Referenciais teórico-metodológicos na pesquisa
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 35, n.
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[...] a análise de conteúdo é uma técnica para ler e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos, que analisados
adequadamente nos abrem as portas ao conhecimento de aspectos e fenômenos da vida social de outro modo inacessíveis.
A matéria-prima da análise de conteúdo pode constituir-se de qualquer material oriundo de comunicação verbal ou não-
verbal, como cartas, cartazes, jornais, revistas, informes, livros, relatos autobiográficos, discos, gravações, entrevistas, diá-
rios pessoais, filmes, fotografias, vídeos etc. Contudo os dados advindos dessas diversificadas fontes chegam ao investigador
em estado bruto, necessitando, então ser processados para, dessa maneira, facilitar o trabalho de compreensão, interpre-
tação e inferência a que aspira a análise de conteúdo.
Nesse sentido, a análise de conteúdo, sob uma perspectiva meta-analítica, envolve necessariamente o uso de sof-
twares capazes de categorizar e hierarquizar os elementos textuais objetivados. Em Ferreira y Loguercio (2014), já
discutíamos as potencialidades e limitações do uso de softwares como recurso para a realização da técnica da análise
de conteúdo, aproveitando-se das capacidades das tecnologias de informação e comunicação atualmente dissemina-
das. Entre as potencialidades destacamos, para além da capacidade de armazenamento e organização dos dados ana-
lisados, a possibilidade de “[…] analisar dados de maneiras descritiva e inferencial, quantitativa e qualitativamente,
facilitando o uso de técnicas de análise estatísticas multivariadas, fundamentais para a análise de fidedignidade dos
resultados obtidos” (Ferreira y Loguercio, 2014). Tais potencialidades são de especial interesse quando se trata de
estudos com o fito de analisar grandes quantidades de dados, tais como realizamos em Ferreira y Loguercio (2016,
2017), Nogueira, Ferreira y Lira (2020), Ferreira et al. (2021a) e Ferreira (2023).
B. Relações de saber, poder e subjetividade em referenciais teórico-metodológicos na pesquisa em Ensino de Física
Partimos, neste trabalho, da clarividência de que referenciais teórico-metodológicos não se constituem “natural-
mente”, ou “por si só”, como o desdobramento inarredável de uma devir pré-estabelecido. Ao contrário, tais referen-
ciais teórico-metodológicos fazem parte da própria constituição da subjetividade de um grupo, vista por meio de suas
práticas narrativas e éticas, que se constituem a partir de relações de saber-poder-subjetividade (Foucault, 1972, 1979,
1986, 1988, 1998, 1991, 2004, 2011, 2012 y 2019) e, desde então, passam a ser constitutivas do próprio campo. Nesse
sentido, não há como não nos referirmos a Michel Foucault, que foi o expoente pós-moderno mais profundo de tais
relações. De fato, em O sujeito e o poder, Foucault (2007, p. 1) afirma: “Meu propósito não foi analisar o fenômeno
do poder, tampouco elaborar os fundamentos de sua análise, ao contrário, meu objetivo foi elaborar uma história dos
diferentes modos pelos quais os seres humanos são constituídos em sujeitos”. Neste trabalho, a investigação histórica
(ou historiográfica) se reveste naquela dos processos de constituição de significados, que carregam na linguagem as
relações de poder e constituição de subjetividade que se constituem em determinado campo de produção de conhe-
cimentos. Nesse sentido, Ferreira (2018, p. 176) afirma que
Encarando-a como modo de vida, Foucault entendia a filosofia, portanto, como meio de ressaltar ênfases e de tornar (ainda
mais) visível o que é, stricto senso, visível. Põe-se em paralelo, portanto, com uma tradição marxista do desvelamento, isto
é, de que o real seria um objeto a lapidar e de que a essência das coisas se alcançava a partir do conhecimento e da ultra-
passagem de uma ideologia dominante. Não se trata de buscar lá longe (na superestrutura, por exemplo), para além do
sujeito e de uma certa ordem das coisas, o algoritmo de funcionamento do que se convencionou chamar de realidade. Essa
explicação, se é que existente, sempre esteve, para Foucault, na materialidade dos objetos, no seu acontecimento, num
campo muito preciso de operação, de aparecimento e desaparecimento.
A materialidade de que tratamos, neste trabalho, é aquela que emerge, via meta-análise e por meio da análise de
conteúdo, de uma metalinguagem constitutiva de direcionamentos (e, pois, fonte de saber-poder-subjetividade) de
uma área específica do conhecimento, seu campo de operação.
Nesse sentido, como já ressaltamos, há, neste trabalho, uma dupla chave interpretativa que remonta, sempre na
perspectiva semiótica, a uma arqueologia e uma genealogia (ou, em termos contemporâneos, a uma arqueogenealo-
gia): arqueologia por se buscar desvelar os “ossos” condicionantes de determinadas decisões epistemológicas, assim
como a genealogia por se determinar a maneira pela qual tais decisões se constituem em um devir, ao olhar seus
resultados e comparar com seus fundamentos sociais. É dessa dupla chave interpretativa, caracteristicamente focau-
ltiana em sua dimensão interrelacional, que se espera emergir um tipo particular de subjetividade. Assim, no domínio
do método, trata-se de buscar o desvelamento da maneira como se forma o conhecimento (dimensão arqueológica),
como surge determinado objeto na relação saber-poder (dimensão genealógica) e como se constitui a subjetividade
(dimensão ética) de sujeitos interagentes – gestados e produtores de – um campo de produção do conhecimento
(Ferreira, 2018).
A dimensão arqueológica, pois, visa
[...] mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de contato, ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o
intricamento entre um léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio de exemplos precisos, que, analisando os
próprios discursos, vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um