EL SILENCIO DE NARRAR
https://revistas.unc.edu.ar/index.php/testimonios/index
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS
Año 13 N°13 2024
ISSN 1852-4532
* Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil. Email: tgmhistoria@gmail.com. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-4871-7938
** Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil. Email: rejane.rodrigues@unimontes.bra. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-3387-5677
Esta obra está sujeta a la Licencia Reconocimiento-NoComercial-CompartirIgual 4.0 Internacional de Creative
Commons. http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/
El silencio de narrar
The silence of narrating
Talita Gonçalves Medeiros*
Rejane Meireles Rodrigues**
Resumen
Contar, narrar, hablar, recordar… palabras que forman parte del vocabulario de los
investigadores que trabajan con la metodología de la Historia Oral. Este artículo trata
sobre el uso de esta metodología y las experiencias que hemos tenido hasta ahora. Fruto
de una investigación postdoctoral que está en marcha en el Programa de Postgrado en
Historia, de la Universidad Estadual de Montes Claros/MG, Brasil, cuyo tema trata sobre el
sufragio femenino, buscamos en este escrito específico discutir el silencio/silencio frente a
fecha, proponiendo entrevistas con los 4 concejales y un ex teniente de alcalde de la ciudad
de Montes Claros. Estos intentos han movilizado nuestra atención y nuestros esfuerzos, ya
que es sumamente importante en esta etapa de la investigación escuchar a las mujeres que
actualmente ocupan cargos concejales en la ciudad. Sin embargo, el silencio se ha
convertido en la tónica de la investigación y los esfuerzos por contactar con algunos e
incluso la devolución de entrevistas ya realizadas a otros no están surtiendo ningún efecto.
Por ello, en este escrito buscamos debatir y analizar qué ha movilizado este
silencio/silenciamiento, buscando comprender qué lo motiva, además de buscar
comprender si existe una posible relación entre voto, feminismo y silencio en la ciudad de
Montesclaro.
Palabras clave: Silencio Sufragio Historia Oral Mujeres Entrevista
Abstract
Telling, narrating, speaking, remembering... words that are part of the vocabulary of
researchers who work with the Oral History methodology. This article is about the use of this
methodology and the experiences we have had so far. The result of post-doctoral research
that is underway in the Postgraduate Program in History, at the State University of Montes
Claros/MG, Brazil, whose theme deals with women's suffrage, we sought in this specific
writing to discuss the silence/ silence faced to date, by proposing interviews with the 4
councilors and a former deputy mayor of the city of Montes Claros. These attempts have
mobilized our attention and our efforts, since it is extremely important at this stage of the
research to listen to the women who currently hold council positions in the city. However,
silence has become the keynote of the research and efforts to contact some and even the
EL SILENCIO DE NARRAR
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS N°13 2024
230
return of interviews already carried out with others are not having any effect. Therefore, in
this writing, we seek to debate and analyze what has mobilized this silence/silencing, seeking
to understand what motivates it, in addition to seeking to understand whether there is a
possible relationship between voting, feminism and silence in the city of Montesclaro.
Keywords: Silence Suffrage Oral History Women Interview
Introdução
A cidade de Montes Claros, localizada no estado de Minas Gerais, no Brasil, é uma cidade
grande com ares de cidade interiorana. MOC como é comumente conhecida, possui
inúmeros atrativos, dentre os mais diversos parques, bares e cafeterias. A universidade é
um complexo extenso, que possui cursos de humanidades, ciências aplicadas e ciências
sociais. Dentre o curso de humanidades, encontra-se o de História, com graduação e pós
graduação. E é nesse curso, especificamente na Pós Graduação, que minha história começa
em MOC e com a UNIMONTES.
Oriunda da cidade de Pelotas, interior do Rio Grande do Sul, Brasil, a mudança para Minas
Gerais, ocorreu após a aprovação no processo seletivo do Pós Doutoramento em História,
na referida instituição. O projeto de pesquisa intitulado Bela, Recatada e do Lar
1
:uma
análise da construção de modelos de mulheres modernas da elite na Revista da Semana
(1900-1959), ganhos novos contornos e estudos, após diálogos com minha supervisora, a
Profa/Dra Rejane Meireles. Especialista nos estudos sobre imprensa, Rejane e eu,
concluímos que devíamos ampliar a perspectiva de análise da temática, além da fonte
Revista da Semana e da cidade do Rio de Janeiro. Nos perguntávamos: e em Montes Claros,
qual a relação da cidade com o sufrágio feminino? Como aqui ocorreu a conquista do voto
feminino? A resposta foi encontrada nos jornais, ou melhor, não foi!
Explico: Após os diálogos firmados, direcione-me para o Centro de Pesquisa e
Documentação Regional- CEPEDOR. Excelentes profissionais me acolheram. O jornal
escolhido foi o Jornal Gazeta do Norte, devido ao maior tempo de circulação na cidade. A
investigação começou. As expectativas aumentavam a cada página em que o assunto não
1
Título de uma reportagem da revista Veja, no ano de 2016, que exaltava as belezas, as virtudes e o
comportamento de Marcela Temer (MDB Movimento Democrático Brasileiro, considerado no espectro
político, um partido de centro), esposa do então Presidente da República, no referido ano. Marcela, tornou-se,
nesse período, o modelo de mulher “adequada”, com comportamentos tidos como femininos que deveria ser
seguidos pelas demais mulheres na sociedade brasileira. O título da pesquisa que recebe esse nome na
atualidade é uma forma de análise crítica da construção de mulheres a partir de modelos performativos de
gênero, daquilo que entende-se e espera-se como conduta “adequada” socialmente a uma mulher. Link para
reportagem:https://veja.abril.com.br/brasil/marcela-temer-bela-recatada-e-do-lar/
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
231
era localizado, uma vez que cada uma delas trazia notícias sobre os mais variados assuntos
e temas. Editoriais com reportagens nacionais sobre a política, a economia, dentre outros
assuntos da cidade de São Paulo, Rio de Janeiro e da capital, Belo Horizonte, animavam. As
reportagens internacionais, empolgavam. Isso demonstrava o alcance que o Jornal Gazeta
do Norte possuía, bem como, seu interesse pelas notícias do que circulavam no Brasil, e, de
um modo em geral, no mundo. Páginas e páginas folhadas. Chegamos ao ano de 1932, ano
de consolidação e implementação do voto feminino no Brasil, vale advertir que até aquele
momento, não havia sido localizado nenhum tipo de reportagem que mencionasse a luta
sufragista; mas, no ano em questão fomos surpreendidas, com uma breve passagem do
referido jornal afirmando que: agora as mulheres podem votar”. Algo breve, rápido, sem
maiores detalhes ou explicações, apenas a informação. Seguidamente, após essa
declaração, outras tantas passaram a compor as páginas do jornal, mas vale advertir,
contudo, que todas essas reportagens que passaram a citar a mulher e a cena pública eram
acompanhadas por reflexões, debates e conclusões a respeito da importância do cuidado
com o lar, as crianças e o corpo. O bela, recatada e do lar, alcançou sua potência máxima de
exigência!
A investigação no Jornal Gazeta do Norte, foi finalizada no ano de 1959, por dois motivos:
primeiro, a falta de informações acerca do tema em questão, e a segunda, a data limite da
Revista da Semana, que é o ano de 1959, com isso decidimos acompanhar e finalizar as
duas fontes na mesma data. Com o encerramento das pesquisas no Jornal Gazeta do Norte,
chegamos à conclusão de que nossas perguntas não foram respondidas. Analisamos as
possibilidades, e acreditamos que o uso da metodologia de História Oral, uma pesquisa de
campo com as 4 (quatro) vereadoras eleitas e com a ex vice prefeita da cidade de Montes
Claros, poderia contribuir e nos auxiliar na compreensão e análise da pesquisa e, assim,
poderíamos obter as respostas que desejávamos. E assim fizemos.
As entrevistas foram realizadas, seguindo a metodologia de História Oral. Elas foram
realizadas nos gabinetes das vereadoras, na sede atual da Prefeitura de Montes Claros,
conforme dia e horário previamente combinado com elas. Seguimos as aplicações
metodológicas ensinadas por Verena Alberti (2006), tais como: roteiro para entrevista,
documento de autorização para gravação da entrevista, gravação da entrevista,
transcrição da entrevista com envio para aprovação e, então após a aprovação, envio do
documento final, que é documento de concessão da entrevista para uso acadêmico.
Contudo, infelizmente, após as entrevistas realizadas com as 3 (três) vereadoras, e o envio
das entrevistas transcritas para verificação e autorização, não obtemos mais respostas das
nossas entrevistadas, nossas mensagens via mídia digital, Whatsapp, não forma mais
EL SILENCIO DE NARRAR
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS N°13 2024
232
respondidas. Apenas uma das entrevistadas cumpriu com o todo processo e nos concedeu
o uso da sua entrevista para fins acadêmicos, para uso em nossa pesquisa atual
2
. Mesmo
com a nossa insistência, não obtivemos mais nenhum tipo de resposta, e o
silêncio/silenciamento se tornou um princípio. Nas mensagens enviadas as elas, ofertamos
ajuda, caso tivessem dúvidas a respeito da transcrição, nos colocamos à disposição para
novas conversas, dúvidas, questionamentos que poderiam acontecer de modo presencial
ou por meio de mídias digitais, mas, novamente, não obtivemos mais respostas quanto às
nossas mensagens. Não compreendemos, até o presente momento, qual teria sido a
motivação do silencio/silenciamento delas, afinal, nos concederam as entrevistas,
dialogaram conosco, foram alertadas sobre os usos da entrevista na pesquisa. Salientamos
que não houveram quaisquer intercorrências que as deixem desconfortáveis ou perguntas
as quais se negaram a responder. As entrevistas fluíram de modo harmônico, leve, sem
qualquer constrangimento para ambas as partes ou qualquer outro tipo de problema a ser
considerado. Apenas sabemos que o silêncio/silenciamento novamente tomou a tônica na
nossa pesquisa.
Sendo assim, é isso que desejamos nessa escrita: refletir sobre a conduta, o uso do
silencio/silenciamento, por parte das vereadoras, ocorrido após as entrevistas. Por que
após nos receber em seus gabinetes, gravar as entrevistas, assinar o documento de
concessão da entrevista, receber a entrevista transcrita as vereadoras não responderam
mais nossas mensagens? Nos mobiliza a busca pela compreensão do porquê do
silêncio/silenciamento, mesmo após as entrevistas terem sido concedidas. Por que
aceitaram falar e depois não autorizaram o uso da entrevista na pesquisa acadêmica, ou
melhor, por que se quer retornaram nossas mensagens após as entrevistas? Vale ressaltar
que algumas delas, nem mesmo responderam a nossa mensagem de apresentação e
convite, como foi o caso da quarta vereadora e da ex vice prefeita da cidade de Montes
2
A vereadora em questão, a única que nos concedeu a entrevista de modo completo com a assinatura da
autorização para uso com fins acadêmicos se chama Iara Pimentel, filiada ao Partido dos Trabalhadores - PT.
Iara Pimentel, possui uma trajetória como militante, (re)conhece seu local de fala enquanto mulher,
(re)conhece a importância da pesquisa acadêmica, uma vez que é formada em Geografia na própria
UNIMONTES, bem como, sabe e salienta em sua entrevista, a importância de pesquisas acadêmicas sobre a
trajetória das mulheres, e acima de tudo da importância da fala das mulheres na política e sobre política, sobre
espaço de poder e relações de gênero. Sobre as demais vereadoras, não podemos apresentar mais detalhes,
uma vez que não recebemos autorização através da assinatura da concessão das entrevistas, e isso poderia
expô-las e até mesmo identificá-las, visto o número reduzido de vereadoras e os partidos do qual fazem parte,
sendo eles, de esquerda, direita e extrema direita. Utilizar qualquer signo de identificação poderia identificá-
las, e assim, estaríamos infringindo regras éticas da pesquisa e com isso podemos sofrer sanções e
penalidades, bem como, a Universidade Estadual de Montes Claros, também. Por isso, optamos apenas em
chamá-las de vereadoras, de um modo em geral, sem qualquer tipo de identificação.
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
233
Claros. Buscamos assim, compartilhar com nossos pares, as experiências do
silêncio/silenciamento que vivenciamos, em nossa pesquisa e intencionamos a reflexão
desta problemática. Salientamos que essas problematizações se tornarão presentes na
escrita, em alguns momentos com mais fôlego ao longo do texto, uma vez, que,
compreender essa emoção, é aqui nosso objetivo, na tentativa de alcançarmos as repostas,
ou não, das possíveis mudez.
Trajetória da pesquisa: entre a História oral, silêncio e os entrecruzamentos e as
delimitações do tema
A mudez como resposta: do que “falam” nossas convidadas à pesquisa?
Após uma breve pesquisa, na Prefeitura de Montes Claros, tivemos acesso ao contato
telefônico das 4 (quatro) vereadoras e de 1 (uma) ex vice prefeita da cidade de Montes
Claros. Enviamos a mesma mensagem para todas: apresentando-nos, convidando-as para
fazer parte da pesquisa e explicando os fins acadêmicos que essas entrevistas teriam. A
resposta de 2 (duas) das vereadoras veio no dia seguinte: aceitavam participar da
pesquisa. A terceira vereadora nos respondeu dois dias depois, também aceitando
participar da entrevista, e a quarta só foi possível o contato após a viabilização de uma das
vereadoras entrevistadas. Sobre a ex vice prefeita da cidade, passados 3 (três) dias da
mensagem inicial, retomamos o contato, enviando uma outra mensagem, que logo foi
retornado com um longo texto, informando que não deseja participar, visto não ter nada a
contribuir com o debate, segundo suas palavras.
Após o aceite de 3 (três) vereadoras, iniciamos o processo de negociação de dias, horários
e locais para realizar a entrevista. Novamente retomamos o contato, e apenas 2 (duas)
confirmaram as datas e horários previamente combinados. A terceira vereadora, dessa
lista, até o momento não retornou nossas mensagens. Realizamos a entrevista com as 2
(duas) vereadoras. As entrevistas ocorreram nos dias e horários combinados, sem
intercorrências ou problemas. Fomos recebidas de forma gentil e amigável pelas
vereadoras que responderam a todas as perguntas. Combinamos que uma semana após a
entrevista entregaríamos a cópia com a transcrição para leitura e aprovação, e assim foi
feito. No entanto, após a transcrição e envio dos textos, para as 2 (duas) vereadoras,
apenas 1 (uma) devolveu o texto com o termo de consentimento da entrevista assinado. A
outra vereadora que cedeu a entrevista e que es em posse do texto transcrito, não
respondeu mais nossas mensagens. A primeira entrevistada que viabilizou o contato com a
EL SILENCIO DE NARRAR
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS N°13 2024
234
quarta vereadora, apresentando-nos a ela em seu gabinete, aceitou conceder a entrevista e
a partir dessa conversa, nossa entrevista ficou agendada para próxima semana, contudo,
no dia da entrevista ela foi cancelada pela assessora da vereadora em questão. Dias após a
esse cancelamento, entramos em contato novamente com a assessoria desta terceira
vereadora e conseguimos agendar a nossa entrevista. Ela ocorreu no gabinete da
vereadora, sem qualquer problema, dias após as trocas de mensagens. Portanto, até o
presente momento, possuímos 3 (três) entrevistas concedidas pelas vereadoras de Montes
Claros, Minas Gerais.
É importante observar, fazendo um adendo na reflexão, que o processo de
silêncio/silenciamento ocorreram nos primeiros contatos, com a minha apresentação,
na apresentação do tema. De uma forma em geral, o não responder as mensagens, tornou-
se, infelizmente, a tônica dos contatos. Apenas uma, como observado, retornou dizendo
não a nossa pesquisa. As demais, apenas, silenciaram, não respondendo as mensagens. O
que fez com que essas mulheres não aceitassem participar da pesquisa? O que as motivou
a desistir, a simplesmente não responder mais nossas mensagens ou até mesmo não
considerar sua participação na política com algo importante e sem nada a contribuir? Por
que elas não falaram não para minha pesquisa e optaram apenas por não responder mais
as mensagens? São muitas dúvidas!
Assim, o que traz a presente escrita, é o silêncio/silenciamento, e também, o desejo de
compreender o porquê dessas mulheres não assinaram o termo de consentimento de
entrevista para uso acadêmico, mesmo após ter passado por todo o processo da
metodologia da História Oral. Ou mesmo, da não resposta da quarta vereadora, que não
respondeu nossas mensagens, nem para dizer que não, nem para combinar a entrevista.
Nossa reflexão também é problematizadora do não inicial, como por exemplo, o não da ex
vice prefeita que nem mesmo permitiu, ou se permitiu, conhecer a entrevista para negá-la.
Por que o não? Por que o silêncio? Haja visto, como salientado, inicialmente nossa
pesquisa e busca ocorreu no Jornal Gazeta do Norte/MG, do qual também nos
confrontamos com o silêncio/silenciamento. Se o leitor e a leitora nos permite,
gostaríamos de fazer um breve reflexão sobre o Jornal Gazeta do Norte e o seu
silencio/silenciamento acerca da participação das mulheres na política monteclarense.
O Jornal Gazeta do Norte foi fundado em 1918, por José Thomaz de Oliveira, advogado que
fixou residência em Montes Claros, após sua formação. Interessado por política, poucos
anos depois fundara o jornal. O Jornal Gazeta do Norte era ligado ao grupo político da
família Prates em especial, Camilo Prates, amigo de Oliveira, e político reconhecido na
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
235
cidade. A cidade politicamente, de modo rápido podemos definir assim, era dividida entre
“os de cima” e “os de baixo”. Os “de baixo” pertencia a classe política de Oliveira e Prates, e
demais líderes políticos coligados a esses dois nomes. na parte de cima” da cidade
estava localizada a residência da família Alves, onde seus moradores, e alguns
comerciantes eram adeptas a este político. Esta rivalidade política entre os de “cima” e os
de “baixo”, atravessou anos de confronto.
Em 6 de fevereiro de 1930, aconteceu em Montes Claros, um grande tiroteio (aqui o
podemos afirmar que o mesmo ocorreu exclusivamente por motivações políticas, mas, ao
que tudo indica também possuía essas motivações) que, infelizmente, culminou com a
morte de várias pessoas. Nesta ocasião, é bom lembrar que a cidade de Montes Claros,
recebia o então vice presidente Melo Viana para participar de um congresso, o Congresso
do Algodão, e segundo alguns memorialistas, por conta disso, teria ocorrido um
desentendimento entre membros dos grupos políticos opositores, o que teria culminado
no então grande tiroteio da cidade. Uma das vítimas fatais desse embate, foi uma das filha
do dono do Gazeta do Norte, José Thomaz de Oliveira. Consternado com a morte de sua
filha, Oliveira afastou-se da política naquele momento, e com isso, após tiroteio, o “grupo
de cima”, acabou assumindo a liderança da política local. O Jornal Gazeta do Norte, neste
momento, ficou sobre a liderança de dois filhos de José Thomaz de Oliveira, Ari e Jair, que
passaram a atacar os então ocupantes dos cargos administrativos da cidade. Como forma
de demostrar seu poder político, social e econômico, e também de mando na cidade, o
grupo dos de “cima” promoveram o empastelamento da sede do Jornal Gazeta do Norte. O
retorno das atividades deu-se a partir de Jair, filho de Oliveira, que alimentava uma grande
mágoa pela morte da sua irmã e também pelo empastamento do jornal. O retorno do
jornal, somente aconteceu alguns meses após o seu empastelamento, e passou a dedicar
suas escrita, com mais veemência, a crítica à política local e regional, dedicando sua
atenção, em especial, a política e a economia da região. Demais assuntos, não eram do
interesse do mesmo, haja visto, as motivações políticas e ideológicas assumidas por Jair
para conduzir o jornal, a partir de sua retomada, como chefe editor.
Desta forma, de modo breve e conciso, conseguimos compreender algumas das motivações
e interesses, e também dos seus não interesses, em dedicar seu tempo a algumas
reportagens e matérias e as veicular pelo mesmo. Não utilizando essa retórica como
justificativa, podemos refletir, primeiramente sobre a motivação assumida à retomada do
jornal, bem como, os interesses políticos e econômicos, da família, e sua posição
conservadora que desde cedo se mostrou clara nas páginas do Jornal Gazeta do Norte.
EL SILENCIO DE NARRAR
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS N°13 2024
236
Sendo assim, portanto, o silêncio/silenciamento como forma de repúdio ao movimento
feminista e de direito ao voto da mulher se faz entendível, não compreensível, uma vez
que, como fonte divulgadora das notícias que circulavam no mundo, como foi possível
verificar em suas páginas, claramente uma escolha em não noticiar, uma clara
convicção do pouco interesse em reportar algo para o público que naquele momento,
talvez, não os indicaria nada além de uma possibilidade: as mulheres poderiam, a partir
daquele momento, votar e serem eleitas. Sendo assim, acreditamos que o Jornal Gazeta do
Norte, não se interessou em publicar em suas páginas esse fato histórico, uma vez que seus
interesses eram outros políticas e econômicas- e não as problemáticas sociais e, também,
por consideram de modo pouco interessante, acreditando possivelmente, que isso pouco
alteraria alguma solução política ou social ou econômica do país. Grande engano do Jornal
Gazeta do Norte! Sem dúvidas, essas são apenas algumas poucas suposições, pois o que
temos de fato, é o silencio/silenciamento desse jornal a respeito da conquista do voto
feminino, em 1932.
Outra fonte que gostaríamos de destacar na escrita, de forma breve, são as obras dos
memorialistas
3
. O registro sobre Montes Claros pelos memorialistas existe desde o final do
século XIX, com a publicação primeira obra intitulada como “Monografia sobre Montes
Claros”, de Augusto Veloso. Ao longo do século XX, Montes Claros, ganhou muitas
produções. Foram vários textos produzidos, em diferentes datas, sendo que a maioria foi
escrita após 1957
4
. Nesta seara, uma obra se destaca, “Montes Claros: sua História, sua
gente e seus costumes” de autoria de Hermes de Paula
5
, de 1957. Este destaque se deve
justamente ao fato de ter sido a obra escrita e eleita para comemorar o centenário da
elevação de Montes Claros à condição de cidade, em 1957. Esta obra, tornou-se oficial e
referência” em relação a escrita sobre o passado, acontecimentos e pessoas “importantes
para a cidade. Como se trata de uma trilogia, o volume de mero 2 (dois) é dedicado
exclusivamente para genealogias e antologias. Nas biografias, que constam na antologia,
temos pelo menos 44 (quarenta e quatro) nomes, sendo dentre estes, apenas 4 (quatro) de
mulheres, e todas são apresentadas no livro possuindo ligações com a educação, sendo 3
(três) professoras e 1 (uma) o livro não afirma a profissão. As 4 (quatro) mulheres citadas
3
São escritores e escritoras que escrevem sobre história, mas cada um o faz de sua maneira, e essa é a
primeira característica diferenciadora de um trabalho historiográfico para um memorialista: as regras teórico-
metodológico previamente estabelecidas no caso da escrita acadêmica não existem.
4
Rebenta Boi de Cândido Canela e as obras escritas por Nelson Viana: Foiceiros e vaqueiros, Serões
Montesclarenses e Efemérides Montesclarenses Parte I e II.
5
Médico, professor da Escola Professor Plínio Ribeiro, seresteiro e memorialista.
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
237
estão ligadas à musica, a poesia e são escritoras de jornais, que dedicam sua escrita as
colunas ligadas às expressões artísticas. É importante analisarmos esta estatística dos
escritos de Hermes de Paula, pois, ele se tornou referência para memorialistas, uma vez
que, sua estrutura de texto e escrita foram repetidas por décadas por outros
memorialistas. E, assim, como no volume de número 2 (dois), nos volumes 1 (um) e 3
(três) também, quase inexistem referências a mulheres, e quando estas aparecem, são
mencionadas sempre como “dando suporte” aos homens.
Além da obra de Hermes de Paula, gostaríamos de trazer para esta análise mais duas obras
memorialísticas sobre Montes Claros, que são “Montes Claros era assim...” escrita por Ruth
Tupinambá Graça, publicada em 1986 e “Montes Claros de ontem e hoje” de autoria de
Inove Silveira e Zezé Colares, obra publicada em 1999. Duas obras que falam sobre a
história da cidade de Montes Claros, escritas por mulheres, que se destacam por serem de
“famílias tradicionais da cidade” e ligadas à educação: foram professoras, voltadas às artes,
poetisas, escritoras e, no caso de Zezé Colares, folclorista e fundadora de um dos maiores
grupos folclóricos da cidade. Analisando as duas obras em questão, vale advertir que
ambas apresentam traços em comum: fazem pouquíssimas referências à mulheres. Ruth
Tupinambá, de 25 (vinte e cinco) títulos de capítulos da sua obra, apenas em 1 (um) título
faz menção a uma mulher, sua mãe. E na obra escrita por Silveira e Colares, são 6 (seis)
títulos que compostos de subtítulos apresentam desdobramentos dos títulos, e somente no
último subtítulo intitulado Construtores do Progresso traz uma mulher em evidência,
no caso, uma menção a Elbe Brandão, que é descrita da seguinte forma:
Primeira mulher a ser eleita Deputada à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, pelo
Norte de Minas. (...) Filha do grande líder Edilson Brandão político e ruralista de
destaque na Região do Norte de Minas, a qual dedicou sua vida (Silveira & Colares 1999:
183).
Mais uma vez percebemos que ela era “importantea ponto de ser citada em uma obra de
referência histórica da cidade. Elbe Brandão ocupou nos anos 1990, uma cadeira de
representação política na Assembleia Estadual, porém, sua paternidade era
constantemente colocada como respaldo para sua eleição. Outro registro que não
podemos deixar de mencionar dos escritos dos memorialistas, é sobre a vida de Dona
Tiburtina, uma mulher que nos anos 20 do século XX, se casou com um médico, político e
“coronel” da cidade de Montes Claros, e foi sempre muito mencionada em textos sobre
Montes Claros. Considerada uma figura importante na história política da cidade, porém
apesar de nunca ter ocupado cargo político, sempre esteve “nos bastidores das decisões
políticas”. Tanto memorialistas, como também, a historiadora Maria de Fátima Gosmes
EL SILENCIO DE NARRAR
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS N°13 2024
238
Lima do Nascimento, que escreveu sobre a história de Montes Claros na virada da década
de 1920 para 1930, a citam e afirmam que, Dona Tuburtina era uma “mulher à frente do
seu tempo”, e que apesar de gostar de política e ter envolvimento com a mesma, nunca
ocupou nenhum cargo político ou de (co)mando na cidade. Não sabemos, neste caso, se
por decisão voluntária ou restrição de seu marido, ou mesmo por conta época em que
viveu na cidade. Apesar de estarmos ciente que a data histórica de vivencia de Dona
Tiburtina, legalmente, a não permitia que ela ainda votasse ou fosse eleita, o que sabemos
é que ela teve influências na política, ainda que a sua presença tenha siso apenas nos
bastidores, como retaguarda, escondida na “coxia”, como uma mão que ajudava a
governar, mas que não poderia aparecer ou se destacar ou mesmo apresentar seu nome
como intelectual ou protagonista das ideias/ideais políticos.
Desta forma, através desta pequena análise, podemos compreender um pouco mais sobre
a construção da memória de mulheres como ativas ou com participação na política
montesclarense, de modo representativo, porém como inexistente nos registros históricos
oficiais. As narrativas pouco mencionam as mulheres e quando as mencionam, são ligadas
à educação ou expressões artísticas, e em raros casos, como de Dona Tiburtina, de
mulheres com poder de fala restrito, (re)existindo apenas “à sombra dos seus esposos ou
pais”.
Do mesmo que os jornais, os memorialistas, ainda que, com liberdade para escrever suas
memórias, o fazem através e a partir da narrativa de homens como protagonistas
históricos, desconsiderando ou afastando o protagonismo de mulheres da cena pública. Na
escrita memorialista, mulheres são citadas, algumas até mesmo como atuantes da cena
pública, mas são constantemente lembradas que o lugar que ocupam se devido suas
relações familiares, e não por suas próprias virtudes ou conquistas, ou até mesmo, em
certos momentos, como símbolos de postura e firmeza, mas sempre nos bastidores, sem
alcançar a cena pública como espaço de fala e de proeminente de seus ideais.
Novamente, essas fontes (jornais e memorialistas) nos mostram que, apesar de citar
mulheres, destacar algumas, bem poucas, claro, novamente vemos o
silencio/silenciamento imperar como nas demais fontes analisadas. Cadê as mulheres e o
seu protagonismo? Cadê as mulheres e seus feitos e suas conquistas? Onde estão as
mulheres na liderança e na “feitura” de suas lideranças? Quando escritas por mulheres a
história montesclarense, onde estão suas atuações políticas, sociais, econômicas? Silêncio
e apenas isso!
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
239
Entendemos aqui por silêncio o ato voluntário de não pronunciar-se diante de uma
pergunta, solicitação ou indagação. É uma emoção que pode ser uma reação ao medo, a
rejeição ou até mesmo um receio perante algo ou alguém. Por emoção, a entendemos como
“um movimento, ela é portanto, uma ação, algo como um gesto ao mesmo tempo exterior e
interior[...] as emoções passam por gestos” (Didi-Huberman 2016: 26). Temos, portanto,
um gesto claro de negação, uma ação que move o afastamento da entrevistadora da
entrevistada, silêncio!
Em História das Emoções: problemas e métodos, de Barbara Rosenwein, de 2011, a autora
defende a tese de comunidades emocionais, que segundo ela, seriam em síntese “grupos
sociais cujos membros aderem às mesmas valorações sobre as emoções e suas formas de
expressão” (Rosenwein 2011:07). Consideramos que possuímos na presente pesquisa de
pós doutorado essa comunidade emocional, pois segundo a autora: “comunidades
emocionais podem ser grandes ou pequenas” (Rosenwein 2011: 22). Portanto, em um
grupo de 5 (cinco) mulheres com cargos públicos, em sua maioria vereadoras, de um modo
muito semelhante agiram utilizando o silêncio como resposta a uma proposta de
entrevista.
Qual seria o motivo do silêncio? Seria o medo, a punição com possíveis retaliações
políticas, as relações de gênero e, portanto de poder, que fez e faz com essas mulheres não
falem, dialoguem ou aceitem participar e falar sobre como é ser mulher na política? Qual
seriam os motivos que levaram essas mulheres a não responder mais nossas mensagens e
a não debater a importância do sufrágio feminino? Ou ainda, é comumente aceito que o
silêncio seja algo “natural” das mulheres nesta cidade ou foi imposto esse silêncio para
elas?
Quando Barbara Rosenwein (2011: 22) escreve que “a natureza dos laços afetivos entre
pessoas que eles reconhecem; e os modos de expressão emocional que eles pressupõem,
encorajam, toleram e deploram”, talvez traga algumas possíveis respostas. As 4 (quatro)
vereadoras trabalham no mesmo espaço físico, com gabinetes muito próximos, o que
facilita o contato e a convivência. A mensagem de convite para participar da entrevista foi
enviadas para todas no mesmo dia. A ex vice prefeita, não trabalha no mesmo local que as
vereadoras, contudo, ainda possuem contatos profissionais, visto que a ex vice prefeita
possui um cargo administrativo ainda em vigência na câmara dos vereadores, ou seja,
possivelmente essas mulheres se encontram, se falam, se comunicam. Não podemos
afirmar que conversaram sobre esse assunto, ou que até mesmo relataram umas às outras
sobre o convite, mas o que podemos afirmar que elas sabiam que todas haviam sido
convidadas a participar de uma pesquisa da Universidade, segundo as 2 (duas) vereadoras
EL SILENCIO DE NARRAR
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS N°13 2024
240
que concederam a entrevista. Assim sendo, podemos considerar a possibilidade de um
diálogo e um forma de não encorajamento de fala. Reconhecemos a dificuldade que todas
às mulheres travam para ocupar um local de poder, sendo assim é compreensível que por
ser um grupo pequeno frente aos demais 16 vereadores homens, portanto 4x mais que o
contingente que elas ocupam, o silêncio, a iniciativa de não encorajamento, e o medo tenha
sido a tônica, e o silêncio assumiu o lugar.
A negativa da entrevista, o não responder e assim ignorar as mensagens enviadas, a recusa
desde o primeiro contato, revela aquilo que Michel Foucault, afirma em A ordem do
Discurso (2014, 7) se lhe ocorre [o discurso] ter algum poder, é “de nós, de nós, que ele
advém”, ou seja, toda ordem do discurso pronunciada é a
inquietação em sua realidade material de coisa pronunciada ou escrita; inquietação
diante dessa existência transitória destinada a se apagar sem dúvida, mas segundo uma
duração que não nos pertence; inquietação de sentir sob essa atividade, todavia
cotidiana e cinzenta, poderes e perigos que mal se imagina, inquietação de supor lutas,
vitorias, ferimentos, dominações, servidões, através de tantas palavras cujo uso há tanto
tempo reduziu as asperidades (Foucault 2014: 8).
O autor continua sua reflexão e se questiona: “mas, o que há, enfim, de tão perigoso no fato
de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde está o
perigo?” O perigo, segundo nossas análises e interpretações, está no discurso político
direcionado de mulheres no poder para outras mulheres, ou seja, o discurso que se
constrói através da repetição atingindo sua força de verdade, ou seja, partindo da
concepção de que para o autor, instituição aqui, não é um espaço, mas sim um sujeito em
sua completude (seja histórica, social, política, subjetiva e emocional) a ordem do discurso
será e está direcionada ao desejo do sujeito em se fazer ouvir e aplicável em sua
concepção, e essa aplicação de poder, pode ser dentre inúmeras possíveis, o incentivo para
que outras mulheres ocupem cargos de poder em todas esferas públicas e políticas.
Assim sendo, o discurso não é único, mas ele é uno, ele faz parte de um conjunto e
agrupamento de sujeitos que o partilham, a ordem do discurso é coletiva. E essa
coletividade é mesma que divide, separa e organiza a sociedade em grupos de homens x
mulheres, de razão versus emoção, e assim seguidamente. A ordem do discurso pensada
nessa escrita é aquela em que o próprio discurso se alimenta dela, se retroalimenta de
suas marcas, de seu modus operante de agir, em um looping infinito que classifica, ordena e
distribui para quem o discurso político direcionado se encaminhará, classificando como
foco, objetivo ou necessário pois, ordena/classifica, isto é (coisas/pessoas) e novamente
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
241
distribui (ordens/vontades de verdade) e assim continuamente, de modo a tornar o
discurso interno fechado, cíclico e certamente sempre coerente com o desejo recorrente
de “divisão” entre o nós e o elas, na sociedade política, a quem é direcionado o discurso e a
quem é direcionador.
Não podemos esquecer que enunciados serão vontades de verdade que incessantemente
repetidos alcançam em algum momento essa ideia de verdade, ou seja, do discurso que se
tornará disciplina. A disciplina precisa ser porosa no sentido de deixar espaço para que se
diga o que não é disciplina, e assim seja visto e assim mencionado. Não se encerra uma
verdade na disciplina, é necessário espaço para dizer também o que não é disciplina, para
que assim possa calçar as concepções dentro da ordem do discurso, dentro do princípio do
discurso político direcionado, pois precisa “responder a condições, em um sentido mais
estritas e mais complexas, do que a pura e simples verdade (...) ela precisa dirigir-se a um
plano de objetos determinados”. A disciplina é um princípio de controle da produção do
discurso. Ela lhe fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem forma de
reatualização permanente das regras” (...) e é provável que não se possa explicar seu papel
positivo e multiplicador, se não levar em conta sua função restritiva e coercitiva”. Ou seja,
a disciplina tem função e ação dentro do discurso ou dentro daquilo que estamos
chamando como discurso político direcionado. Continuamos pensando nas mulheres,
principalmente na questão política e no seu silêncio.
As relações de gênero e, portanto de poder, como afirma Joana Maria Pedro em Relações
de gênero como categoria transversal na historiografia contemporânea (2011), no qual a
autora discute a importância dos estudos de gênero como estudos das relações de poder
“entre homens e mulheres, mas também entre mulheres e entre homens. Nessas relações,
o gênero se constituiria” (Pedro 2011: 273), e o discurso político direcionado do silêncio
se entrecruzam, se levarmos em consideração, as relações de hierarquias postas, mas
também os sentidos horizontais que o poder se ramifica. Se a relação de gênero ocorre
entre homens, mas também pode ser ocorrer entre mulheres, seria esse uso, o silêncio
uma forma de proteção, protesto ou agrupamento como forma de compreensão de que
fato elas não tem nada a colaborar, a falar, a comunicar? Uma vez que temos a
compreensão, e o entendimento até o presente momento, que esse silencio/silenciamento,
não foi uma imposição por parte de qualquer membro homem, e/ou de qualquer nível
burocrático ou de quaisquer hierarquias de escalamento político, assim, portanto, o
silêncio é próprio das mulheres nessa experiência e nessa pesquisa. Mas porquê?
Essas dúvidas e iniciais constatações nos permitem olhar para outros prismas, a
questionar e, até mesmo, considerar e analisar outras possíveis vertentes para esse
EL SILENCIO DE NARRAR
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS N°13 2024
242
silêncio/silenciamento. Em inúmeros diálogos com minha supervisora, a Profa/Dra Rejane
Meireles, foram aventadas possibilidades a respeito do interesse desse silêncio:
seriam/estariam essas vereadoras cientes do espaço de poder que ocupam e assim
interessadas em manter esses espaços e locais de poder? Ou o interesse em garantir suas
relações políticas? Estariam essas mulheres cientes das lutas de outras tantas mulheres
que as antecederam e nas conquistas sufragista? Ou será que quaisquer falas
podem/poderiam interferir em interesses de futuras projeções políticas e/ou (re)eleições?
Quando Simone de Beavouir (1974: 22) afirma que “o opressor não seria tão forte se não
tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos”, nos inquietou! Será que podemos
caminhar por essas searas e pensar que, essas mulheres possuem esta visão acerca da
posição que ocupam? Será que a afirmação de June Harner (2003: 19) que também
transita por esses caminhos, pode complementar ou até mesmo responder nossas
inquietações? Quando ela fala:
o cunho ‘classe média’ do sufragismo brasileiro aponta para um movimento feminista
que nunca pretendeu revolucionar, mas que, muito ao contrário, sempre procurou
apoiar-se nos homens, numa aliança com personagens quer de direita, quer de esquerda.
[...] E as mulheres se orgulhavam disso.
A afirmação de Huner (2003) é potente, é reflexiva. Não podemos esquecer de todas essas
mulheres que ocupam os cargos eletivos possuem acesso a eles por meio de qualificadores
que certamente as separam de outras mulheres. Não podemos afirmar que todas elas são
de “classe média”, mas certamente possuem recursos financeiros e/ou intelectuais ou até
mesmo de raça (todas são brancas), que possibilitem e permitem ocupar o cargo a qual
hoje foram destinadas. Elementos essenciais, transversais como esses classe e raça são
fundamentais para pensarmos a problematização do local ocupado e da potência da fala
que essas mulheres poderiam ter, não apenas falando da nossa pesquisa em si, que não
obteve resultados no contato com elas, mas de todas as formas potencialmente possíveis
que essas mulheres poderiam adquirir. Não sabemos dos motivos que as levaram ao
mundo eleitoral, as disputas da vereança ou o que as provocou a ponto de desejarem um
cargo público. Mas certamente, como salientado, esses elementos contribuíram.
Esperamos, ainda cientes que a presente pesquisa não pode imaginar, supor ou desejar
receber respostas, uma vez que, a pesquisa científica em História é executada com teorias
e metodologias próprias e somente pode ser avaliada a partir dos dados e fontes que a
precedem, que a afirmação de June Huner, hoje, no presente, mais de vinte anos após a
essa constatação, que ela esteja equivocada:
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
243
o sufrágio feminino no Brasil foi essencialmente um movimento de classe média em prol
de uma mudança judicial para garantir o voto daquelas mulheres que haviam alcançado
a mesma qualificação que os homens, não uma tentativa de revolucionar o papel da
mulher na sociedade, nem a própria sociedade em si.[...] (Huner 2003: 31).
Assim, inquietas e não satisfeitas com estas percepções acerca deste silêncio, avançamos
na leitura do citado texto do Michael Pollak (1989) acima, e fechamos nossas análise,
quando nos deparamos no final do texto com sua fala: toda organização neste caso
evidenciamos o partido político veicula seu próprio passado e a imagem que forjou para
si mesmo, e que cada indivíduo externaliza um sentido individual, ou seja, na nossa
pesquisa, entendemos que este silêncio/silenciamento no presente vem também de uma
postura voltada à sigla dos partidos que ela estão vinculadas, que, mesmo sendo em alguns
casos, as siglas partidárias de partidos de direita ou centro direita, é perceptível que todos,
nesse caso em especial, nesta pesquisa, buscam recuperar a imagem da mulher
introspectiva, voltada para as poucas palavras e sem grandes aparições, não esqueçamos
do Bela, Recata e do Lar, ou do texto de Joana Maria Pedro, sobre Mulheres honestas e
mulheres faladas: uma questão de classe; papéis sociais femininos na sociedade de
Desterro/ Florianópolis 1880-1920 (1992), onde a autora analisa a honra como
elemento principal a ser mantido conservado e pelas mulheres, independente do cargo
público, profissão ou atividade, seja ela pública ou não exercida por elas.
A metodologia de História Oral surgiu nos anos 60 no Brasil, e desde então, tem sido
utilizado como aporte teórico-metodológico por inúmeros pesquisadores e pesquisadoras
que se interessam pela temática. A produção cada vez mais crescente de artigos, resenhas,
teses e dissertações sobre os mais variados temas e áreas de produção, com contribuições
significativas e relevantes, nos autoriza nesse momento, a não realizamos uma discussão
aprofundada sobre esse tema em específico, aporte teórico-metodológico, haja visto, como
já afirmado, a significativa e relevante produção na área. Contudo, algumas análises são de
suma importância para continuarmos nossa trajetória, em especial as que permeiam as
discussões de História Oral, tais como, memória e identidade.
Joël Candau, na introdução de Memória e Identidade (2021: 9), afirma: [...] “a memória é,
acima de tudo, uma reconstrução continuamente atualizada do passado” [...]. Para ele,
existem três formas de manifestação da memória: a protomemória (relacionada aos
nossos habitus), a memória propriamente dita ou memória de recordação ou
rreconhecimento (saberes, crenças, sensações, sentimentos, dentre outros) e a
metamemória (representação que cada indivíduo faz de sua própria memória e o que diz
dela filiação ao passado). A primeira, pode ser chamada de faculdade da memória, ou
EL SILENCIO DE NARRAR
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS N°13 2024
244
seja, a nossa capacidade cotidiana de executar algo, enquanto as demais, podem ser
chamadas, segundo o autor, de representação. E, para ele, é justamente essa representação
que reconstrói e atualiza as memórias em questão, no presente. E essa atualização não é
coletiva, como sugere Maurice Halbwachs (1990) ela é individual, subjetiva, temporal e
localizada. Os grupos não rememoram do mesmo modo, com a mesma intensidade ou com
as mesmas propriedades. A representação, assim citada, é uma forma de metamemória, ou
seja, é um modo de enunciado que membros de um grupo irão produzir a respeito de uma
memória supostamente comum a todos do grupo, ou seja, uma denominação vinculada a
capacidade atestada e reconhecido por uma comunidade com demoniadores em comum.
Todo e qualquer sujeito deseja possui interesse em deixar à posterioridade uma
imagem/lembrança positiva, ou até mesmo positivada pelo/para o grupo social, o qual
pertence/pertenceu. Segundo Candau (2021: 77),
a imagem que desejamos dar de nós mesmos a partir de elementos do passado é sempre
pré-construída pelo que somos no momento da evocação. [...] esse ato de memória
organiza os traços mnésicos deixados pelo passado: ele os unifica e os torna coerente a
fim de que possam fundar uma imagem satisfatória de si mesmo. Esse trabalho da
memória nunca é puramente individual.
O processo de identidade, nesse caso, atravessa o sujeito: “a lembrança, tal como dispõe na
totalização existencial verbalizada, faz-nos ver que a memória é também uma arte da
narração que envolve a identidade do sujeito[...] cuja [...] dependência do contexto
participa, portanto, da reconstrução das lembranças” (Candau 2021: 76). Sendo assim, ao
se narrar à posterioridade, o sujeito seleciona, escolhe, classifica, deixando apenas efeitos
de iluminação da sua trajetória, como afirma Candau (2021).
Neste sentido, se pensarmos que estamos dedicando nossas atenções as memórias de
mulheres, devemos estar cientes, como nos afirma Michelle Perrot (1989) que essas
memórias, independente da época, devem estar de acordo e de modo condizente com as
representações de gênero na sociedade. Como a memória é construída, ela se elabora e
reelabora em função do Outro, em referência aos critérios de aceitabilidade, de
admissibilidade e de credibilidade, em uma negociação direta com o Outro (Pollak 1992:
5). A figura pública, aqui, não permite que ela se desligue da figura privada! Exigências de
uma sociedade que reivindicava esses qualificadores. Essas são as memórias domesticadas
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
245
e/ou trajadas
6
produzindo esse passado composto e recomposto, o trabalho complexo da memória
autobiográfica objetiva construir um mundo relativamente estável, verossímil e
previsível, no qual os desejos e projetos de vida adquiram sentido e sucessão de episódios
biográficos perde seu caráter aleatório e desordenado para se integrar em continuum o
mais lógico possível [...] (Candau 2021: 73).
Nesse sentido, a memória torna-se um elemento construído, coletivo, seletivo e sexuado, e,
portanto, um elemento de valor disputado através de conflitos sociais e intergrupais.
(Pollak, 1992). Desta maneira, o enquadramento de uma memória condizente com o
desejo de perpetuação de uma memória social, permite e reitera o trabalho da memória em
si à qual se deseja investir no presente e relegar ao futuro, (re)elaborandoa através de um
trabalho mnemônico que encontra respaldo em lugares de memória (Nora, 1993). Não
podemos esquecer que ao não encontramos referência acerca do voto feminino, na
imprensa a exemplo do jornal Gazeta do Norte, entendemos que mesmo sendo um direito
e uma realidade naquele momento, na cidade de Montes Claros, não houve uma
transmissão ou um circular social da ideia do voto e nem da participação feminina na
política local. A imprensa é uma prática social, falar também! E tal qual, ela ajudaria a
6
A citação de autoria de Michelle Perrot (1989) menciona o quanto e como as mulheres as memórias de
mulheres estão imbricadas em suas tarefas domésticas ou vidas privadas. Suas memórias não de descolam das
vivencias no lar, com sua família. Lembra a autora, que as mulheres, por vezes, memorizam através dos ciclos
de sua vida, tais como, o casamento, o nascimento dos filhos, o batizado... e com susas memórias trajadas, seja,
as roupas que estavam utilizando, tais como, a cor do vestido, o corte de cabelo utilizado no casamento ou na
formatura dos filhos. Assim sendo, em suma, as memória de mulheres não se deslocam das memórias famílias.
Neste caso, o uso dessa citação reforça, a preocupação das mulheres vereadoras em falar, e o quanto isso está
ligado a sua família e o modo que isso poderia prejudicá-los, caso sua fala seja interpretada ou colocada.
Nesse caso, não podemos, como referenciado, citar ou utilizar nomes das entrevistas que não cederam suas
entrevistas sob pena de sanção ou infringimento ético da pesquisa, mas muitas falas, se referem a família, as
memórias de como construíram suas carreiras públicas alinhadas, anexas ou mesmo, de modo mais claro,
misturadas a nascimento de filhos, netos e comemorações particulares. Além disso, percebemos que as
questões partidárias influenciam nessa questão. Cada vereadora é de um partido, seja eles de esquerda, centro
ou extrema direita, assim, algumas possuem mais facilidade em desvincular suas carreiras das amarradas
familiares, outras não conseguem, seja pela ideologia que partilham, sejam pelo modo de suas vivências ou
modo que enxergam as suas vidas e funções basilares como mãe, esposa e dona de casa. No entanto, o que nos
interessa com essa citação é demonstra que todas elas não se desligam da figura materna e do lar. Sua história
política é trajada pelas memórias pessoais que incluem filhos e maridos, suas referências de disputa partidária
estão ligadas a aprovação no vestibular do mesmo ano que o filho, vitória nas urnas no mesmo ano do
nascimento da neta, ou seja, de modo sucinto, cabe aqui nossa afirmação sobre como as memórias de mulheres
estão entrelaçadas a memórias privadas, independente do partido ao qual respondem suas eleições ou
candidaturas, obviamente algumas mais e outras menos, mas todas, de um modo em geral, não esquecem que
precisam, necessariamente, responder ou respeitar ou até mesmo se lembrar que suas ações não estão apenas
condicionadas a sua pessoa, mas a de seus familiares e que, como nos afirma Joana Maria Pedro (1992) a honra
familiar deve ser o pilar da família, centrada na obrigação da mulher como papel social a ser cumprido por ela,
independentemente de onde esteja, ou cargo que ocupe, nesse caso, das nossas vereadoras, principalmente
aquelas ligadas a partido de direita ou extrema direita.
EL SILENCIO DE NARRAR
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS N°13 2024
246
construir signos e significados que solidificariam práticas e comportamentos femininos de
participação direta ou indireta nos espaços do legislativo que atravessariam décadas e
chegaríamos no presente com mulheres ocupando cargos de representação popular com a
consciência e reconhecendo a trajetória histórica que trilharam para chegar ao presente,
mas infelizmente não foi isto que percebemos. Pelo contrário, mesmo que temos em 2024,
mulheres ocupando cadeiras no legislativo local, isso não desperta na maioria delas a
percepção histórica de tal ocupação eleitoral.
Isso nos leva a uma reflexão, e o texto “Memória, esquecimento e silêncio”, Michael Pollak
(1989), que nos apresenta um debate no qual ele exemplifica uma pesquisa que aborda o
que ele chamou de Modus vivendi(Pollak 1989: 5) pode aqui colaborar. No texto, o autor
aborda o silêncio dos entrevistados no tocante às memórias nos campos de concentração.
Segundo o autor, ele percebeu que os entrevistados não relatavam sobre a violência vivida
porque não tinham “escuta”, ou seja, não haviam pessoas interessadas em ouvir seus
relatos pelos traumas, violências e perdas vividas naquele espaço. O que, na trajetória da
pesquisa apresentada aqui, tivemos exatamente o polo oposto, as vereadoras foram
convidadas a falar, foram instigadas a falar, mas a maioria delas preferiram o silêncio. O
que suscitou em nós, como pesquisadoras, vários questionamentos, tais como: porque elas
se negaram? Ou porque as vereadoras se prontificaram a falar e não finalizaram todo o
processo da entrevista? Por que não que nos autorizaram a utilizar suas falas?
No próprio texto do Pollak (1989), acreditamos que encontramos possíveis motivos:
segundo o autor, existe interação entre o vivido e o aprendido, o vivido é transmitido, e o
passado precisa de discursos recorrentes para ter credibilidade (Pollak 1989: 9-10).
Assim sendo, o foco e a discussão que desejamos neste momento refletir e que faz parte
das problemáticas da pesquisa em História Oral, é sobre os silêncios, não aquele
silêncio/silenciamento perante o gravador devido alguma emoção específica surgida
durante a fala do entrevistado, mas os desdobramentos que o silêncio/silenciamento, em
especial, nessa pesquisa, se fizeram presentes. O que buscamos com esse debate é
compreender o silencio/silenciamento de mulheres vereadoras da cidade Montes Claros
frente a uma pesquisa acadêmica que deseja ouvir suas vozes, suas trajetórias, anseios,
dúvidas, problematizar a possível presença do machismo e do patriarcalismo institucional,
dentre tantas outras vertentes anexas a essa discussão. É também, a iniciativa de
contribuir com futuras pesquisas, em que os caminhos, assim como essa que iniciou nos
levou, ao silêncio; e também, entender as formas que o não dizer, não dialogar ou debater
sobre o sufrágio feminino, seja no Jornal Gazeta do Norte, seja nas tentativas de contato e
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
247
de entrevista com essas mulheres, se consolidou e se consolida na cidade até a presente
data.
A presente inquietação transita pelos caminhos do debate e pelas linhas teóricas e
metodológicas dos estudos sobre emoção, do gênero, dos debates geracionais e também
pelos debates de classe, dos debates sobre política, sufrágio e todas as relações de gênero
que envolvem as relações de poder. Todas essas interseções são fundamentais para que
possamos debater, analisar e fazer movimento em busca de compreender o porquê esse
assunto ainda hoje encontra ressalvas na referida cidade. Por que o silencio/silenciamento
sobre a participação das mulheres na política ainda hoje é tratada com mudez? Por que
quando solicitadas, desejam e buscam o silêncio/silenciamento ao invés da narrativa
sobre suas vivências e trajetórias como mulheres políticas ou mulheres na política,
afirmando seu espaço enquanto mulher e local de fala? Temos algumas inclinações de
respostas
7
, além das postas até aqui até o presente momento, inclinações que também
envolvem reflexões acerca dos usos políticos da história e da própria política.
História Oral, silêncio e política: mulheres e a participação política pública
Em seu artigo intitulado “Os usos políticos da história”, Joan Scott (2023), afirma que a
definição histórica política da qual ela parte para escrever seu artigo, centra-se na
concepção de que “o estudo das relações contestadas de poder - para examinar as
maneiras pelas quais a ‘história’ funciona retoricamente para fins políticos”, e justifica seu
uso, afirmando que uma análise conceitual, “uma exploração dos usos populares dessa
concepção de história revela (entre outras coisas) até que ponto a política é inseparável
dos trabalhos da própria disciplina” (Scott, 2023: 39). Como história e política se
entrelaçam? Como organizam a dança poética do social, do econômico, do cultural? Como
as relações podem, ou não serem estabelecidas entre elas? Para a autora, neste caso, “não
existe uma única definição de ‘história’ sobre a qual as diversas reinvindicações políticas
são interpretações particulares de ‘historia’, como uma forma de mover na direção a ou de
assegurar um futuro”. Ela continua sua análise e finaliza afirmando na página 50:
as questões factuais são importantes, é claro, mas é a forma como os fatos são utilizadoa
para justificar, expor ou desafiar as ‘regras do jogo’ que faz toda diferença. Os usos da
7
Quando mencionamos inclinações de respostas, não significa respostas prontas, dadas ou tampouco
absolutas. Através de nossas análises teórico-metodológicas e do modo como estamos percebendo a pesquisa,
podemos inferir algumas repostas, todas certamente muito iniciais e ainda sem a devida comprovação, até o
presente momento.
EL SILENCIO DE NARRAR
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS N°13 2024
248
história podem nos dizer muito sobre os fins políticos para os quais a história está sendo
usada.
Joan Scott (2023) não deixa dúvidas sobre as problemática existente, para ela, entre
história e política e os usos dela na atualidade. A autora questiona o uso da história como
modo de afirmar ou refutar dados históricos e reflete sobre como ela ganhou esse
destaque e importância, principalmente, sendo elegida como palco por partidos de direita
para justificar suas ações e álibis e as inúmeras tentativas de construções de narrativas
coerentes com seus desejos e justificativas históricas como modo de afirmação ou
confirmação de suas falas. Questionadora quando ao uso da história nesse sentido, ela
também buscou refletir em seu artigo sobre a atuação do historiador e da historiadora
nesse interim. Cabe a nós utilizar a história como método de análise histórica de
justificação social para/com um determinado fim? Em nossas investigações,
compreendemos que não. A história nos serve como espaço de reflexão e análise, como
meio de compreensão das estruturas políticas, sociais, econômicas e quando aliada aos
estudos de gênero, sendo a autora nesse caso, uma das percursoras dessa discussão,
possui instrumentos para analisar os machismos, patriarcalismos, as relações de gênero e
de poder na sociedade.
Nesta pesquisa, em especial, a política e os usos das política, por assim dizer, tem como
objetivo compreender como essas relações entre política e história levaram mulheres
eleitas em cargos de vereança na cidade de Montes Claros a silenciar sobre as suas
trajetórias e conquistas, seja no espaços públicos, seja nos espaços de atuação política.
Para Flávia Biroli (2018), o
debate contemporâneo sobre a participação política das mulheres tem como ponto de
partida o diagnóstico de que o direito ao voto e o direito de disputar eleições, conquistas
na maior parte do mundo ente as primeiras décadas do século XX e meados do mesmo
século, não redundaram em condições igualitárias de participação. Sua análise
demanda, assim, que se além das regras formais, dos direitos estabelecidos, em
direção a um entendimento mais complexo da permeabilidade seletiva das democracias
contemporâneas. No caso das mulheres, isso significa levar em consideração as relações
de gênero no cotidiano da vida social e os obstáculos informações à participação nos
espaços institucionais, tendo em mente que sua posição não se esgota nas relações de
sexo ou gênero, mas é definida em conjunto com variáveis como classe, raça, etnia,
sexualidade e geração [...] os obstáculos remetem a dinâmicas sociais de desvantagens
que situo neste livro a partir da divisão sexual do trabalho, com seus componentes
materiais e simbólicos. Elas se entrelaçam à seletividade própria aos espaços formais de
representação, historicamente masculinos (Biroli 2018: 171).
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
249
A proposição longa é um chamado à reflexão. Espaços majoritariamente masculinos, como
os de poder político, por exemplo, abrigam relações de poder, para além dos claramente
sinalizados, mas também, se expressam através das relações intersecionais que
atravessam nós mulheres. No caso das nossas entrevistas, é perceptível esses
atravessamentos. Algumas, são mulheres que advieram de famílias com tradições políticas
e, que ainda hoje encontram-se no poder, há mulheres sem tradições familiares na política,
mulheres que estão em seu primeiro mandato, mulheres com longos anos de
vereança, mulheres LGBTQIA+, mulheres casadas, mulheres solteiras, por
assim dizer, uma infinidade de atravessamentos que compõem essas mulheres, próprias
de suas individualidades e histórias de vida.
Contudo, é possível observar um ponto em comum em todas as entrevistadas: todas
concordam com a autora citada quando ela afirma: “a política é atualizada como espaço
masculino” (Biroli 2018: 172). Segundo as vereadoras, dificuldades no diálogo,
resistência em suas permanências, excessivas burocráticos nos trâmites de propostas
que levam seus nomes em ação para cidade como vereadoras, de conquistas de espaço,
seja ele físico, ou simbólico de atuação, tentativas de restrição de voz ativa, de aprovação
de ementas, de propostas de atividades, em suma, “é possível sustentar [...] que temos hoje
à disposição, que obstáculos materiais, simbólicos e institucionais erigem barreiras que
dificultem a atuação das mulheres e alimentam os circuitos de exclusão (Biroli 2018: 172).
Os relatos de todas as vereadoras demonstram tentativas de relações de gênero, de
relações de poder, como afirma Joana Maria Pedro (2011: 273)
8
. Mantendo essa reflexão,
Flávia Biroli (2018) afirma, “ainda que os obstáculos à participação política das mulheres
sejam um problema em si, os efeitos dessa participação desigual não as atinge da mesma
forma, podendo até preservar as posições vantajosas de algumas mulheres entre elas.” As
mulheres que pertencem a nossa pesquisa ocupam esse espaço de mulher de classe média,
letrada, em sua maioria branca e com tradição familiar na política. Seria esse o motivo do
silêncio/silenciamento? Seria a restrição familiar um obstáculo à divulgação de suas falas?
Seria a não autorização familiar o impedimento para o retorno à nossa pesquisa? Mas e as
que não possuem essa tradição, que ocupam papéis não tradicionais, também poderiam
estar sendo orientadas ao silencio para não “prejudicar sua reeleição? Não podemos
esquecer a cidade de Montes Claros, assim como tantas no Brasil, encontra-se em pleno
exercício de suas candidaturas e recandidaturas com as eleições para prefeito, vice
prefeito e vereadores e vereadoras no próximo mês de outubro do referido ano de 2024.
8
As relações de poder, que podem ocorrer “entre homens e mulheres, mas também entre mulheres e entre
homens. Nessas relações, o gênero se constituiria” (Pedro 2011: 273).
EL SILENCIO DE NARRAR
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS N°13 2024
250
Considerações possíveis
Quando nos perguntamos, do que “falam” nossas convidadas à pesquisa? ou quando
utilizamos o título provocativo “silêncios do narrar”, podemos responder que nos elas
falam/ narram de/sobre silêncios, sobre subjetividades, sobre escolhas e interesses, sobre
decisões. As nossas convidadas à pesquisa, falam de um espaço/tempo/local, em que
apesar dos avanços e lutas feministas, das conquistas sufragistas e dos inúmeros desafios
das mulheres para ocuparem espaços e lugares tidos como masculinos, ainda escolhem o
calar como forma de “falar”. Não podemos definir os porquês dos silêncios, não é nosso
objetivo na presente escrita, não desejamos criar juízos de valor, não nos cabe sermos
definidoras, árbitras. Nosso olhar aqui, nosso direcionamento na pesquisa seguiu pelas
linhas e estudos das relações de poder, das relações subjetivas. Nossa análise possui as
lentes das relações de gênero. Não desejamos afirmar que o silêncio adveio por uma
condição partidária, tampouco, podemos afirmar que veio por uma opção ou restrição da
prefeitura de Montes Claros, da mara dos Vereadores, dos familiares, mas podemos
afirmar que o silêncio/silenciamento veio por elas e através delas, da maioria das
mulheres vereadoras e de uma ex vice prefeita de Montes Claros. Nossa busca não é o
motivo, mas a análise da realidade dada, do silêncio/silenciamento. Não é uma
especulação, uma generalização, é uma apresentação de uma pesquisa com usos e
comprovações científicas, que extraiu dados científicos, que nos conduziu, direcionou até o
presente momento da pesquisa, mesmo após insistentes tentativas de diálogo: o
silencio/silenciamento das maioria das mulheres vereadoras da cidade de Montes Claros.
Sendo assim, aqui nossa proposta de escrita foi reflexiva. Lamentavelmente não temos as
respostas às perguntas aqui executadas. Esse caminho que a pesquisa rumou foi
inesperado e surpreende, ainda restam dúvidas, anseios e aprendizados a serem
construídos. Lidar com as emoções de outrem e as nossas próprias durante essa trajetória
de escrita e desenvolvimento científico são processos árduos. Gostaríamos de ouvi-las, de
questioná-las, de pensar e refletir juntas. A única entrevista até o momento concedida,
será muito proveitosa, mas é apenas uma, frente a todas as demais que poderiam somar
nesse momento.
Certamente temos consciência de que, como salientado, a metodologia de História Oral
foi aplicada, de acordo com as normas adequadas a ela. Do mesmo modo, temos ciência de
que essa entrevista concedida pode sim ser utilizada como História Oral na nossa
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
251
pesquisa, uma vez que estamos cientes de é possível sim fazer História Oral com apenas
uma entrevista, como salientam alguns teóricos e teóricas da área, a exemplos dos muitos
citados nessa pesquisa.
Contudo, nossa angústia e nossa tentativa de análise, na presente escrita, como
expressado, é de dividir com nossos pares os nossos anseios e, buscar através dessas
reflexões, acerca do silencio/silenciamento de mulheres esclarecidas, cientes do uso de
suas falas, que aceitaram participar de um processo de coleta de entrevistas com cunho
acadêmico, as respostas para nossos porquês: Por que o silêncio/silenciamento? O que as
motivou? Por que tomaram esta decisão?
Nosso objetivo, certamente era escrever de sobre as entrevistas, problematizar as
discussões, trazer elementos da cidade, mobilizando teorias e metodologias para essas
análises, contudo, não temos autorização para utilizar as entrevistas e, portanto, não
podemos fazer isso. Como não temos repostas para os silêncios/silenciamentos,
certamente em alguns momentos, nossa escrita pode soar como especulação, o que
claramente não nos cabe aqui. Como historiadoras, não podemos inferir, tentar descobrir,
criar simulações, uma vez que, entendemos, que foi uma escolha e um direito delas
executado e posto em ação: optaram pelo silêncio/silenciamento. Na pesquisa, na presente
escrita, e nos diálogos travados em seminários, congressos e apresentações da pesquisa
em geral, nos cabe trabalhar com essas escolhas por parte das vereadoras que devem
ser respeitadas. As problemáticas da pesquisa nos trouxeram até aqui, e cabe o aceite por
parte de nós pesquisadoras, dos (des)caminhos que a própria pesquisa se fez! Nossa
problematização, dessa forma, passa a caminhar, portanto, pelos silêncios/silenciamentos,
que cunhadas pelas teorias e metodologias citadas, nos permite problematizar, de
acordo com nossas convicções, seus pontos e referências. Apenas temos uma certeza e
uma afirmação, o silêncio narra! Não talvez aquilo que desejamos ouvir, mas se
prestarmos atenção, talvez ele fale mais do que até mesmo as entrevistas cedidas.
Nossa experiência na tentativa de realização da pesquisa de pós doutoramento,
acreditamos ter demonstrado até aqui, têm sido desafiadora! Lidar com silêncios quando
se busca resposta é laborioso. Consciente ou não, intencional ou não, proposital ou não,
com múltiplos interesses ou não, silenciadas ou silenciosas, seja quais foram os motivos, os
meios e as predileções que as levaram a sonegar sua fala, temos apenas o silêncio, e é
assim, até o presente momento que essa pesquisa se constitui: de silêncios.
Bibliografía
EL SILENCIO DE NARRAR
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
TESTIMONIOS N°13 2024
252
Alberti, Verena. 2006. História Dentro da História. En: Pinsky, Carla B. Fontes Históricas, Contexto,
São Paulo.
Beavouir, Simone de. 1967. O Segundo Sexo, Difusão Europeia de Livros, São Paulo.
Biroli, Flávia. 2018. nero e desigualdade: os limites da democracia no Brasil. 1.ed. Boitempo, São
Paulo.
Candau, Joël. 2021. Memória e identidade: do indivíduo às retóricas holistas. En: Memória e
identidade. São Paulo.
Didi-Huberman. Georges. 2015. Que emoção! Que emoção? Lisboa.
Foucault, Michel. 2013. A ordem do discurso: aula inaugural no Collége de France, pronunciada em 2
de dezembro de 1970. 23 ed.- Ediçoes Loyola, São Paulo.
Halbwachs, Maurice. 1990. A Memória coletiva. Trad. de Laurent Léon Schaffter. São Paulo.
Harner, June Edith. 2003. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos das mulheres no Brasil.
1850-1940. June E. Hahner; tradução de Eliane Lisboa; apresentação de Joana Maria Pedro.
Florianópolis: Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC.
Nascimento, Maria De Fatima Gomes. 2004. Tiburtina de Andrade Alves: entre as relações de poder
e as representações sociais de uma mulher (montes claros na primeira metade do culo xx).
Dissertação, Universidade de Vassouras, Fusve.
Nora, Pierre. 1993. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo,
n.10, dez. 1993, p.7-28.
Paula, Hermes Augusto de. 2007. Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes. Volumes 1,
2 e 3. En: Leite, Marta Verônica Vasconcelos. Coleção Sesquicentenária, Editora Unimontes,
Montes Claros.
Pedro, Joana Maria. 2011. “Relações de Gênero como categoria transversal na historiografia
contemporânea”. Topoi, v. 12, n.22, jan-jun. 2011, p. 270-283.
Perrot, Michele. 1989. “Práticas da memória feminina”. Revista Brasileira de História. Vol. 9, n.18, p.
9-18.
Pollak, Michael. 1989. “Memória, esquecimento, silêncio”. Revista Estudos Históricos, v. 2, n. 3, p. 3-
15.
Rodrigues, Rejane Meireles Amaral Rodrigues. 2013. Memórias em Disputa: transformando modos
de vida no sertão e na cidade. Jundiaí: Paco Editorial.
Rosenwein, Barbara H. 2011. História das Emoções: problemas e métodos. Tradução de Ricardo
Santhiago. São Paulo.
Silveira, Ivone & Colares, Zezé. 1999. Montes Claros de ontem e de hoje. Gráfica Giordani Editora:
Montes Claros.
FECHA DE RECEPCIÓN: 31/05/2024
FECHA DE ACEPTACIÓN: 13/10/2024
Talita Gonçalves Medeiros y Rejane Meireles Rodrigues
253