Laboratório didático de física
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 2 (2021) 514
[...] Realçar isto e sublinhar o fato de que o discurso não ocorre em um vácuo social. Como atores sociais, nós estamos
continuamente nos orientando pelo contexto interpretativo em que nos encontramos e construímos nosso discurso para nos
ajustarmos a esse contexto. Isso fica muito claro em contextos relativamente formais, tais como hospitais e tribunais, mas
é igualmente verdadeiro também para todos os outros contextos. Para tomar um exemplo concreto, alguém pode dar uma
explicação diferente do que fez na noite anterior, dependendo do fato de que quem pergunta e sua mãe, seu chefe ou seu
melhor amigo. [...]. (Gill, 2000, p. 248)
Mesmo num discurso aparentemente simples e neutro, o contexto interpretativo em que foi proferido, pode
implicar em múltiplas interpretações. Um bom exemplo trazido por Gill (2000) é a seguinte frase: “Meu carro
quebrou”. Ela pode significar: Se dito à pessoa que lhe vendeu há pouco tempo o carro, pode soar como uma acusação,
ou seja, que o carro já não estava em boas condições antes da venda; caso seja dito para um companheiro de trabalho
no fim do expediente, pode soar como um pedido de carona; por último, se a pessoa chega atrasada a um
compromisso, pode soar como uma espécie de desculpa pelo atraso.
Uma forma de analisar discursos é prestar atenção na forma como os sujeitos respondem. Se, no exemplo
supracitado, a pessoa que vendeu o carro respondesse: “Quando eu lhe vendi o carro, ele estava em boas condições”.
Isto significa que ele entendeu sua afirmação como uma espécie de acusação.
Esse exemplo mostra que para a AD não existe discurso simples, pois depende dos interlocutores e o contexto
onde se inserem, bem como das condições de produção dos discursos, já que é uma prática social sendo desenvolvida
dentro do campo da Sociologia do conhecimento científico e da Psicologia Social (Gill, 2000).
O termo “discurso” pode ser utilizado para se referir a qualquer tipo de texto ou fala. Segundo Orlandi (2003),
discurso é a interação entre sujeitos; em nosso caso, entre os pesquisadores e a docente da disciplina em estudo,
entre a docente e seus alunos. Nas entrevistas, textos e discursos, o analista procura interpretar os efeitos de sentido
que as falas produzem que, por sua vez, dependem das condições de produção, onde ocorreram.
Como havia mais de uma turma, aplicamos parte do questionário presente no estudo longitudinal feito por
Belíssimo, Parma, Nardi e Almeida (2017), Nardi (2009) e Nardi, Almeida, Parma, Belíssimo (2016), visando analisar
como os imaginários dos estudantes variam com o decorrer do curso. Temas sobre o ensino de Ciências, o processo
de constituição dos saberes para a docência e o conhecimento científico constam no questionário, que vem sendo
aplicado anualmente, desde o ingresso dos alunos no curso em 2014. Alguns dos resultados sobre este estudo já foram
divulgados em eventos da área (Belíssimo et al., 2017; Nardi, 2009; Nardi et al., 2016). O questionário original conta
com 30 questões, mas inserimos mais uma questão (questão 8) relacionada às atividades experimentais realizadas no
laboratório didático de Física, durante o EM.
Assim, como parte do trabalho de Belíssimo et al. (2017), buscamos determinar as atividades que realizaram, além
das acadêmicas, a origem geográfica e em relação ao Ensino Médio, motivações para a escolha do Curso de Física,
expectativas profissionais ao término do curso e a questão 8 procurou verificar se o aluno havia desempenhado
atividades experimentais no laboratório de Física, ao longo do Ensino Médio.
Essas informações ajudaram a compor as características da turma ingressante e, também, colaboraram para a
escolha da turma de laboratório em que a pesquisa seria realizada, considerando a maior heterogeneidade encontrada
nas respostas.
Após a escolha da turma, aplicamos, no primeiro semestre de 2017, questionários que possuíam questões sobre
os conceitos envolvidos nos experimentos que realizaríamos, visando conhecer as concepções alternativas destes
alunos em mecânica.
Foi realizada uma busca por artigos científicos na literatura nacional e internacional que tratassem desta linha de
pesquisa. Assim, as questões foram elaboradas, a partir da leitura destes trabalhos e através de discussões com o
orientador desta pesquisa sobre alguns pontos que seriam essenciais nos questionários.
Nas aulas realizadas no laboratório de Física I acompanhadas pelo pesquisador, os estudantes deveriam realizar,
ao todo, cinco experimentos, dentre eles: Movimento de Queda Livre, Velocidade Média e Instantânea, Cinemática
no Plano Inclinado, Estudo da Segunda Lei de Newton e Lançamento de Projéteis.
Dentre esses experimentos, foram selecionados os três últimos para realizarmos nossa pesquisa, cuja questão
central refere-se à introdução de resultados de pesquisa em Ensino de Ciências/Física na prática do professor
universitário. Foram utilizadas, como elemento de pesquisa, as concepções alternativas dos alunos, além de ter, neste
caso, um docente que realiza pesquisa numa área distinta a de ensino e não tem formação na Área de Ensino de Física,
conforme destacado anteriormente.
Como fundamentação teórica, utilizamo-nos de pesquisas que apresentavam estudos sobre as concepções
alternativas dos estudantes relacionadas aos temas selecionados. É importante salientar que estes estudos mostraram
que, muitas vezes, estas concepções espontâneas ou alternativas permaneciam, mesmo após o ensino formal
(Viennot, 1979; Silveira, Moreira e Axt, 1986; Moraes e Moraes, 2000).
O conhecimento dos alunos, antes de passarem pelo ensino formal, passou a ser objeto de pesquisa, no início dos
70, sendo que os primeiros estudos foram realizados na área de mecânica. Por exemplo, o trabalho de Viennot (1979)