Currículo de Física na perspectiva Freire-CTS
www.revistas.unc.edu.ar/index.php/revistaEF
REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 34, n.o 1 (2022) 115
III. ASPECTOS TEÓRICOS
O ENEM foi instituído em 1988 tendo como objetivo avaliar os estudantes ao término da educação básica. A partir de
2009 o exame alterou sua metodologia, passando a ser também uma forma de ingresso nas IES, através do Sistema
de Seleção Unificada (SISU) e o Programa Universidade Para Todos (ProUni). Ainda, o exame foi organizado com uma
prova de Redação e 180 questões objetivas, divididas em quatro áreas do conhecimento: Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias e, por fim, Ciências da Natureza e
suas Tecnologias.
Embora o ENEM tenha se tornado nos últimos tempos mais conteudista, o exame é elaborado com base em cinco
eixos cognitivos, comuns a todas as áreas do conhecimento, descritos na Matriz de Referência do ENEM, sendo eles:
I. Dominar linguagens (DL): dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística
e científica e das línguas espanhola e inglesa. II. Compreender fenômenos (CF): construir e aplicar conceitos das várias áreas
do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica
e das manifestações artísticas. III. Enfrentar situações-problema (SP): selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e
informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema. IV. Construir argu-
mentação (CA): relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações
concretas, para construir argumentação consistente. V. Elaborar propostas (EP): recorrer aos conhecimentos desenvolvidos
na escola para elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e conside-
rando a diversidade sociocultural (BRASIL, 2021, p.1).
Considerando os eixos cognitivos mencionados acima, não nos faz sentido desenvolver em sala de aula uma edu-
cação conteudista, memorizadora. Desta forma, defendemos a utilização, no contexto supracitado, do referencial
teórico-metodológico da Abordagem Temática em sintonia com os pressupostos da articulação Freire-CTS.
A perspectiva da Abordagem Temática (Delizoicov, Angotti e Pernambuco, 2011) vem ganhando destaque na área
de educação em ciências, principalmente em propostas de reorganização curricular. Pierson (1997) caracteriza a Abor-
dagem Temática como “o que ensinar não é tomado como um dado a priori”. Dentre os principais objetivos de traba-
lhar nesta perspectiva, Giacomini e Muenchen (2015, p.342) destacam alguns, sendo eles:
[...] produzir uma articulação entre os conteúdos programáticos e os temas abordados, superar os principais problemas e
limitações do contexto escolar, produzir ações investigativas e problematizações dos temas estudados, levar o aluno a pen-
sar de forma articulada e contextualizada com sua realidade e fazer com que ele possa ser ator ativo do processo de en-
sino/aprendizagem.
A formação de cidadãos críticos, a inserção do aluno na sociedade, a busca de sentido para a educação científica
e tecnológica e a contextualização do conhecimento científico são os objetivos encontrados na maioria dos discursos
que caracterizam o movimento CTS no contexto educacional, segundo Strieder (2012). Ainda, de acordo com a autora,
existem diferentes perspectivas de abordagens CTS, mas seus objetivos podem ser reunidos em três grandes grupos:
i) Proporcionar um ensino de ciências que permita ao educando enxergar a própria realidade a partir dos conhecimen-
tos científicos; ii) Desenvolver no educando um senso crítico de maneira que ele possa discutir com propriedade as
implicações da ciência e tecnologia na sociedade; iii) Capacitar o educando para que ele tome atitudes de maneira a
mudar a própria realidade. Dessa maneira, a neutralidade da ciência-tecnologia deixa de existir e o seu desenvolvi-
mento deve levar em conta o contexto social.
No contexto brasileiro, autores como Auler (2007), discutem e defendem a articulação entre os pressupostos CTS
e as ideias do educador Paulo Freire, essencialmente às relacionadas ao campo curricular. Segundo o autor, a leitura
crítica da realidade, assim como a superação da chamada “cultura do silêncio” (pressupostos freireanos), podem po-
tencializar a compreensão crítica das relações entre ciência, tecnologia e sociedade, além de democratizar as decisões
envolvendo ciência e tecnologia. Nesta perspectiva, Almeida e Strieder (2021) evidenciaram, em uma de suas investi-
gações, que o objetivo geral da articulação Freire-CTS “é o estudo da realidade, de forma a considerar as relações com
a atividade científica-tecnológica, uma vez que a CT tem causado profundas transformações sociais”. Ainda, as autoras
citam três pressupostos fundamentais na articulação Freire-CTS, sendo eles: a problematização da atividade científica-
tecnológica, a busca por uma maior participação social e o ensino de ciências via temas da realidade dos estudantes.
Ademais, devemos salientar que a mediação entre o diálogo e o conhecimento científico é realizada pela proble-
matização. Entretanto, não se está a falar de qualquer problematização, muito menos daquela que esteja amparada
somente nos conhecimentos científicos. A problematização nesse viés tem o objetivo de exercer uma análise crítica
sobre a realidade em questão, de modo que tal análise é feita com base nos conhecimentos científicos, por meio do
diálogo (Muenchen, 2010). Problematizar somente com base nos conceitos científicos, mas esquecer do contexto real,
dos problemas e das situações cotidianas - se é que isso seja possível - é tão equivocado quanto problematizar so-