Curso de educação continuada para o ensino de Astronomia
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 2 (2021) 119
IV. ANÁLISE DE DISCURSO COMO APORTE TEÓRICO E METODOLÓGICO
Com o propósito de compreender e avaliar as possíveis contribuições oferecidas por um curso de formação docente
em Astronomia introdutória para a prática de ensino de um grupo de professores do Ensino Fundamental da Educação
Básica, um conjunto de estratégias de ensino, métodos de estudo, procedimentos e técnicas foi empreendido, ao longo
do desenvolvimento desta pesquisa, com base em procedimento investigativo, a fim de obter dados, que, uma vez
analisados, pudessem, não somente delinear os aspectos da questão central da presente pesquisa, como também
apontar fatores que podem ser objeto de ações visando à melhoria dos processos formativos de professores para o
ensino de conteúdos de ciências naturais e matemática e, em especial, de Astronomia.
A pesquisa desenvolveu-se segundo procedimentos metodológicos da abordagem da investigação qualitativa,
atendendo às normativas e rigorosidade da linguagem científica formal, a qual, segundo Bogdan e Biklen (1994), uti-
liza-se do ambiente natural e do diálogo entre os sujeitos investigado e investigador como fonte direta de coleta de
dados, da descrição dos dados obtidos, do destaque maior para o processo do que para o produto da investigação,
sugerindo a atenção do pesquisador no significado que as pessoas atribuem às situações vivenciadas na pesquisa.
A princípio foi realizado um levantamento dos referenciais teóricos e metodológicos específicos, que aparecem
citados ao longo desta pesquisa, em especial, aqueles voltadas para o campo do ensino de Astronomia, dos funda-
mentos e métodos para o ensino de Astronomia na educação básica e à didática das ciências, com enfoque para a
didática da Astronomia, da formação de professores e dos saberes docente na área da educação em ciências e mate-
mática, das abordagens da pesquisa qualitativa e da metodologia do trabalho científico e ainda sobre os princípios da
teoria e procedimentos da análise de discurso, na linha francesa de investigação.
Em uma de suas obras, análise de discurso: princípios e procedimentos, a autora caracteriza com muita propriedade
o que é AD:
A Análise de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas essas
coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso,
de correr por, de movimento. O discurso é assim a palavra em movimento, prática da linguagem: com o estudo do discurso
observa-se o homem falando. Na Análise de Discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho
simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história. (Orlandi, 2003. p. 15)
Ainda na mesma obra, a autora nos fala que através do discurso o mundo é apreendido e o analista deve aprender
a construção discursiva. Para ela, referindo-se a Pêcheux, este tenta romper com a concepção de ideologia como re-
flexo econômico ou luta de classes apenas, não caracterizando a linguagem apenas como instrumento de comunicação
e a língua como algo congelado e fruto de uma única sintaxe.
Orlandi (2003) continua a caracterizar a AD. Referindo-se ao diálogo, a autora não atribui a maior importância no
sentido do texto ou discurso, mas nos modos e dinâmicas dos mesmos ao longo da história que relatam. Dessa forma,
os sentidos são criados pelos sujeitos num lugar anterior e externo a ele. Na AD, segundo a autora:
O mesmo leitor não lê o mesmo texto da mesma maneira em diferentes momentos e em condições distintas de
produção de leitura, e o mesmo texto é lido de maneiras diferentes em diferentes épocas, por diferentes leitores. É
isso que entendemos quando afirmamos que há uma história de leitura do texto e há uma história de leitura dos
leitores (Orlandi, 2009, p. 62).
Desse modo, a interpretação passa a ter grande relevância. Segundo Orlandi (2009, p. 59), “interpretar é elucidar
um possível vestígio do possível”. Sendo assim, podemos entender a AD como sendo um dispositivo que possibilite
essa interpretação, tendo por objetivo “colocar o já-dito em relação ao não-dito, bem como o que se diz em determi-
nado lugar e o que se diz em outro”.
Para Pêcheux, se produz o discurso levando em consideração o fato acontecido, a estrutura linguística e a relação
entre descrição e interpretação da AD. Sendo assim:
As palavras, expressões, proposições, etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empre-
gam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações
ideológicas (...) nas quais essas posições se inscrevem. Chamaremos, então, formação discursiva aquilo que, numa formação
ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes,
determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma
exposição, de um programa, etc. (Pêcheux, 1995, p. 160)
Ainda segundo Pêcheux (1995), é possível distinguir duas formas de esquecimento no discurso. O número um,
também chamado de esquecimento ideológico, que diz respeito à instância do inconsciente e é resultado do modo
pelo qual somos afetados pela ideologia. O número dois é da ordem da enunciação, onde segundo o autor, ao falarmos,
o fazemos de uma maneira e não de outra, ou seja, o nosso dizer poderia ser outro.