VOLUMEN 33, NÚMERO 2 | Número especial | PP. 267-273
ISSN: 2250-6101
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 2 (2021) 267
La evaluación del presente artículo estuvo a cargo de la organización de la XIV Conferencia Interamericana de Educación en Física
Um estudo acerca da linguagem como
facilitadora das aulas de Física para
alunos com deficiência visual
A study on language as a facilitator of physics
classes for visually impaired students
Sofia Hallais
1
*, Artur Batista Vilar
1,2
, Maria da Conceição Barbosa-Lima
1,3
1
Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, Avenida Brasil, 4.365, Pavilhão Arthur Neiva - Manguinhos CEP: 21040-360 - Rio de
Janeiro, RJ, Brasil.
²Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Campus Nilópolis, R. Cel. Délio Menezes Porto,
1045 - Centro, Nilópolis CEP: 26530-060, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
3
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Física Armando Dias Tavares, R. São Francisco Xavier, 524,
andar, CEP: 20550-013 - Maracanã - Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
*E-mail: sofiahallais@gmail.com
Recibido el 15 de junio de 2021 | Aceptado el 1 de septiembre de 2021
Resumo
Nosso objetivo neste estudo foi pesquisar como a linguagem pode facilitar a aprendizagem desses estudantes. Nos remetemos na
busca de algumas alternativas de comunicação que possuam a finalidade de dar condições à uma participão total e efetiva do aluno
com deficiência visual, das quais se destacam: audiodescrição, exploração dos sentidos remanescentes, bem como a utilização de
sicas e poesias com temas voltados para a Física, Química e Biologia, permitindo a implementação de interveões trans e interdis-
ciplinares que envolvam as Ciências Sociais, a Educação Socioambiental ou qualquer outra área do conhecimento. A fim de corroborar
com esta estratégia de ensino, buscamos alguns referenciais, como Vygotsky e Bakhtin, que realçam a importância de ampliar, através
da linguagem, as habilidades funcionais destes alunos.
Palavras-chave: Ensino de Física; Linguagem; Deficiência visual
Abstract
Our objective in this study was to research how language can facilitate the learning of these students. We refer to the search for some
communication alternatives that have the purpose of giving conditions to a total and effective participation of the visually impaired
student, of which the following stand out: audio description, exploration of the remaining senses, as well as the use of songs and poetry
with themes focused on Physics, Chemistry and Biology, allowing the implementation of trans and interdisciplinary interventions in-
volving Social Sciences, Socio-Environmental Education or any other area of knowledge. In order to corroborate this teaching strategy,
we look for some references, such as Vygotsky and Bakhtin, that emphasize the importance of expanding, through language, the func-
tional skills of these students.
Keywords: Physics Teaching; Language; Visual impairment
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I. INTRODUÇÃO
Em sala de aula, o processo de ensino e aprendizagem perpassa pela linguagem e pelas práticas construtivas nas
relações entre professor e aluno, formadas por características e identidades sociais. A partir da fala se estabelecem
relações e compartilham-se discursos e saberes que, ao longo da prática escolar, precisam ser mais valorizados e
desenvolvidos de maneira a colaborar ativamente na formulação de conhecimentos e ideias.
As orientações curriculares nacionais muito têm contribuído para um ensino de Física no ensino médio, de maneira
mais reflexiva e interdisciplinar. Nesse cenário, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na área de Ciências da
Natureza e suas Tecnologias possui alguns pressupostos:
...contribuir com a construção de uma base de conhecimentos contextualizada, que prepare os estudantes para fazer julga-
mentos, tomar iniciativas, elaborar argumentos e apresentar proposições alternativas (...). O desenvolvimento dessas prá-
ticas e a interação com as demais áreas do conhecimento favorecem discussões sobre as implicações éticas, socioculturais,
políticas e econômicas de temas relacionados às Ciências da Natureza. (Brasil, 2018, p. 537)
Nesse contexto, para dar significados e contextualizar as aulas de Ciências, é imprescindível que o professor crie
condições para que os alunos possam explorar os diferentes modos de pensar e de falar da cultura científica, situando-
a como uma das formas de organização do conhecimento produzido em diferentes contextos históricos e sociais,
possibilitando-lhes apropriar-se dessas linguagens específicas, como reforça Brasil (2018). Nessa perspectiva, o ensino
de Física não pode abandonar a presença da história da física, da filosofia e da sociologia da ciência e sua ligação com
outras áreas da cultura, como literatura, letras de música, artes plásticas, cinema, teatro, entre outras linguagens,
como aponta Zanetic (2006).
A partir dos resultados dos estudos que vimos desenvolvendo em nosso grupo de pesquisa XXXX, tendo como
tema central a investigação dos recursos para os processos de ensino e aprendizagem de conteúdos e temas vincula-
dos à Física, e também da prática docente dos autores deste trabalho, temos a nítida noção de que ensinar Física vai
muito além de apresentar experimentos, é preciso, também, desenvolver um processo de linguagem que irá facilitar
a comunicação entre professor e aluno, permitindo espaço para a fala dos estudante seja para tirar dúvidas ou expor
suas ideias e teorias.
Essa proposta trouxe como diferencial o fato de pensar também em alunos com e sem deficiência visual, refor-
çando a importância da linguagem para este público, visto que até para apresentar um recurso tátil-visual de deter-
minado conteúdo é preciso que se estabeleça uma comunicação que facilite a aprendizagem científica.
Desse modo, neste artigo, temos como objetivo apresentar o estudo de como a linguagem pode facilitar a apren-
dizagem desses estudantes. Para isso, discutimos sobre a linguagem a partir de dois referenciais teóricos, Teoria Sócio-
histórico-cultural desenvolvida por Vygotsky e a Teoria do Discurso dialógico por Bakhtin. Na sequência, abordamos
sobre o desenvolvimento da linguagem nas aulas de física, estabelecendo a relação entre deficiência visual e os recur-
sos de comunicação, para, em seguida, tratarmos de algumas possibilidades de práticas educativas baseada na orali-
dade e interação, com algumas estratégias de atividades que desenvolvam uma cultura científica.
II. LINGUAGEM
É por meio do desenvolvimento da linguagem que o pensamento pode se constituir, facilitando a aprendizagem do
aluno, seja em sala de aula ou em espaços não-formais. Nestes ambientes, uma multiplicidade de falas acontecendo
ao mesmo tempo, seja verbal ou não-verbal. Essas abordagens conferem à linguagem uma natureza social, cultural e
histórica dos sujeitos que fala e interagem.
Quando essa possibilidade de fala e de troca de experiências, o aluno passa a ser visto como sujeito de intera-
ção, capaz de “transitar” por diferentes discursos (oral, escrita ou visual) para construir sua própria linguagem. Para o
professor, é preciso um planejamento contextualizado que permita a exploração do conteúdo por meio da linguagem
e o papel desse docente será de mediador deste conhecimento. Assim, a linguagem adquire função primordial nas
relações entre professor e aluno, corroborando com essas ideias, utilizamos Vygotsky e Bakhtin como referenciais
para o estudo da linguagem.
A partir das análises teóricas dos autores, Vygotsky e Bakhtin, afirmamos que ambos defendiam que o processo
de ensino-aprendizagem era mediado pela linguagem. Assim, buscamos respostas sobre: como a linguagem facilita o
processo de aprendizagem? Quais as metodologias ou adequações necessárias para a construção de uma linguagem
científica? Neste estudo, apresentamos um recorte de uma de nossas pesquisas, sobre a aliança das teorias de
Vygotsky e Bakhtin, por contribuir para a exploração e um diálogo com as questões acima explicitadas.
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A. A partir de Vygotsky
Vygotsky desenvolve sua pesquisa baseada nas dimensões biológicas e sócio-histórico-culturais do desenvolvimento
humano, tendo como base do seu estudo a linguagem e sua influência no processo de ensino-aprendizagem. Segundo
o autor, o que o sujeito pensa, interpreta e expressa é o que ele apreende de seu entorno, mas também, dialetica-
mente, é pela fala que este mesmo sujeito pode interagir e transformar o mundo (Vygotsky, 2007).
“O pensamento é uma nuvem, da qual a fala se desprende em gotas” (Vygotsky, 2004, p. 182). Por meio desta
afirmação poética Vygotsky enfatiza a relação entre a fala e o pensamento, como expressão e desenvolvimento do
psiquismo. O autor salienta que para estudar a linguagem é preciso ser pelo método dialético, pois considera as ca-
racterísticas históricas e sociais relacionadas ao desenvolvimento do comportamento humano.
A fala exerce a função de comunicação entre o aluno e o meio (no nosso caso), e vai construindo ao longo das
aulas as condições para que se transforme em fala interna, quando exercerá a função de organizar o pensamento. E a
fala interna se desenvolve mediante as trocas estruturais e funcionais derivadas da fala social, como reforça Vygotsky
(2001, 2003).
Pensando no Ensino Médio, alunos adolescentes, foco do nosso artigo, a fala é bem desenvolvida e podendo ser
explorada a relação entre signo e significado. Para esse público, a palavra é caracterizada como signo que conceitua e
representa o objeto, dando-lhe sentido como um predicado do pensamento. O autor considera esse desenvolvimento
da fala dos sujeitos, como cada estágio do desenvolvimento do significado das palavras representa também um novo
estágio de desenvolvimento na relação entre pensamento e fala (Vygotsky, 2003). Podemos compreender a impor-
tância dos alunos em ampliar suas trocas com o mundo, expandindo horizontes e perspectivas, facilitando a formação
de novos conceitos, e a aprendizagem do conteúdo trabalhado em sala de aula.
No caso dos estudantes com deficiência visual, a linguagem assume papel fundamental para o desenvolvimento
das relações em sociedade e, consequentemente, no ambiente escolar. Ao contrário do que o senso comum intui, não
são os outros sentidos, tais como tato e audição, que se desenvolvem com a presença da cegueira, seja esta congênita
ou adquirida. O mecanismo de compensação de maior desenvolvimento é, justamente, o da linguagem (Vygotsky,
1993). Desta maneira, Vygotsky nos indica que, de fato, a linguagem é um dos pilares nos quais os professores devem
apostar visando a otimização do processo de ensino e aprendizagem de alunos com deficiência visual.
B. A partir de Bakhtin
O ensino de Ciências, principalmente a Física, e seus conceitos podem ser pensados como um tipo de linguagem com
características sociais e culturais. De acordo com Bakhtin, a língua está em constante evolução permitindo que a cons-
ciência dos sujeitos envolvidos comece a se desenvolver quando estes estão envolvidos no processo de comunicação.
Sendo assim, ensinar Física é possibilitar que o aluno participe ativamente dessa construção dos conceitos, e desta
maneira irá desenvolver sua consciência e irá aprender a se comunicar cientificamente.
A partir desses e outros pressupostos acerca das contribuições conceituais do filósofo russo Mikhail Bakhtin, res-
saltamos a importância da construção da linguagem científica para alunos sem e com deficiência visual, e a noção dos
elementos extralinguísticos constituintes da fala verbal ou não verbal em sala de aula, a dimensão social e cultural de
cada sujeito participante. É primordial que no ensino de conceitos científicos o aluno perceba as relações entre o
conteúdo e suas vivências.
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação
monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico da sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada
através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (Bakhtin,
2006, p. 125)
Esta interação verbal no ensino se em sala de aula, na relação professor x aluno e aluno x aluno, através do
diálogo entre os sujeitos que eles expressam, surgindo possibilidades reais para que a escola seja um espaço de soci-
alização e dialógico por excelência. Para Bakhtin (2011), a linguagem é dialógica e ideológica, tal processo, em sala de
aula, perpassa pelo entendimento do aluno e posteriormente por uma resposta ou por um questionamento. O autor
apresenta o conceito de “compreensão ativamente responsiva” (Bakhtin 2011, p. 271), nesse diálogo em que as vozes
dos envolvidos alternam-se entre o locutor e seus interlocutores.
Nessa linha de pensamento, cabe ao professor trazer conceitos científicos contextualizados com a época abordada
e fazer relação com as experiências sociais dos alunos, para que eles adquiram outros sentidos e saberes. Assim, cabe
aos docentes repensar e ressignificar ações e conceitos que contribuam para que os estudantes desenvolvam as com-
petências e habilidades relacionadas ao diálogo, em quaisquer esferas de signo.
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Como reforça Bakhtin, para o ensino de Física: ... o essencial na tarefa de descodificação o consiste em reco-
nhecer a forma utilizada, mas de compreendê-la num contexto concreto preciso, compreender sua significação numa
enunciação particular” (Bakhtin, 2006, p. 93).
III. O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM NAS AULAS DE FÍSICA
É comum o relato, por parte dos estudantes, de que o ensino de Física é complexo, distante de sua realidade, e que
não sabem correlacionar os fenômenos observados em seu dia a dia com o que foi apresentado em sala de aula. Não
é de se estranhar que este padrão venha se perpetuando durante décadas, uma vez que o ensino de Física tem sido,
majoritariamente, restrito à memorização de equações e exercícios comumente utilizados em vestibulares, o que
torna o aprendizado engessado, limitando a criatividade de pensamento e podando o senso crítico, não favorecendo
uma educação problematizadora, crítica e ativa (Zanetic, 2005).
De acordo com Carvalho e Sasseron (2018), para ensinar os alunos a argumentarem em sala de aula, o professor
precisa fazer o aluno falar, lembrando que essas participações não acontecem espontaneamente, assim para nossa
orientação e aos leitores deste trabalho, buscamos Carvalho e Gil-Pérez (2011), que elaboraram um quadro (figura 1)
apresentando oito pontos que os professores precisam “saber” e “saber fazer” em suas aulas, reforçando, portanto,
o tema central deste trabalho.
Figura 1. Oito pontos que os professores precisam “saber” e “saber fazer”. Fonte: Carvalho e Gil-Perez (2011, p. 18).
O primeiro item é conhecer a matéria a ser ensinada, essencial ao professor, pois é preciso apresentar o conteúdo
contextualizado com a realidade dos alunos, principalmente dos estudantes com deficiência visual. O segundo item,
conhecer e questionar o pensamento docente espontâneo, é complexo, demanda tempo, organização do planeja-
mento e aplicação das atividades que atendam todas as especificidades dos alunos.
O terceiro e o quarto item, adquirir conhecimento teórico sobre aprendizagem e aprendizagem de Ciências, e
crítica fundamentada no ensino habitual, se complementam na maneira dos docentes de investigar o senso comum
dos alunos e assim poder escolher estratégias e abordagens de ensino mais adequados ao público-alvo em consonân-
cia com as diretrizes curriculares.
O quinto item, saber preparar atividades, pode ser caracterizado como fundamental, tal como afirma Vygotsky,
que é durante a realização das atividades que o aluno se desenvolve e torna-se possível a aprendizagem de conceitos
científicos. No sexto item, saber dirigir as atividades dos alunos, está vinculado ao papel do professor, em sala de
aula, de ser mediador do saber, facilitando o diálogo e as discussões acerca do tema, para que os alunos se sintam à
vontade de expressarem suas ideias ou dúvidas.
O sétimo item, saber avaliar, reforça o que abordamos ao longo deste texto em que o aluno é o foco principal e
que direciona todas as ações pedagógicas. Para uma aula que utiliza recursos adaptados, como a construção do saber
científico a partir de gêneros textuais diferentes, assim a avaliação deixa de ser aquela prova fechada para uma per-
cepção atenta e detalhada de cada aluno e em cada etapa daquela aula. E, por fim, o oitavo item é utilizar a pesquisa
e a inovação, que permeia todos os outros itens mencionados. O professor enquanto pesquisador do processo de
ensino-aprendizagem no ensino de Física, possui um olhar que atende todas essas demandas, pois está sempre em
busca de informações para, cada vez mais, auxiliar o aluno sem e com deficiência, aprimorando suas ações diárias a
fim de minimizar as barreiras educacionais.
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IV. DEFICIÊNCIA VISUAL
No processo de desenvolvimento cognitivo, a linguagem tem papel fundamental na determinação de como o aluno
irá aprender e pensar. E em aulas de Física, é de extrema importância que o professor saiba que tipo de linguagem é
necessário usar para que a turma com alunos com deficiência visual aprenda o conteúdo abordado.
No que tange ao conceito da deficiência visual, de acordo com o decreto n. 5.296 de dezembro de 2004, são con-
siderados dois grupos de pessoas, os cegos e os de baixa visão. É considerado cego toda pessoa cuja acuidade de visão,
no melhor olho, e com a melhor correção óptica, é menor que 20/400 (0,05), ou seja, que vê a 20 metros de distância
aquilo que uma pessoa de visão comum veria a 400 metros de distância. É considerada como baixa visão toda pessoa
cuja acuidade visual, no melhor olho, e com a melhor correção óptica, é menor que 20/70 (0,3) e maior que 20/400
(0,05), ou então, os casos em que o somatório da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que
60° (Brasil, 2004).
No processo de ensino e aprendizagem para os alunos com deficiência visual, faz-se necessário utilizar recursos
que irão facilitar a aprendizagem em sala de aula, bem como minimizar as barreiras provocadas pela própria deficiên-
cia. Tais recursos como os ópticos para alunos com baixa-visão, táteis ou de tecnologia assistiva perpassam pelo tato,
audição, olfato, paladar, no entanto, a linguagem é o mediador de todo esse processo. Os autores Lira e Schlindwein
(2008), corroboram com esta afirmação, principalmente para o aluno cego:
A criança cega pode perfeitamente se apropriar das significações de seu meio e participar das práticas sociais, pois dispõe
do instrumento necessário para isso a linguagem. Além disso, a concepção de que, com o desenvolvimento das funções
psíquicas superiores, o homem transforma sua relação com o mundo e nela introduz a dimensão semiótica, minimiza a
dimensão da perda decorrente da cegueira. (Lira & Schlindwein, 2008, p. 187)
E o sentido da palavra transforma-se juntamente com o pensamento (Vygotsky, 2001, Bakhtin, 2006). Segundo
Vygotsky (2001), cada palavra é uma unidade da consciência e o sentido da palavra é a dimensão desta que melhor
revela sua dinâmica, sua variabilidade na relação com o contexto e com os demais processos psicológicos superiores.
A relação estabelecida entre linguagem e pensamento conceitual possibilita às pessoas com deficiência visual a
desenvolverem uma cultura científica. Ou seja, as aulas de Física, ou de Ciências no âmbito geral, precisam dar signi-
ficado a este aluno com deficiência visual pautado pelas relações sociais.
V. METODOLOGIAS E ESTRATÉGIAS BASEADAS NA ORALIDADE E INTERAÇÃO
A busca pelo desenvolvimento de estratégias e intervenções pedagógicas baseadas na linguagem possui como impor-
tante recurso a valorização de metodologias que explorem a relação entre ciência e arte. Em seu trabalho intitulado
Física e Arte: uma ponte entre duas culturas(Zanetic, 2006), afirma que as atividades de ensino envolvendo ciência
e arte demandam um olhar interdisciplinar, a valorização do diálogo em torno dos temas geradores e o estudo da
linguagem, respeitando-se as individualidades de cada uma das áreas do conhecimento. Desta maneira, a utilização
da arte, proposta neste trabalho, não pressupõe ações concentradas apenas na Física, mas também, e preferencial-
mente, atividades trans e interdisciplinares em que possam ser abordados temas como tecnologia, educação socio-
ambiental e tópicos das Ciências Sociais.
Cabe ao professor, preferencialmente em sinergia com os estudantes, analisar e escolher as vertentes que mais
dialogam com aquele público composto por pessoas videntes e não videntes. São muitas as possibilidades, dentre as
quais destacamos a música, literatura, dança, pinturas, esculturas, fotografia e cinema.
A seguir está transcrita um exemplo de música que poderia ser utilizada em sala de aula na discussão sobre gran-
dezas físicas e propriedades gerais da matéria. A canção “As coisas”, parceria de Arnaldo Antunes (letra) e Gilberto Gil
(música):
As coisas têm
Peso, massa, volume
Tamanho, tempo
Forma, cor
Posição
Textura, duração
Densidade
Cheiro
Valor
Consistência
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Profundidade, contorno
Temperatura, função
Aparência
Preço, destino, idade
Sentido
As coisas não têm paz
As coisas
(Rennó, 2003, p. 421)
Pensando em uma classe com alunos videntes e alunos cegos ou com baixa visão, esta canção pode ser utilizada
para trabalhar conceitos de hidrostática, fomentando a discussão em torno da diferença entre massa específica e
densidade. Em um segundo momento, pode ser feita a apresentação do empuxo como um tipo de força presente no
cotidiano dos estudantes. Muito além de propor que os estudantes analisem quais materiais afundam, flutuam ou
permanecem em equilíbrio estático em qualquer posição no interior de um reservatório de água, é importante que o
professor estimule que os alunos manuseiem os materiais e, sobretudo, que discutam sobre as possibilidades de rea-
lização do experimento. É neste momento, que a linguagem atuará como facilitadora no processo de ensino e apren-
dizagem de tais conceitos relacionados com as propriedades da matéria. O professor pode destacar termos presentes
na composição como peso, massa, volume, tamanho, consistência e contorno.
Como outro exemplo, apresentamos a seguir o poema “Física” do Nobel de Literatura José Saramago (1981,
p. 138):
Colho esta luz solar à minha volta,
No meu prisma a disperso e recomponho:
Rumor de sete cores, silêncio branco.
Como flechas disparadas do seu arco,
do violeta ao vermelho percorremos
O inteiro espaço que aberto no suspiro
Se remata convulso em grito rouco.
Depois todo o rumor se reconverte
tornam as cores ao prisma que define
À luz solar de ti e ao silêncio.
O poema de Saramago pode ser o ponto de partida para uma discussão sobre o espectro eletromagnético, os
principais fenômenos luminosos (reflexão, refração, absorção, dispersão, interferência e difração, dentre outros) e,
sobretudo, sobre a natureza da luz. Neste contexto, é interessante que a abordagem baseada em aspectos da Histó-
ria da Ciência possa trazer à tona a discussão que perdurou mais de dois séculos: a luz é uma onda ou é composta
por partículas? Para que a linguagem seja um elemento não coadjuvante, o professor e a turma podem utilizar o júri
simulado como metodologia de ensino, permitindo a construção de um cenário extremamente rico, baseado na
linguagem e na argumentação entre os componentes do mesmo núcleo e entre os diferentes grupos formados. Os
alunos podem ser divididos em dois, três ou mais grupos, o primeiro deles representando o conjunto de cientistas
que defendiam a hipótese de que a luz era composta por partículas, com destaque para a figura de Sir. Isaac Newton.
Um segundo grupo pode representar os cientistas que defendiam a hipótese de que a luz era, na verdade, uma onda,
com destaque para o físico Christiaan Huygens. Um terceiro grupo pode desempenhar o papel dos jurados e do juiz
que, ao final, ficam incumbidos de encaminhar a discussão para um cenário de conciliação em que o veredicto final
seja a compreensão trazida pela dualidade onda partícula. Durante a atividade cabe ao docente estimular o livre
diálogo e, após, o término do júri todos os estudantes devem discutir e analisar as principais falas e ideias defendidas.
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentamos um estudo da utilização da linguagem, em seu sentido amplo, como estratégia para o ensino de Física
de alunos com e sem deficiência visual. A partir dos referenciais teóricos, Vygotsky e Bakhtin, corroboram que as
ferramentas como a audiodescrição e a utilização de músicas, poemas e outras formas de manifestações artísticas são
elementos facilitadores no processo de ensino-aprendizagem. As metodologias e estratégias propostas mostraram-se
embasadas pelos referenciais utilizados que, cada qual com sua abordagem, confirmaram o potencial de utilização da
linguagem no ensino. Consideramos que a nossa proposta poderá ser ampliada com a aplicação das propostas em
turmas com alunos com deficiência visual, intervenções essas que não foram realizadas devido ao cenário de pande-
mia mundial ocorrido durante a realização desta investigação.
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Dessa forma, refletir sobre as práticas interacionais em sala de aula reforça a premissa de que o aluno é o sujeito
mais importante, é a chave para as portas da aprendizagem. É necessário que sejam repensadas as concepções e
metodologias para o ensino de Física, com vistas ao reconhecimento das diversas formas de aprendizagem/aplicação
dos conceitos físicos para alunos com e sem deficiência visual, na perspectiva curricular integradora e interdisciplinar,
promovendo as diferentes formas de manifestações culturais e científicas.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Fiocruz/RJ, UERJ e à Capes, pela oportunidade de estudo e construção deste trabalho.
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gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
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