos, históricos, culturais, de caráter teórico-prático, que, utilizados pelos professores, per-
mita-lhes desenvolver habilidades de observação do céu e do entorno, de localização geográfica e orientação espacial,
bem como fomentar a explicitação das ideias intuitivas de seus alunos sobre os fenômenos astronômicos observados,
transpondo as barreiras interdisciplinares.
Entre todos os objetivos da pesquisa, neste recorte, vamos enfatizar o de conhecer e analisar as concepções iniciais
sobre Astronomia e seu ensino de um grupo de professores do ensino fundamental da educação básica, a partir da
oferta de um curso de formação continuada em Astronomia, no município de Bauru e região.
III. A DIDÁTICA DA ASTRONOMIA
De maneira geral, o uso do O Diário do Céu como estratégia de ensino de Astronomia visa estimular no aprendiz a
busca por seus conhecimentos iniciais, a partir dos quais um novo conhecimento poderá ser construído.
Mais que um material de apoio didático para o ensino dos conteúdos de Astronomia, O Diário do Céu constitui-se
em um instrumento metodológico de caráter investigativo proposto por pesquisas na área de ensino de ciências.
De acordo com Carvalho et al. (1998), resultados de pesquisas sobre aprendizagem no campo do ensino de ciências
indicam que os alunos constroem ativamente o conhecimento e aprendem melhor ciências em um ambiente onde
possam fazer suas próprias descobertas, onde as ideias que os discentes já têm sobre o assunto estudado possam ser
exploradas e organizadas, onde os estudantes possam envolver-se na exploração direta dos objetos, organismos e
fenômenos científicos a serem investigados, oportunizando-lhes discutir suas observações e conciliar suas ideias, além
de aplicá-las em novas situações.
Na perspectiva (a) de buscar conhecer metodologias e estratégias de ensino e instrumentos didáticos eficazes para
que possam ser aprimorados, (b) de criar condições para que se estabeleçam relações afetivas e pessoais com os
objetos de conhecimento e (c) oferecer apoio e condições adequadas aos professores que ensinam Astronomia, tanto
para alunos da educação básica quanto para os do ensino superior, é que se ressalta a importância da didática da
Astronomia para o ensino sobre os fenômenos astronômicos.
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Nesse sentido, segundo afirma Lanciano (2014), a didática da Astronomia pode “[...] ajudar a colocar em diálogo,
e em acordo, o que é observado diariamente no aqui e agora, com aquilo que se pensa, se sabe, se vê nos livros e nas
simulações também em nível global, por toda a Terra e pela Terra no cosmo.” (Lanciano, 2014, p. 171).
Ainda, segundo as considerações da autora, em linhas gerais, a didática da Astronomia visa tornar o estudo de
Ciências, na Educação Básica, motivador e dinâmico, para despertar o interesse dos alunos. A autora valoriza a obser-
vação direta e sistemática dos astros para o ensino da Astronomia e a realização de registros sobre o que é observado.
Para ela, as estratégias de caráter investigativo podem gerar uma dinâmica de constante aprendizagem e avaliação dos
resultados obtidos, no trabalho com conceitos de Astronomia.
Desse modo, em consonância com o princípio investigativo, a didática da Astronomia, nas considerações de Lanci-
ano (1996) possibilita a introdução e discussão de conceitos científicos empregados no ensino de Astronomia, assim
como, a articulação entre o experimental e o desenvolvimento da oralidade e escrita dos alunos, uma vez que ela
contempla entre suas estratégias de ensino, instrumentos didáticos inéditos aplicados e adaptados à realidade de cada
escola.
Nesse sentido, Lanciano (1996) destaca ser muito importante a parceria entre profissionais do campo da didática
das ciências, pesquisadores e professores da educação básica em exercício, e que todos considerem os seguintes as-
pectos da didática da Astronomia:
[...] uma pluralidade de hipóteses de desenvolvimento dos processos comunicativos e cognitivos; uma elasticidade para ler
uma situação inesperada, que vem de um esquema já conhecido que funcionou anteriormente e uma capacidade de ouvir
com base em dar peso às múltiplas relações (professor-alunos, aluno-aluno, aluno-objeto de estudo) presentes em cada
contexto educativo. (Lanciano, 1996, p. 21-22, tradução Fernandes, 2018)
O objeto principal da didática da Astronomia é oferecer subsídios teóricos e práticos aos professores em exercício,
nos diferentes níveis da educação básica, para que eles utilizem cada vez mais seus fundamentos na sua prática do-
cente. Dessa forma, esse campo do conhecimento ganhará cada vez mais destaque nas salas de aula, nos cenários
nacional e internacional. Segundo Cardoso (2010):
[…] esta é uma área de investigações que se renova. Forçosamente uma área interdisciplinar por natureza (multidisciplinar
para ser mais contido como exige o rito), ela representa um novo diálogo entre produções humanas antigas. As preocupa-
ções com o ensino de Astronomia e com a aplicação de metodologias educativas ou a criação de estratégias para ensinar
essa ciência parecem algo relativamente recente, mas não são. (Cardoso, 2010, p. 10)
Quanto à utilização do O Diário do Céu como estratégia de ensino de Astronomia, Lanciano (2014) propõe uma
sequência de atividades de ensino baseada na observação direta e sistemática dos astros e do entorno, bem como a
utilização de modelos explicativos que visam representar o encontro do Sol com a Terra.
As atividades são desenvolvidas, muitas vezes, ao longo do dia, da semana, dos meses e até do ano. Semelhantes
são as observações da Lua, dos planetas, das estrelas e das constelações, sendo que muitas dessas observações podem
ser realizadas durante o horário de aula, na escola. As observações consideram o ponto de vista centrado no observa-
dor (topocêntrico) para descrever os movimentos relativos observados dos astros no céu aqui da Terra.
A partir desta perspectiva, segundo Langhi e Nardi (2004), no que se refere ao ensino de temas relacionados à
Astronomia, resultados de variadas pesquisas evidenciam a falta ou a insuficiência de conteúdos de Astronomia na
formação inicial desses profissionais.
Segundo os autores, há uma “necessidade de reverter um quadro no qual se constata, empiricamente, uma grande
difusão de concepções de senso-comum referentes aos fenômenos astronômicos(p. 98). Ainda, de acordo com os
autores,
[...] não basta que os cursos de formação inicial ou continuada privilegiem a capacitação em termos de conteúdos, divorci-
ados das metodologias de ensino correspondentes; o grande desafio é a questão da transposição didática, ou seja, investir
também, concomitantemente, no conhecimento pedagógico do conteúdo. (Langhi e Nardi, 2004, p.10)
A partir dessa realidade sobre o ensino de Astronomia no cenário nacional, de acordo com as considerações de
Longhini e Mora (2010), é evidente que a formação inicial ou continuada de professores em Astronomia necessita de
estratégias que busquem o avanço dos conhecimentos e não se limitem a ensinar apenas nomes, distâncias ou defini-
ções.
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IV. ANÁLISE DE DISCURSO COMO APORTE TEÓRICO E METODOLÓGICO
Com o propósito de compreender e avaliar as possíveis contribuições oferecidas por um curso de formação docente
em Astronomia introdutória para a prática de ensino de um grupo de professores do Ensino Fundamental da Educação
Básica, um conjunto de estratégias de ensino, métodos de estudo, procedimentos e técnicas foi empreendido, ao longo
do desenvolvimento desta pesquisa, com base em procedimento investigativo, a fim de obter dados, que, uma vez
analisados, pudessem, não somente delinear os aspectos da questão central da presente pesquisa, como também
apontar fatores que podem ser objeto de ações visando à melhoria dos processos formativos de professores para o
ensino de conteúdos de ciências naturais e matemática e, em especial, de Astronomia.
A pesquisa desenvolveu-se segundo procedimentos metodológicos da abordagem da investigação qualitativa,
atendendo às normativas e rigorosidade da linguagem científica formal, a qual, segundo Bogdan e Biklen (1994), uti-
liza-se do ambiente natural e do diálogo entre os sujeitos investigado e investigador como fonte direta de coleta de
dados, da descrição dos dados obtidos, do destaque maior para o processo do que para o produto da investigação,
sugerindo a atenção do pesquisador no significado que as pessoas atribuem às situações vivenciadas na pesquisa.
A princípio foi realizado um levantamento dos referenciais teóricos e metodológicos específicos, que aparecem
citados ao longo desta pesquisa, em especial, aqueles voltadas para o campo do ensino de Astronomia, dos funda-
mentos e métodos para o ensino de Astronomia na educação básica e à didática das ciências, com enfoque para a
didática da Astronomia, da formação de professores e dos saberes docente na área da educação em ciências e mate-
mática, das abordagens da pesquisa qualitativa e da metodologia do trabalho científico e ainda sobre os princípios da
teoria e procedimentos da análise de discurso, na linha francesa de investigação.
Em uma de suas obras, análise de discurso: princípios e procedimentos, a autora caracteriza com muita propriedade
o que é AD:
A Análise de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas essas
coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso,
de correr por, de movimento. O discurso é assim a palavra em movimento, prática da linguagem: com o estudo do discurso
observa-se o homem falando. Na Análise de Discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho
simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história. (Orlandi, 2003. p. 15)
Ainda na mesma obra, a autora nos fala que através do discurso o mundo é apreendido e o analista deve aprender
a construção discursiva. Para ela, referindo-se a Pêcheux, este tenta romper com a concepção de ideologia como re-
flexo econômico ou luta de classes apenas, não caracterizando a linguagem apenas como instrumento de comunicação
e a língua como algo congelado e fruto de uma única sintaxe.
Orlandi (2003) continua a caracterizar a AD. Referindo-se ao diálogo, a autora não atribui a maior importância no
sentido do texto ou discurso, mas nos modos e dinâmicas dos mesmos ao longo da história que relatam. Dessa forma,
os sentidos são criados pelos sujeitos num lugar anterior e externo a ele. Na AD, segundo a autora:
O mesmo leitor não o mesmo texto da mesma maneira em diferentes momentos e em condições distintas de
produção de leitura, e o mesmo texto é lido de maneiras diferentes em diferentes épocas, por diferentes leitores. É
isso que entendemos quando afirmamos que uma história de leitura do texto e uma história de leitura dos
leitores (Orlandi, 2009, p. 62).
Desse modo, a interpretação passa a ter grande relevância. Segundo Orlandi (2009, p. 59), “interpretar é elucidar
um possível vestígio do possível. Sendo assim, podemos entender a AD como sendo um dispositivo que possibilite
essa interpretação, tendo por objetivo colocar o-dito em relação ao não-dito, bem como o que se diz em determi-
nado lugar e o que se diz em outro.
Para Pêcheux, se produz o discurso levando em consideração o fato acontecido, a estrutura linguística e a relação
entre descrição e interpretação da AD. Sendo assim:
As palavras, expressões, proposições, etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empre-
gam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações
ideológicas (...) nas quais essas posições se inscrevem. Chamaremos, então, formação discursiva aquilo que, numa formação
ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes,
determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma
exposição, de um programa, etc. (Pêcheux, 1995, p. 160)
Ainda segundo Pêcheux (1995), é possível distinguir duas formas de esquecimento no discurso. O número um,
também chamado de esquecimento ideológico, que diz respeito à instância do inconsciente e é resultado do modo
pelo qual somos afetados pela ideologia. O número dois é da ordem da enunciação, onde segundo o autor, ao falarmos,
o fazemos de uma maneira e não de outra, ou seja, o nosso dizer poderia ser outro.
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V. ALGUNS RESULTADOS OBTIDOS
Diante de um universo muito grande de contribuições dos professores e alunos que participaram da pesquisa, desta-
camos aqui apenas algumas que nos dão embasamento sobre a contribuição que curso ofereceu para sua prática
docente. Os professores não são identificados pelos nomes, e sim pela sigla P, acrescido de um número.
P7: Bom dia, meu nome é P7, sou de (cidade), sou professor(a) na escola (nome da escola). Minha formação é Ciências com
Habilitação em Matemática. Agora em março fez 20 anos que eu sou professor(a) no Estado. Sou efetivo(a). Esse ano (em
2017) tenho 7º anos, inclusive esse bimestre é Astronomia (se referindo ao conteúdo do Currículo Oficial do Estado de São
Paulo). Tenho 9º anos também que não tem Astronomia (no Currículo) esse ano, e Matemática nos anos. Não tive for-
mação nenhuma em Astronomia. O dia que chegou o Currículo (se referindo ao atual Currículo homologado em 2008), que
olhei e vi que eu tinha que ensinar Astronomia eu quase fiquei louco(a). Eu via (trabalhava) essa parte visual na informática,
como uma saída para mim também, porque tinha hora que eu me via numa saia justa, eu falava: Ai meu Deus, e agora? O
que eu vou fazer? Melhor eu pesquisar um vídeo sobre isso porque daí eu vou aprender e quem sabe eles (os alunos) vão
aprender. Então, trabalhar com Astronomia quando a gente não tem formação é difícil, e eles (os alunos) por incrível que
pareça, eles têm curiosidade sobre isso, eles começaram a perguntar e eu fico “misericórdia”, e agora? O que vou fazer?
Posso trazer a resposta na próxima aula?
P11: Sou P11 da escola (nome da escola), de (cidade). Fiz Ciências e especialização em Biologia, estou pelo segundo ano no
curso. Nós não tivemos Astronomia na Faculdade. Os primeiros contatos com Astronomia foram nas Orientações Técnicas
(OTs) da classe de aceleração, depois mudou para o Currículo e a gente está sentindo sempre dificuldade de aprender, e a
gente sempre fica na curiosidade. E as atividades que nós vamos aprender vou colocar em prática. Os alunos já começaram
a perguntar sobre o eclipse. Esse ano tenho 8º anos de Ciências.
Após as considerações iniciais e a identificação de onde falavam nossos professores, ressaltando que desde o pri-
meiro dia do curso os participantes iniciaram as atividades presentes no O Diário do Céu (2017), os encontros se
iniciavam com o Grupo Focal, onde eram relatadas as facilidades, dificuldades, sugestões e, auxílio da atividade do O
Diário do Céu no conteúdo trabalhado de forma paralela com o currículo oficial do Estado de São Paulo.
O Episódio 2, ou E2, diz respeito ao discurso dos professores ao aplicar e implementar as atividades do O Diário do
Céu, ao longo do ano de 2017.
(E2)
P5: Eu consegui fazer observações em dois horários diferentes no sétimo ano. Eu fiz as medições na primeira aula e na
última aula também. Usei o horário (de aula) de uma professora e já deu uma diferença da primeira aula que eu fiz, então,
praticamente dobrou o tamanho das sombras. Foi uma reação bem bacana. Eu fiz a primeira por volta de uma hora e qua-
renta minutos (13:40), mais ou menos. Edepois eu fiz era umas 5:40 (17:40), umas 5:30 (17:30) e deu muita diferença.
Então, a hora que eles (os alunos) viram que quase tinha dobrado o tamanho da sombra foi, uma reação muito grande. No
final de semana, eu tive 16 alunos que fizeram certinho de duas em duas horas as medições das sombras e daí eles (os
alunos) vieram contando que se impressionaram com as alterações que eles viram para o grupo.
P7: Nós fizemos desenhos das sombras. Tiveram alguns desenhos que estavam coerentes, o Sol em relação à sombra e
outros não. A gente (professores) vai ter que fazer intervenção. Tiveram alguns alunos que fizeram desenho da sombra
sempre na mesma posição e outros, todas as sombras do mesmo tamanho. Também nós pedimos para que fizessem no
final de semana em cinco horários diferentes as observações. Acho que foi assim 90% entregou.
Com uma turma eu pude trabalhar a observação da Lua. Nós temos uma visão privilegiada lá na escola porque temos um
pasto no fundo e a gente consegue observar. Então surgiram as perguntas: “professor porque que não tinha lua aqui hoje?”,
“porque ontem ela (a Lua) estava aqui e hoje está um pouquinho mais para trás?”.
Com os oitavos anos, que eu tenho a tarde, em outro colégio, lá a gente fez a medição da sombra. Eles (os alunos) conse-
guiram observar. Eu tenho as duas primeiras aulas na segunda-feira e as duas últimas na sexta-feira. A sombra está menor
o Sol está praticamente a pino nas duas primeiras aulas (início às 12hs40). Já às 4:40 (16hs40) o Sol já está em outra posição
e eles conseguiram ver essa outra medida. Trabalhando a atividade de Globo Paralelo eu pude trabalhar também a questão
dos fusos horários tá sendo muito produtivo.
IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Diário do Céu como estratégia de ensino proporcionou novos conhecimentos e desafios, especialmente, no sentido
de apresentá-lo a um grupo de professores e, posteriormente, aos seus alunos.
Durante o desenvolvimento de todo este estudo, o principal objetivo foi responder à questão central: Quais possí-
veis contribuições um curso de formação continuada docente, que contemple conteúdos e práticas relativas à Astro-
nomia introdutória, pode oferecer à prática de ensino de um grupo de professores do ensino fundamental da educação
básica? e, a partir dela, estruturar todo o presente trabalho.
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Desse modo, a forma com que os professores e alunos receberam e se apropriaram do O Diário do Céu e as estra-
tégias de ensino que os docentes adotaram para trabalhar com seus alunos, constituíram-se em fio condutor desta
pesquisa. Alguns dos resultados alcançados, podemos defini-los como de caráter conclusivo, outros, no entanto, de-
verão ser objeto de estudos para trabalhos futuros.
Espera-se que esta pesquisa tenha possibilitado ao grupo de professores participantes, após cada uma das etapas
e atividades vivenciadas, a apropriação dos elementos teóricos e práticos propostos, possibilitando que os docentes
os transformem em novas práticas mais adequadas aos conceitos que fazem parte de todas as temáticas do ensino de
Astronomia, mobilizando saberes que irão auxiliá-los para alcançar autonomia em sua prática junto aos alunos, prin-
cipalmente, para atender o Currículo Oficial do Ensino Fundamental Anos Finais, que é a modalidade que este tra-
balho aborda.
As conclusões preliminares, presentes no início das atividades, desde o primeiro dia do curso que culminaram para
a redação desta dissertação, já apontavam que a grande maioria dos docentes não teve disciplinas relacionadas com
o Ensino de Astronomia e suas temáticas no decorrer da sua formação escolar e acadêmica. Mesmo assim, os docentes
precisavam trabalhar conceitos relacionados ao ensino de Astronomia com seus alunos, para atender ao currículo da
educação básica. Para isso, grande parte dos docentes recorriam a alternativas, como o livro didático ou acesso à
conteúdos de internet como fonte de informações ou estratégias de ensino.
A partir dos relatos do grupo de docentes que participaram do curso em 2017, é possível reafirmar os resultados
de pesquisas que apontam o distanciamento entre a produção acadêmica no ensino de ciência, e principalmente no
ensino de Astronomia, e os saberes e práticas docentes na formação inicial e continuada de professores da educação
básica, dificultando a articulação entre as instituições de ensino superior e as unidades escolares da educação básica
(Langhi e Nardi, 2012).
Conforme as considerações de Leite et al. (2014, p. 570-571), ...embora conteúdos de Astronomia estejam pre-
sentes em programas oficiais e livros didáticos para a educação básica, (...) não existe, na legislação brasileira sobre
formação de professores, determinação específica referente a tais conteúdos”.
Mesmo havendo muitas Instituições que atuam na formação inicial ou continuada de professores, por meio de
diversos programas, é muito reduzido as que oferecem disciplinas específicas de Astronomia. Segundo Langhi e Nardi,
2012, tal fator origina as lacunas entre os programas oficiais voltados para a educação básica e a formação dos profes-
sores, envolvendo as temáticas de Astronomia.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/PROAP) e ao CNPq
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (segundo autor) pelo apoio ao desenvolvimento desta
pesquisa.
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